Wesley Ferro Nogueira
Secretário-Executivo do Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (Instituto MDT)
BRASÍLIA – O ano ainda se iniciava um pouco sonolento quando fomos convocados às pressas, no dia 06/01, para uma reunião extraordinária do Conselho de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal (CTPC/DF), onde o Instituto do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (Instituto MDT) tem assento desde o ano de 2018, sendo uma entre as duas organizações da sociedade civil com atuação direta na área da mobilidade urbana que tem titularidade nessa instância de controle social.
Na convocação encaminhada se apresentou como único ponto de pauta a proposta do Governo de correção da tarifa usuário do transporte público coletivo. Segundo a justificativa técnica inicial apresentada no documento anexo à convocação, o reajuste deveria ocorrer no mesmo patamar do aplicado sobre a Tarifa Técnica, correspondente a 16,19%, referente à variação do IGP/FGV durante o período de setembro/2017 e setembro/2019.
Entretanto, segundo esse documento, considerando a necessidade de atender o que está exposto na Lei Distrital n.º 4.011/2007, que trata do STPC/DF, como a modicidade tarifária e a garantia do direito de mobilidade da população de baixa renda, a proposta final apresentada pelo Governo defendia um reajuste linear de R$ 0,50 sobre as 3 tarifas praticadas no DF, o que daria um reajuste médio de 14,76%, o que já seria bem próximo da primeira proposta.
Diante do quadro apresentado, o Instituto MDT se posicionou contrário à aplicação do reajuste tarifário e reiterou a necessidade de que a consolidação do transporte público como direito social e como serviço essencial, como previsto na Constituição, passa obrigatoriamente pelo compromisso efetivo do estado com essa política pública, seja aportando os seus recursos orçamentários ou estabelecendo novas fontes para o financiamento do sistema, priorizando o uso do sistema viário para o transporte público, implantando Corredores e Faixas Exclusivas e assumindo, na sua integralidade, o planejamento, a coordenação e a gestão do Sistema.
Um dos princípios da Política Tarifária estabelecidos na Lei n.º 4.011/2007 diz que se deve buscar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do STPC/DF e o Instituto MDT reconhece isso como um dos fundamentos importantes para a sustentabilidade do Sistema. Também avaliamos que a política de aporte de subsídios por parte do Governo do Distrito Federal no transporte público (em 2019 foram aplicados R$ 701 milhões), é um diferencial em relação às outras cidades brasileiras e isso contribui decisivamente para a manutenção das tarifas em patamares menores para os usuários, uma vez que esse recurso público financia as gratuidades de estudantes, idosos e pessoas com deficiência.
É nesse sentido que acreditamos que esse reajuste vai onerar diretamente o usuário do Sistema, que já banca uma tarifa cara para a atual conjuntura brasileira. A economia justificada pelo GDF com o reajuste, que representaria um aporte menor de R$ 161 milhões no valor do subsídio neste ano, vai se traduzir em mais obrigações para o passageiro pagante do sistema, que assiste ano a ano o aumento do comprometimento da sua renda com o item transporte, além do estrangulamento dos grupos de usuários que se encontram desempregados ou na informalidade e que, por isso, não contam nem mesmo com o benefício do vale-transporte.
A retirada de parcela do subsídio também pode se apresentar com outra nuance: diminuir progressivamente a obrigação do poder público com o transporte público e redirecionando esse fluxo de recurso orçamentário-financeiro para a utilização em obras de infraestrutura que visam atender exclusivamente ao transporte individual motorizado, entrando em rota de colisão com as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF (PDOT), no Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do DF (PDTU) e na Lei Federal n.º 12.587/2012, que tratam da necessidade da redução de privilégios para o automóvel e a priorização do transporte público e dos modais ativos de circulação.
Apresentamos todas essas ponderações na reunião e elas também foram compartilhadas pelos outros conselheiros. O CTPC/DF se posicionou contrário a qualquer reajuste e essa decisão ficou registrada na ata da reunião. Entretanto, conforme o que estabelece a Lei n.º 4.011/2007, a tarifa é fixada pelo chefe do executivo, com base em estudos de custos e tarifas e após ouvido o Conselho. O CTPC/DF não tem poder deliberativo, apenas consultivo.
Ao mesmo tempo em que apresentamos nossa posição em relação ao equívoco do reajuste, uma vez que o seu ônus recairia exclusivamente sobre o colo do usuário do transporte público, afastando cada vez mais os passageiros de um sistema que vem perdendo usuários ao longo dos anos, conduzindo-o a um quadro com custo operacional maior e cada vez mais próximo de um colapso, também listamos uma série de alternativas para o seu financiamento, além de medidas que devem ser assumidas pelo GDF para a gestão plena do Sistema.
Nesse campo, no âmbito de novos desafios do GDF para o financiamento do transporte, relacionamos o estabelecimento de um percentual sobre as viagens realizadas pelos veículos de aplicativos de transporte, a definição de um percentual sobre o valor do IPVA de Automóveis e Motos, a implantação de uma política de estacionamento sobre as vagas públicas, a utilização da receita sobre multas de trânsito, da exploração de publicidade e da outorga onerosa e, principalmente, o estabelecimento de percentuais sobre o IPTU de imóveis que tiveram valorização após a implantação de sistemas estruturais de transporte público. Sendo que tudo isso seria aportado em um Fundo para o financiamento do transporte público.
Defendemos que todo o arcabouço jurídico que estabelece a necessidade da priorização do transporte público sobre o transporte individual seja utilizado para a implantação de medidas que visem financiar o Sistema e criar condições diferenciadas dentro do espaço viário, implantando faixas e corredores exclusivos. Esse enfrentamento com setores que sempre tiveram privilégios dentro da história do DF precisa ser feito e que o ônus do financiamento seja compartilhado com toda a sociedade, não apenas com quem depende exclusivamente do transporte público. Se houve a disposição da transferência de ônus para o usuário do sistema com a decretação de um reajuste, em nome do equilíbrio das contas, essa lógica também deve prevalecer junto a esses outros segmentos.
A propósito, o reajuste aconteceu em patamar de 10% e várias frentes de ações foram abertas por organizações da sociedade para o enfrentamento e o Instituto MDT está presente.