UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Relato de uma revolucionária na luta contra a COVID-19

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Por Claudiane Lopes

Ela se chama Maria das Graças Oliveira Silva, médica da Unidade de Saúde da Família, no bairro de Brasilit, na cidade de Recife. Militante comunista desde dos anos 70, lutou bravamente contra a ditadura fascista militar em nosso país. Neste período viveu tempos de chumbo e teve que enfrentar o sequestro, a tortura e a prisão do seu companheiro, Edval Nunes Cajá. Tempos difíceis, incertos e injustos, muito parecidos com os que estamos vivendo, nesse momento de pandemia da COVID-19.

Recebemos a notícia de sua contaminação por coronavírus como muito temor e medo, pois sabemos que ela tem 69 anos, e se encontra no quadro de risco. Adquiriu essa doença no ambiente de trabalho, como a maioria das contaminações ocorridas pelos profissionais da área da saúde. O oficio em salvar vidas, agora, traz risco de morte. Uma verdadeira luta dialética ou luta dos contrários, pela própria sobrevivência.

Assim, foi o que fez a nossa querida Gau, como carinhosamente a conhecemos. Aos poucos, fomos recebendo mensagens que relatavam toda a sua firmeza e garra diante da luta pela vida, e isso, alegrou-nos imensamente. Agora, compartilhamos esse último relato, repleto de emoções, de aprendizados e muitos ensinamentos para todos que lhe conhecem, para os militantes da Unidade Popular, amigos e familiares. Segue o seu relato:

”Acordei hoje, tomada de alegria, na expectativa de sair do isolamento familiar, deste triste tipo de quarentena. A meditação, a caminhada, os exercícios, o livro que me esperava na escrivaninha para ser lido, tudo parecia estar mais leve. Gostaria primeiro de agradecer, de coração e alma, a todos que me ajudaram nestes dias longos e difíceis, mas também muito proveitosos, ao mesmo tempo. Neste final, os dias de isolamento, já não eram tão longos, de tantas coisas para fazer e que eu fiz para ocupar meu tempo, diante das novas condições que fui obrigada a viver”.

“A minha cabeça, hoje, está programada para agradecer. Agradecer os estímulos recebidos para lutar e vencer por meio de mensagens, orações, preces, poesias, promessas, músicas e tanta coisa mais… Logo eu que sou meia avessa a esse tal de celular (que para completar, pifou para telefonar). Quero agradecer primeiramente a Neide, que no primeiro momento, ainda sem sintomas, mas para proteger a família, cedeu sua casa no habitacional Dom Helder para que lá ficasse por sete dias. Muito obrigada”.

“Depois que tive os sintomas de febre, tosse seca, calafrios, diarreia e dores nas costas, sai da emergência do hospital da Unimed direto para casa a ser cuidada com muito carinho e amor por Cajá, Neide, Mariela e Mano. Estou no quarto, que já foi de Mari, Mano e hoje é de Neide/ Visitas. Agora conheço mais cada pedaço, cada detalhe deste espaço, onde estou desde o dia 03 de abril. Agradecer à minha vida, assim chamo Cajá, aos filhos, nora, genro, netos e a todos os companheiros e companheiras, amigas e amigos, que contribuíram, para cada dia, me fortalecendo e assim poder superar os momentos de fraqueza física e de dor”.

“Nesta luta tive a sorte de poder contar com a solidariedade em peso da família, dos camaradas da UP, das amigas e amigos de vários lugares do Brasil e de um modo especial daqueles do Posto de Saúde e dos moradores de Brasilit me dando apoio e confiança para vencer esta batalha. Pelo whatsapp, por telefone, bilhetes, tudo me ajudou, para que eu os amasse mais e mais, os respeitasse, confiasse e descobrisse mais quem eu sou e o que eu represento. Mais uma vez, obrigada!”

“Neste período, procurei manter a mente ocupada e fazendo coisas que gostaria de fazer e não fazia devido à intensa rotina do trabalho e de militância. Li bastante, me exercitei e assisti a filmes e documentários. Passei a escrever alguns comentários sobre alguns dos livros que li e documentários que assistir: Como, “Primeiras Alegrias” – livro com 405 páginas, editado em 1955, que faz parte da coleção “Romances do povo”, coordenada por Jorge Amado. O autor é russo da época soviética, Konstátin Fédin, que consegue retratar a sociedade russa, antes da revolução. O sofrimento e a miséria do povo pobre, sua altivez, na luta pela sobrevivência, pela liberdade e pela sua emancipação econômica e social. Do outro lado, os ricos, a burguesia, sempre servil aos interesses do czar, no seu intento, inútil, de impedir a revolução, o Futuro.

