Manifesto das trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres

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Confira na íntegra o manifesto das trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres de São Paulo. Nele são denunciados os descasos e abandono por parte dos governos com esse setor da assistência social e a precarização das condições das trabalhadoras terceirizadas. Além disso, o documento evidencia o aumento do assédio e violência contra as mulheres durante a pandemia e a falta de investimento público em políticas para solucionar esse problema.

Mulheres em luta em defesa das políticas públicas voltadas as mulheres em SP. Foto: página do CDCM Casa Zizi no Facebook.

 

Nós, trabalhadoras dos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres (CDCM), serviço público em regime de conveniamento entre Organizações Não Governamentais (ONG´s) e Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do município de São Paulo (SMADS), que tem como objetivo oferecer atendimento psicológico, social e jurídico, além de atividades coletivas socioeducativas para as mulheres em situação de violência das regiões onde estão instalados. Neste período de quarentena, este trabalho está classificado como essencial e permanece em funcionamento.

Contudo, queremos expor aqui, não só a preocupação em relação à situação de violência que as mulheres estão inseridas, principalmente pela falta de investimentos públicos em uma real política de enfrentamento às violências, exaustivamente pautada pelas redes de enfrentamento da cidade, mas denunciar a precária situação de trabalhadoras terceirizadas, que em momentos de crise como este, se aprofunda, tornando visível as situações de assédios e intimidações por parte destas organizações empregadoras.

Desde o dia 16 de março, a partir do Decreto Municipal 59.283, as atividades coletivas dos CDCM´s foram suspensas, bem como gradualmente os atendimentos individuais, voltando sua atenção aos possíveis casos emergenciais, que demandam uma celeridade na proteção de mulheres e suas/seus filhas/os, como encaminhamentos às Casas-Abrigo. A possibilidade do fechamento dos serviços não foi cogitada por SMADS, embora o atendimento remoto poderia ser uma alternativa, dada a rigidez dos fluxos que continuam centralizados nos Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS). Mais uma vez, reafirmamos, que a desburocratização do famigerado fluxo de acesso às Casas-Abrigos deve ser um movimento emergencial não só durante essa quarentena, mas que se perpetue e se aperfeiçoe em diálogo constante com as mulheres, trabalhadoras, movimentos e sociedade civil com um todo.

Ressaltamos que a burocratização exigida no momento de solicitação de vagas deve ser repensada na pandemia, visto que alguns equipamentos ao exigir relatórios, fichas e mais fichas para analisar a liberação de vaga ou não, faz com que mulheres e filhos/as aguardem por um período extenso de tempo, ou sejam removidos para diferentes locais até que seja liberada a vaga, quando a orientação é que esta mulher não circule entre diferentes serviços, visto que qualquer serviço que receba esta mulher deveria conseguir encaminhá-la ao abrigo. Outra dificuldade neste processo de abrigamento é a locomoção da mulher ao abrigo, a depender da região o CREAS em parceria fornece o carro, no entanto, isso depende da gestão dos CREAS que pode priorizar esta demanda ou não, fica a critério da gestão de cada território. E expõe ainda mais as profissionais que são obrigadas a solicitar transporte de aplicativo.

Diante de uma Secretaria que não aceita construir com mulheres e trabalhadoras um fluxo possível de acesso a outros serviços de proteção, o trabalho remoto ou Home Office contaria com qual estrutura? O número de celular pessoal de cada trabalhadora para fazer este atendimento à distância? É o que tem acontecido. Fica a cargo das trabalhadoras, articular e “dar conta” desta estrutura de atendimento remoto.

Com a diminuição da frequência nos serviços, a possibilidade de rodízios foi adotada pelas Organizações como uma forma de diminuir contato e exposição neste período crítico, no entanto, muitas trabalhadoras relatam que essa alternativa vem acompanhada de intimidações como desconto de salário e férias. Ao contrário do que supõe as organizações, as trabalhadoras quando estão na condição de “Home Office” continuam em estado de atenção e seguem com o plano de trabalho de casa, inclusive contando com uma estrutura pessoal. Ao mesmo tempo que sofrem este tipo de ameaças, muitas trabalhadoras relatam a falta de Equipamentos Individuais de Proteção – EPIs – disponíveis no local de trabalho, outras informam que receberam nas últimas semanas, e tantas outras ficam elas mesmas responsáveis por adquirir estes equipamentos para o conjunto das trabalhadoras da equipe.

A condição de trabalhadoras terceirizadas escancara as condições precárias de contratação e expõe os limites da terceirização de uma política pública voltada às mulheres em situação de violência. Em um período delicado em que estamos vivendo, as recorrentes situações de assédio que as trabalhadoras são submetidas torna a condição de trabalho adoecedora e desgastante, hora tendo que lidar com seus empregadores, que mesmo com título de “Entidades filantrópicas” se comportam de fato como “patrões”, usando de mecanismo já expostos acima, hora tem que lidar com uma gestão (SMADS) que dá ênfase a cobrança de burocracias que em nada cria alternativas palatáveis e possíveis de proteção a vida das mulheres atendidas.

As difíceis condições de trabalho terceirizado não é um “privilégio” nosso, nesse sentido, também nos solidarizamos ao conjunto de trabalhadores terceirizados da Política de Assistência que tem lidado com as mesmas ou piores situações de assédio e exposição dia após dia, principalmente com as trabalhadoras autônomas (oficineiras) que estão em pior situação, já que não tem a garantia de pagamento pelas atividades que seriam realizadas nos serviços. Nós, insistimos e reivindicamos a manutenção e o pagamento integral da verba destinada para as oficinas, que sejam repassadas para estas trabalhadoras, que dependem destes recursos para garantir sua sobrevivência.

Por fim, queremos apontar que colocar o aumento do tema da violência contra mulher na ordem do dia faz parte da prática cotidiana desse grupo de trabalhadoras, que mesmo nas condições mais precárias na relação de trabalho tem feito enfrentamentos na tentativa constante de refletir e organizar conjuntamente a Política de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da Cidade de São Paulo. Estar cientes da importância dos nossos serviços, não nos aliena sobre a condição de trabalho no qual todas nós estamos submetidas.

Trabalhadoras da Rede de CDCMs da Cidade de São Paulo
São Paulo, 14 de abril de 2020