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sexta-feira, 26 de julho de 2024

O descaso com a cultura popular em meio à pandemia

Foto: Coletivo Família Caêyras

Por David Alexandre, Tiago dos Santos e Juliano Beck, Sergipe*

CULTURA – O Brasil, não é mais novidade, tem a má fama de ter um tratamento indiferente com os artistas populares. Após o início da pandemia, cantores de diversos gêneros musicais tem se mantido por meio das “lives” e da monetização de redes sociais, como o YouTube. São celebridades que se vendem ao estrelismo, às aparências e à autopromoção da sua própria imagem. Assim, parece uma fácil saída para os artistas e produtores culturais durante a pandemia da Covid-19. Infelizmente, esta alternativa não é válida para todos nós.

O Teatro, por exemplo, é a arte do contato e da comunicação direta com o público. Possui uma linguagem que não pode ser transmitida com eficiência pelas telas de celulares, uma vez que usa de recursos sinestésicos (que afetam os sentidos) para alcançar o expectador. Assim, muitos trabalhos precisaram ser interrompidos, muitas estreias precisaram ser adiadas e oficinas canceladas. Como as que desempenha o Coletivo Família Caêyras, em Japaratuba, Sergipe.

Muitos são estudantes da Universidade Federal de Sergipe, artistas locais que desenvolvem oficinas de teatro e o Festival de Artes Arthur Bispo do Rosário, em Japaratuba. Nossa cidade carrega o nome de um cacique que defendeu as terras sobre o domínio dos portugueses. O município proporciona um dos maiores festivais de cultura do estado de Sergipe.

Infelizmente, não é de hoje que a cidade vem sofrendo com o descaso dos governos em relação à cultura, que de exemplo e polo cultural passou a perder espaço no cenário regional por causa da falta de investimento em artistas, nos movimentos e eventos.

Como relata a historiadora e quadrilheira Josiane Gonçalves, “em meio à crise da pandemia de COVID-19, os festejos juninos de Sergipe foram afetados diretamente, ocasionando o afastamento dos ensaios bem como a impossibilidade de participação nas atividades normais, como reuniões e confecções de figurinos. Sem patrocínio e sem apoio dos órgãos [públicos] é impossível a continuidade, é necessário manter o contrato com o Trio que é feito meses antes dos festejos, contrato do marcador, bem como a fabricação do figurino que depende exclusivamente do dinheiro do quadrilheiro, ou seja, dos brincantes. A quadrilha junina faz parte dos nossos festejos, as cores, o balanço dos vestidos o som da sanfona, o xote, o xaxado e o baião podem não abrilhantar nosso São João.”

A Secretaria de Cultura do governo fascista nada faz para auxiliar estes artistas. Desvaloriza os artistas de rua, atores amadores e circenses, por não estarem enquadrados nos padrões burgueses de entretenimento.

Na capital do Sergipe, Aracaju, a situação não é diferente. O prefeito Edivaldo Nogueira (PDT) tem dado as costas aos artistas. Ele que em suas campanhas e perto de eleições promove shows e eventos a fim de ganhar o público estudantil e os ditos “alternativos”, não expressa nenhum interesse em salvar e ajudar as famílias de músicos populares do estado e que prestam serviços aos trabalhadores todos os dias.

Esse é o caso da cantora popular Patrícia Luz, militante da Unidade Popular de Sergipe, que encantava as manhãs dos trabalhadores no terminal D.I.A e fazia shows em bares e espaços populares para sustentar seus 4 filhos. Com muito amor e emoção relembrava a MPB e agora se vê incapacitada, recebendo ajuda de terceiros e fãs, doações de familiares e fazendo lives pra arrecadar dinheiro.

Coletivo Família Cayêras faz apresentação em escola do Sergipe. Foto: Coletivo Família Cayêras

Renda básica emergencial é única alternativa para muitos artistas

Enquanto isso, em todo o governo de Belivaldo Chagas (PSD), o descaso com a população mais pobre é escancarado. Há algumas semanas os empresários de Aracaju exigiram uma reunião imediata, que logo foi aceita por ele. Dessa reunião saíram 500 milhões do dinheiro do povo para cobrir os custos dessa classe de ricos. Enquanto isso, pessoas em situação de rua, ambulantes, artistas populares, grupos folclóricos e coletivos que promovem a cultura dos trabalhadores são descartados e nem vistos.

