Sob o pseudônimo de “paz”, os planos de Donald Trump para o Oriente Médio na verdade equivalem a uma rendição da Palestina e uma nova guerra na região.
Marcelo Buzetto*
Foto: Mohammed Salem/Reuters
SÃO PAULO – Violando todas as leis, procedimentos e princípios que regem o direito internacional e a própria Carta de fundação das Nações Unidas, o governo dos EUA, mais uma vez, tenta intervir para impor uma “solução” para um conflito que tem origem na colonização sionista do território da Palestina. O presidente Trump, após encontro realizado no Bahein em 2019, tem propagandeado aquilo que denomina “Acordo do Século”, que seria a “última oportunidade” dos Palestinos para garantir a paz e um Estado independente. Trump não está sozinho nesse empreendimento. Tem o apoio do governo de Israel e de muitas monarquias árabes, como Bahrein e Arábia Saudita. Essas monarquias reacionárias e pró-imperialistas, junto com Israel e EUA vem tentando, há décadas, seduzir e cooptar setores do movimento nacional palestino, em especial da burguesia palestina, oferecendo dinheiro, vantagens, privilégios e “oportunidades de negócios”. Dessa vez Trump oferece “investimentos” da ordem de 50 bilhões de dólares para a constituição de um “Estado Palestino”, de uma “Nova Palestina”.
O encontro realizado ano passado foi boicotado e denunciado por todas as facções e partidos políticos palestinos, inclusive pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Sem a presença dos principais protagonistas, foi um encontro que beirava ao ridículo, com bilionários e empresários discutindo o futuro de um povo que luta por soberania e independência nacional desde o início do século XX. Mesmo sem a presença de nenhuma força política palestina, Trump insiste na ideia irrealizável, impossível de acontecer na atual conjuntura.
O “Acordo do Século” – que os palestinos estão chamando de “Roubo do Século” – é só mais um instrumento de propaganda para manter em evidência na mídia a imagem de um presidente que perde popularidade e está envolvido com um processo de impeachment dentro de seu país. Pura peça de propaganda para desviar a atenção do povo dos EUA e da chamada “comunidade internacional” dos principais problemas causados pela desastrosa política de Trump. Mas onde tem bilhões de dólares, sempre tem alguém pensando: “Não seria interessante aceitar isso?”, “Pelo menos os palestinos teriam paz e tranquilidade”. Mas quem pensa assim já está derrotado, pois o conjunto das forças da resistência palestina já iniciaram um processo de mobilização popular e denúncia internacional das intensões de Israel, EUA e seus aliados regionais. A Autoridade Palestina, sob pressão permanente depois do fracasso dos Acordos de Oslo (1993/1994), se juntou ao Hamas, à Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), à Jihad Islâmica, à Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP), à FATAH e praticamente todas as organizações sociais, políticas, populares e culturais palestinas para combater mais essa violação da soberania e autodeterminação desse heroico povo.
A proposta absurda, inviável e sem nenhum respaldo do direito internacional desconsidera todas as resoluções aprovadas sobre a Questão Palestina no interior da ONU. Pelo plano de Trump Israel continuaria tendo o controle do suposto “Estado Palestino” por ar, terra e mar, os palestinos que vivem em Israel perderiam seu direito de voto, o território do novo estado seria 15% do total da Palestina histórica, ou seja, 10% menor do foi aprovado em 2012 numa sessão da Assembléia Geral da ONU, e 31% menor do que foi aprovado na Resolução 181 – Plano de Partilha da Palestina (29/11/1947, conhecida como solução de dois estados). Ou seja, é muito pior do que todas as decisões já existentes, que também retiram direitos inalienáveis do povo palestino, como o direito de retorno dos refugiados. Desde 1949, a partir da Resolução 194 da ONU está assegurado o direito de retorno, mas essa questão nunca entrou em debate na proposta de Trump. Esse direito seria anulado, esquecido. Também Trump exige que os palestinos reconheçam o caráter judaico do Estado de Israel e Jerusalém como sua “capital eterna e indivisível”. E promete uma capital do “Estado Palestino” à leste de Jerusalém, mas muito a leste. Também nenhuma linha sobre a libertação dos presos políticos palestinos em cárceres israelenses, que chegam a quase 7 mil. Em qualquer situação de negociação entre um movimento de libertação nacional e uma potência colonialista, esse é um tema crucial, afinal de contas, muitos dos melhores quadros dirigentes da revolução palestina se encontram nas prisões. Cessar as torturas e libertar os presos políticos é condição indispensável para iniciar qualquer diálogo entre as forças em conflito. Mas a proposta de Trump nunca foi um acordo, é uma imposição, é uma intimidação, mas nasce fracassada.
Da transferência da Embaixada de Tel Aviv para Jerusalém até este plano absurdo, Trump nunca esteve – nem estará – interessado numa paz entre palestinos e israelenses. O povo palestino, e suas legítimas organizações, são os únicos que tem condições de assegurar uma paz justa e duradoura, mas isso virá com o fim do colonialismo sionista-israelense na Palestina, com a reparação histórica a esse povo, que significa a devolução de suas terras e do território, do Mar Mediterrâneo ao Rio Jordão, para que seja construído um Estado único, em todo o território onde hoje se encontra Gaza, Cisjordânia, Jerusalém ocupada e Palestina ocupada em 1948, também conhecida como “Estado de Israel”. Um Estado Palestino onde judeus, cristãos, muçulmanos, drusos e ateus, enfim, cidadãos de qualquer religião ou posição política tenham direitos iguais, numa república democrática, popular e anticolonialista/anti-imperialista. Esse é o desejo da ampla maioria dos palestinos, e será realidade no final desse caminho heroico construído pela luta de libertação nacional na Palestina.
* – Marcelo Buzetto é analista de política internacional, mestre e doutor em Ciências Sociais PUC/SP, pós-doutorando em Ciências Sociais UNESP Marília, autor do livro “A Questão Palestina: guerra política e relações internacionais” (Editora Expressão Popular), membro do Conselho Acadêmico do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL).