Que seria do mundo sem a mulher trabalhadora?

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Foto: Reprodução/Facebook

Por Amanda Bispo e Carolina de Mendonça, Movimento de Mulheres Olga Benario

Você já se perguntou o que aconteceria no mundo se elas deixassem de fazer tudo o que fazem por apenas um dia? O que aconteceria se as mulheres deixassem de realizar o trabalho doméstico? Como cresceriam as crianças se as mulheres não mais se dispusessem a perder horas de sono e descanso para melhor criá-las? E se não houvesse mais mulheres que trabalhassem por salários inferiores aos dos homens ou em condições mais precarizadas? Ao que parece o sistema econômico em que vivemos não duraria muito tempo, não é mesmo?

Segundo dados do IBGE de 2018, no Brasil, 51,7% da população é composta por mulheres. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 48,5% das mulheres estão no mercado de trabalho, este valor sobe para 75% no caso dos homens. Em média, as mulheres trabalham 21,3 horas por semana em afazeres domésticos, enquanto os homens apenas 10,9 horas. Sem contar seus salários, que são 20,5% menores que os dos homens.

A classe trabalhadora não possui outro meio de sobrevivência no capitalismo,  vive da venda da sua força de trabalho, presta serviços ou fabrica produtos para ter um salário que pague sua alimentação, sua moradia, seu transporte e bens de consumo. Segundo Karl Marx, a força de trabalho representa as capacidades dos indivíduos para realizar o trabalho: sua técnica, métodos, etc. Os capitalistas, donos das fábricas, das grandes empresas e dos bancos lucram a partir da apropriação do excedente do trabalho, não remunerado ao trabalhador. Ou seja, não pagam à trabalhadora e ao trabalhador tudo aquilo por eles produzidos. Por isso, existem duas classes antagônicas em nossa sociedade: a classe capitalista, aqueles que exploram, e a classe trabalhadora, aqueles que são explorados.

Dentro desta lógica as mulheres são as mais exploradas. Elas são maioria no mercado de trabalho, entretanto recebem os menores salários, estão nos postos mais precarizados, são as primeiras a serem demitidas em períodos de crise, muitas vezes tendo que enfrentar o assédio (moral e sexual) e se já não bastasse tudo isso, possuem mais dificuldade para conseguir um emprego pois muitas empresas excluem as mães. Em 2018, as mulheres tinham 26% menos chances de conseguir um emprego do que os homens por terem que cuidar das obrigações do lar e dos filhos.

Quando se trata da mulher negra, a exploração é ainda maior. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mulheres negras recebem apenas 35% do que recebem homens brancos. As negras mais pobres recebem um salário 45% inferior ao das mulheres brancas, mesmo ocupando cargos iguais. Um estudo realizado em 2016 pela Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher mostrou que as mulheres negras vítimas de violência doméstica recebem salários menores do que brancas que não sofrem violência, mas mesmo se considerarmos mulheres brancas vítimas de violência, ainda assim recebem um salário mais alto do que as negras que não sofrem este tipo de violência.

As feministas marxistas se dedicaram a entender com mais profundidade como se dá a exploração da mulher para além da esfera da produção. Porque todas nós sabemos que as mulheres trabalhadoras, além da jornada fora de casa, são as principais responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos (incluindo a lactação) e dos familiares idosos ou doentes, a famosa tripla jornada. As condições para a realização da produção em si não acontece apenas dentro das fábricas e empresas, mas também fora delas, pois, para que os trabalhadores possam dedicar suas 9h horas de trabalho a uma empresa, estes precisam estar descansados, alimentados e com saúde mental para realizar sua produção.

A partir destas reflexões sobre a realidade da mulher trabalhadora, as feministas marxistas desenvolveram o que ficou conhecido atualmente como Teoria da Reprodução Social,  que foca sua análise em como as mulheres não só são exploradas diretamente no mercado de trabalho, mas também com todo trabalho não remunerado e desvalorizado que elas realizam dentro de suas casas, o que é essencial para que o sistema econômico continue existindo.

Imagem: Reprodução / Charge

A produção e a reprodução da força de trabalho acontece de três formas diferentes:

  1. Através de atividades que permitem que a pessoa volte ao trabalho no dia seguinte como alimentação, um local para dormir, roupas para usar, mas também o cuidado com a questão psíquica.
  2. Parindo novos seres humanos, que serão força de trabalho no futuro.
  3. Utilizando o cuidado com os trabalhadores fora do processo produtivo como crianças, força de trabalho futura; e idosos, que já foram explorados por seus patrões no passado.

    Segundo OIT, 21,7% das mulheres cuidam dos filhos e da casa, sem nenhuma remuneração. Apenas 1,5%, cerca de 45 milhões, dos homens desempenham a mesma função. No Brasil, dados do IPEA de 2017 mostram que enquanto 93% das mulheres brasileiras declararam realizar algum tipo de atividade doméstica não remunerada, entre os homens essa proporção era de 79%.

    Na sociedade em que vivemos ficou naturalizado a condição da mulher de responsável pelo  trabalho doméstico e de cuidado da família, trabalho que, como já dito acima, não é remunerado e nem é valorizado pois no geral não entendemos sua importância. O sistema capitalista não possui gasto algum com o processo de produção e reprodução da vida, o que compõe uma importante parte do lucro dos burgueses. Ao capitalista não interessa políticas públicas que libertem a mulher do trabalho doméstico, como por exemplo restaurantes e lavanderias coletivas. Nem ao menos fornecem o número de creches necessárias para as famílias poderem trabalhar e educação de qualidade.

Há muitas teóricas feministas liberais defendendo que as feministas marxistas privilegiam a discussão de classe ao invés de gênero, e que precisamos resolver primeiramente questões de gênero e/ou de raça para depois acabarmos com os problemas de classe. Mas a partir desta análise que acabamos de fazer, pode-se perceber que a situação de exploração e opressão das mulheres está materialmente ligada ao sistema econômico vigente, por mais que não tenham nascido com ele.

Qualquer reforma ou melhoria realizada atualmente para a vida das mulheres não será suficiente para retirar todas da realidade de opressão e violência. Avanços na lei, por exemplo,  contribuem com o enfrentamento da violência, mas não atacam esse mal pela raiz, há uma limitação nos avanços legais: até que ponto garantir os direitos às mulheres é interessante para os capitalistas? Se mudanças reais nas relações de gênero diminuem os seus lucros

Por isso, nós feministas marxistas compreendemos que a luta de classes tem uma relação central na dinâmica social, entendendo que reformas não são suficientes para nós e que precisamos atacar os problemas que nos atingem, pela raiz, com a destruição do sistema capitalista e construção de um novo mundo em que de verdade sejamos livres. É nossa tarefa construir de fato uma luta revolucionária pela construção do poder popular e pelo socialismo.