Por exemplo, o Bonde das Traças, coletivo de sebistas que promovem a democratização ao acesso de livros usados a preços populares, como o evento Encontro Cultural de Sebos (ECS), no Parque da Sementeira, que foi cancelado devido ao isolamento social como combate à pandemia do Corona vírus. Muitos vendedores sebistas pagavam as contas do mês com esse dinheiro e agora se veem à espera penosa do auxílio emergencial, que massacra os trabalhadores com a demora, enquanto o governo dá 1 trilhão para os bancos.

Wallace, músico autoral que atua nos ônibus da região metropolitana de Aracaju. Também é leitor de A Verdade nos conta: “Irmão, eu estou à mercê do auxílio emergencial totalmente. Se não sair hoje ou amanhã, nem sei como vou me alimentar no final de semana. Minhas últimas economias tive que pagar o aluguel. Já se passaram os cinco dias úteis de prazo que eles deram e não vi resultado nenhum. E não é só eu, meus amigos que vivem da arte de rua estão passando pela mesma coisa. A fome não espera. As necessidades aumentam e a assistência do governo federal para a população mais uma vez é burocrática ao ponto de causar danos até na nossa saúde mental.”

Ainda mais atacados pelo governo fascista de Jair Bolsonaro, que junto a sua corja de seguidores despreza a Arte Popular, a Arte de Rua e os amadores, são os artesãos. Grandes representantes da contracultura e mobilizadores sociais, muitos destes artistas são moradores de rua, o que nos faz questionar sobre o auxílio emergencial por vontade do governa não chega de fato a todo o povo pobre. Não seriam esses artistas de rua também trabalhadores em situação de vulnerabilidade socioeconômica?

No entanto, o fascismo de Jair Bolsonaro não poupa esforços em construir uma cultura que propague o erudito como sendo uma ferramenta de submissão de classes. O ex-secretário nacional da cultura, o fascista Roberto Alvim, que se colocava contrário à cultura popular e a favor de uma propagação vulgarizada da cultura chamada alta ou erudita, é um exemplo desse combate aos interesses do nosso povo. O objetivo é colocar os artistas populares num “entremundo”, que foge do significado artístico, sendo um “entremundo” de obscuridade e preconceito por fugir dos padrões burgueses do que é ser artista.

Ainda neste cenário, músicos alternativos vêm sofrendo com este distanciamento social sem nenhum apoio do Estado. Wíllis Santos, conhecido como “Pretinho”, músico independente e membro e colaborador do Coletivo Cultural Família Cayêras, fala sobre as consequências da crise para o seu trabalho enquanto autônomo e os shows remunerados que foram cancelados por causa da pandemia. “Organizar uma parada dessas está difícil, os próprios músicos não querem, tocam em primeiro lugar pelo cachê. Uma vibe dessas a gente fazia por amizade, é difícil organizar um evento assim. Por ser alternativo, só quem é imerso nessa cultura vai colar.”, afirma.

É dever do Estado garantir a manutenção da cultura e promover as mais diversas formas de linguagens artísticas. Porém, no capitalismo, o Estado atende aos interesses da burguesia, que trava uma luta contra a cultura popular, pois ela promove o elo entre o povo e sua realidade, possibilitando a real contribuição à vida dos trabalhadores, à vida de todos. Aquilo que liga a todos os pobres, em comum, independente de suas diferenças e que consegue conscientizar a população e minar o sistema decrépito dos capitalistas.

Só com um governo popular revolucionário, do povo, para o povo e com o povo, é que as potências criativas das massas serão realmente valorizadas. Por isso que sem espaços na grande mídia, os jovens tem feito decorações nos muros das cidades, utilizando a arte como veículo de indignação política. Expandem-se os “Fora Bolsonaro”, “Por um Poder Popular”, “Abaixo a Ditadura” e “Viva a Revolução, Viva o Socialismo”. Um salve a todos. A Arte vai resistir!

*David Alexandre é militante da UJR e faz parte do Coletivo Família Cayêras, Tiago dos Santos é militante da UP e do MLB e Juliano Beck faz parte do coletivo Bonde das Traças

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2 COMENTÁRIOS

  1. Errata: o festival citado, que acontece no Município de Japaratuba, na verdade, chama-se Festival de Artes Arthur Bispo do Rosário. Pedimos desculpas pelo engano.

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