Ah! Castro Alves, o poeta, o abolicionista, o revolucionário, o amor de Eugênia Câmara. O amor do poeta dos escravos pela causa da libertação dos oprimidos e explorados e a luta abolicionista é profunda e comovente. Li também, Cacau. Escrito por Jorge Amado em 1933 e faz parte da trilogia – País do Carnaval, Cacau e Suor. Muito bom! E foi uma releitura que retrata da miséria de vida dos trabalhadores de uma fazenda de cacau, cujo nome é “Fazenda Fraternidade”, onde campeia a exploração do fazendeiro e de sua família. Fraternidade mesmo só havia no nome da fazenda. Por outro lado, a sorte do dono da fazenda era unicamente a falta da consciência da realidade social por parte dos trabalhadores, em função da pesada opressão e da ignorância dalí resultante. Nem sequer imaginavam, que um dia poderiam pensar diferente e sentir a necessidade de se organizar e se unir com os outros trabalhadores para mudar a miserável vida que levavam. Colodino e Sergipano, por razões diversas, vão para o Rio de Janeiro e lá descobrem a luta de classes, e que essa realidade – a exploração – pode ser superada pela ação consciente dos homens.

País do Carnaval. A procura do objetivo de vida é muito pessoal e muitas vezes é encontrado no coletivo. Neste romance Jorge Amado se perdeu ou eu não o achei. Retrata as dúvidas quanto ao sentido de se viver, da busca da felicidade. Achei isso talvez pelo fato do autor ter criado como personagem principal um filhinho de papai, narcisista e muito individualista. Não há saída individual, aí reside o problema dos seus personagens nesta narrativa. Acho que Maria de Lourdes, a Lourdinha, esta sim, buscou a felicidade, conduzindo sua vida sem subterfúgios, com base na verdade. O fazendeiro, baiano, o filhinho de papai, rico, se encontra voltando para a Europa, com suas conveniências. É um aproveitador, um covarde! Jorge Amado sabe como descrever a alma do povo e das classes sociais.

Mas não só li, como ouvi músicas, e tive a oportunidade de conhecer, Nina Simone. Cantora americana, com uma grandeza, é inegável, mas também, sofria de bipolaridade, que se a tivesse descoberto antes, teria evitado tantos sofrimentos. A sua voz foi colocada à serviço da luta contra o apartheid, o racismo e as desigualdades sociais nos Estados Unidos. Grande figura humana. Conhecia sua voz, não sua história. Mariela me indicou, obrigada, filha, que felicidade!!!

A indicação do meu filho caçula, Gabriel. O Documentário Cuba and the Cameraman é de 2017 escrito, dirigido e coproduzido por Jon Alpert. O filme é original da Netflix que fala de Cuba e Fidel nesses 40 anos que o diretor o acompanhou. Porém, eu acho que o olhar é muito nos problemas que acometem a ilha sem questionar o bloqueio econômico, que fez e ainda faz muito sofrimentos aos cubanos. A série Bolívar, chorei, chorei muito, parei muitas vezes porque previa a traição, a luta interna pelo poder, ao invés da luta inicial que unia a todos. América Central e do Sul toda unida, livre, soberana e independente. Acho muito importante conhecer essa luta nacional pela independência e pela unidade da América Latina, de Martí, Bolívar, Sandino, Carlos Fonseca, Fidel, Che, Tiradentes, Zumbi, Dandara, Manuelita Sáez, Célia Sánchez, Merceditas e de tantas outras mulheres e homens, construíram por meio da luta revolucionária e da unidade a chamada “Nuestra America”, uma América soberana e independente dos imperialistas. Nos fortifica e nos ajuda a avançar.

Ah, queria relatar também duas coisas importantes quando a gente está lutando fisicamente sozinha: disciplina e superação. Já tinha o hábito dos exercícios e alongamentos, faço pilates, hidroginástica e caminhadas. Fiz todos os dias, das 05:30 às 06:15, os exercícios e alongamentos. A caminhada, comecei com 30 minutos e hoje faço 50 minutos. Todo dia colocava uma meta – hoje, por exemplo, fiz 50 minutos. Em cada minuto faço 11 voltas, da porta do quarto à janela. Fiz as contas – 550 voltas, é moleza? Infelizmente meu relógio pifou e não conta mais os passos. Uma pena!!! Era um brinquedo, gostoso mesmo.

Almocei, ontem, finalmente, com Cajá e Neide, juntos, na mesma mesa, mas mantendo a distância física necessária. Neide preparou um almoço especial sem que eu soubesse. E Cajá também inovou trazendo um vinho especial, rico em propriedades medicinais. Meia taça para cada um foi o suficiente. Fizemos um brinde à vida para comemorarmos a batalha conquistada. Com abraços e beijos, à distância, muito obrigada a todas e todos, amo vocês!

Fiz uma poesia para vocês:

Olho a janela.

As casas se despem

roupas nos varais,

é dia de faxina.

Também hoje é

dia de faxina,

de renovação,

construção cotidiana

do amanhã que virá.

Apesar de vocês,

fascistas de plantão,

a clareira vai abrir.

Os novos homens e

mulheres surgirão

para a construção do bem comum.

Carinhosamente, Gau – Recife, 11 de abril de 2020

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2 COMENTÁRIOS

  1. Todo nosso apoio e votos de melhora completa e total pra nossa querida Camarada GAU!
    Abrazos y Saludos de Vida y Luta, hoy y siempre!
    Paulo Roberto Tiecher de Jesus, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

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