Carreata Macabra e o Acirramento da Luta de Classes

41
Carros de luxo em carreata pelo fim da quarentena – Foto: Leonardo de França


Por André Oliveira

Unidade Popular pelo Socialismo – Paraná 

É do conhecimento de muitos que o mundo vem sendo assolado por um inimigo invisível, sorrateiro e mortal. A Covid-19, doença respiratória viral, chegou com força no mês de março e vai levar com ela um número assustador de trabalhadores brasileiros. Segundo estudo divulgado pela academia científica britânica, na melhor das hipóteses, ao menos 44 mil brasileiros perderão suas vidas. Um cenário que promete ser muito pior dados os problemas sociais do país e pelo contexto anticientífico que marcou o início do século.

Na esteira desta confusão, no último dia 27/03, aqueles que puderam abrir suas janelas e portões, nos centros e bairros de muitas cidades do sudeste-sul do país, talvez tenham sido arrebatados por um ruído de buzinas e mega fones inquietos, propagando mensagens de ordem à classe trabalhadora. Anunciava-se assim a carreata macabra, na qual, do abrigo de seus carros de luxo, os pequenos e médios burgueses exigiam a retomada imediata das atividades econômicas. Exigiam, portanto, a subsequente exposição viral por parte dos trabalhadores, em ônibus e trens lotados, em avenidas e praças contaminadas.

Este tipo de desumanização desvelou mais uma vez a face delinquente do comportamento de classe brasileiro, o lado obscuro dele. Acumulou-se até aqui, alguma coisa putrefeita, alguma coisa que por tempos foi negligenciada por intelectuais, acadêmicos e autoridades políticas. Até hoje ela manifestava-se livremente, sem qualquer pudor. É o pensamento escravocrata da alta burguesia e de seus capatazes entre nós, o pequeno burguês.

Eles não se importam com vidas, nunca se importaram. Sempre valorizaram a eficácia da Polícia Militar em tirar vidas, sendo ela uma das polícias que mais mata no globo. Sempre protegeram o modus operandi das intervenções militares em favelas, mesmo sabendo que aquilo custaria vidas de homens comuns.  Elegeram Jair Bolsonaro com sua famosa frase “tem que matar uns 30 mil”, “nós vamos metralhar os opositores”, não é mesmo? Foi sempre desse tipo de gente que se escutou ofensas demofóbicas ao brasileiro, com se fossemos um povo inferior, ou preguiçoso, ou delinquente. Foram essas pessoas que engrossaram o caldo para políticas de desmonte de direitos adquiridos. Agora eles querem a cabeça do trabalhador, sem qualquer tipo de culpa ou cautela.

Sob chuva de ofensas do tipo: “quem está de quarentena é vagabundo e não gosta de trabalhar”, o trabalhador, por sua vez, não está totalmente alheio aos acontecimentos. Muitos deles protagonizaram em redes sociais, um esboço do que pode vir a ser o acirramento da luta de classes. Enquanto alguns compartilhavam os resultados das carreatas, visivelmente falidas, outros não deixaram de exibir descontentamento, sarcasmo e desaprovação pela atitude irresponsável do gado bolsonarista. Desnudaram falas pseudo virtuosas, do empresariado, em comportamentos necrocapitalistas.  Reconheceram a inexistência de privilégios para a classe que tudo produz quando se sentiram impossibilitados de chegar ao trabalho sem exposição. Foi observado um embate poucas vezes presenciado na história da nova república, onde ficou clara a maior maturidade de uma classe sobre a outra. Um lado respeitando a vida e as recomendações dos profissionais de saúde, o outro apenas o funcionamento dos negócios.

Entender este fenômeno, isto é, o contexto necropolítico que sentimos na pele, e superá-lo, constitui um dos maiores desafios da sociedade brasileira desde sempre.

Ainda vemos, em larga medida, empresas de capital privado minando o direito do trabalhador de proteger a si mesmo e a sua família. Empresas estatais sob tutela de um louco desumano repetir o erro. É preciso engrossar o caldo da insatisfação. É preciso colocar a burguesia contra parede. É preciso que o pequeno e médio burguês se identifique com aqueles que mais se assemelham: o trabalhador. É preciso ações de solidariedade. No final de toda essa confusão, quem sabe, vamos poder passar por essa turbulência respeitando a vida, e aprendendo algo com isso.