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terça-feira, 16 de julho de 2024

A mineração é essencial durante a pandemia?

Hellen Guimarães
Viçosa – MG


Foto: Adriano Machado / Reuters

MINAS GERAIS – Na última terça-feira (28), o atual Ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, por meio da Portaria MME 135/20[1], declarou como essencial a exploração, o beneficiamento e a pesquisa mineral para a disponibilização de insumos necessários à cadeia produtiva de atividades essenciais. Assim, mesmo com a pandemia de Covid-19 e com as medidas de isolamento social, as operações do setor minerário deverão manter o seu pleno funcionamento. 

A justificativa dada pelo Ministério de Minas e Energia se apoia na essencialidade da atividade de mineração, definida pelo artigo 176 da Constituição Federal que considera “os bens minerais como essenciais à vida humana, sendo sua disponibilidade imprescindível para assegurar o regular funcionamento da sociedade”. Entretanto, além de simplista, este argumento visa responder aos interesses do setor mineral que, nesse período de crise, não medirá esforços para garantir sua competitividade no mercado internacional das commodities[2], mesmo que isto custe a vida de seus trabalhadores e trabalhadoras. 

É verdade que os insumos minerais estão muito mais presentes no nosso dia a dia do que nós somos capazes de perceber. Do sulfato de alumínio utilizado no tratamento água que chega às nossas casas, até os de diversos minérios como por exemplo cobalto, tungstênio e cassiterita, que são utilizados na fabricação de celulares e aparelhos eletrônicos. Além disso, inúmeros medicamentos utilizam minerais em sua composição, como cálcio, enxofre, flúor, boro, iodo, etc. 

É verdade também que, com o elevado desenvolvimento das forças produtivas, nos tornamos cada vez mais dependentes de bens minerais e combustíveis fósseis. No entanto, o argumento usado pelo MME é vazio e está construído sob uma análise reducionista da questão, que considera apenas a perspectiva da utilização de bens minerais pela sociedade e sua dependência dos mesmos. Esta ótica no entanto, não corresponde a toda complexidade na qual o setor mineral opera. 

Primeiro é necessário entendermos o modelo extrativista implantado no Brasil e na maioria dos países da América Latina que, desde o período colonial, destina-se ao fornecimento de matéria-prima para o mercado exterior. Assim, todos os anos, milhões de toneladas de minérios saem do nosso subsolo, e são enviados para o exterior, gerando lucros exorbitantes para as grandes mineradoras e destruição e pobreza nos territórios. 

Além disso, a exportação de commodities minerais, bem como de grãos, é fundamental para sustentar o superávit da balança comercial brasileira, garantindo assim o equilíbrio fiscal necessário para que o país mantenha o seu compromisso com a dívida pública. Através do pagamento dos juros e amortizações da dívida pública, o Brasil transfere, anualmente, em média, 150 bilhões de reais de recursos públicos para o capital financeirizado. 

Nosso país é responsável pela produção de cerca de 400 milhões de toneladas só de minério de ferro por ano. Mas, dessa imensa produção mineral, quanto se destina ao atendimento da cadeia produtiva de atividades essenciais? Quase nada! Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), de toda produção mineral, apenas 0,5% é destinada ao setor farmacêutico para a fabricação de medicamentos. 

O agronegócio alega que sua demanda por fertilizantes de base mineral, principalmente de NPK, deve ser atendida durante a pandemia, pois só assim poderá manter a produção de alimentos. No entanto, sabemos que quem coloca alimentos na mesa dos brasileiros é a agricultura familiar, responsável por 70% da produção agrícola do nosso país.

O Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, segundo o U.S Geological Survey. A produção mineral brasileira ainda segue a lógica colonial, sendo orientada para o atendimento das demandas do mercado internacional. E, sendo o maior volume da produção destinado ao comércio exterior, as grandes mineradoras continuarão operando durante a pandemia para garantir suas elevadas taxas de lucros e não para abastecer as cadeias produtivas das atividades essenciais com insumos. Além disso, o fornecimento de insumos minerais para os setores essenciais, visto a sua pequena demanda, poderia ser resolvido por meio de estoques intermediários e assim, as mineradoras poderiam operar em sua capacidade mínima.

Além dos riscos já associados à atividade de exploração mineral, considerada a indústria mais letal do país, as grandes mineradoras, ao manter o pleno funcionamento de suas operações, estão expondo centenas de trabalhadores e trabalhadoras ao risco de contaminação pela Covid-19. Justificam sua ganância pela falácia da essencialidade da mineração e alegam que os trabalhadores e as trabalhadoras estão seguros, uma vez que estão sendo disponibilizados Equipamentos de Proteção Individual – EPI’s, como as máscaras de proteção respiratória N95/PFF2. Entretanto, em um cenário de escassez de EPI’s nos hospitais, as máscaras respiratórias que deveriam ser utilizadas para proteção dos profissionais da saúde, linha de frente no enfrentamento à pandemia, estão sendo fornecidas às grandes mineradoras que desejam manter sua produção a qualquer custo.  

A retração na demanda global por minérios, especialmente por parte da China, fez com que os preços das commodities minerais sofressem uma queda vertiginosa nas últimas semanas. O preço do alumínio despencou 17% e do ferro  8%. Além da queda nos preços dos minérios, as ações das grandes mineradoras também sofreram depreciação. As ações da Vale e da BHP na Bovespa tiveram uma desvalorização de 35% e 25%, respectivamente. Com o preço dos minérios e das ações em queda, as mineradoras, neste momento, farão de tudo para manter a sua participação no mercado internacional. Isto é, irão manter a produção mesmo com os preços em baixa para não perder sua posição de mercado, o que, possivelmente, resultará em uma crise de sobreoferta. 

Em um cenário pós pandemia, as empresas precisarão reduzir custos para garantir a sua competitividade no mercado. Como observado nos últimos anos, as estratégias de redução de custos sempre recaem sobre salários, segurança e controle ambiental, criando assim, um ambiente favorável para que mais desastres como de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, venham a acontecer. 


[1] Disponível em: <http://www.mme.gov.br/documents/79325/0/Portaria_135_SGM.pdf/792dcd4d-43f7-c624-63da-9822ae8b01ec

[2] Commodities são produtos que funcionam como matéria-prima, produzidos em grande quantidade e que podem ser estocados sem perda de qualidade. Exemplos: ouro, petróleo, soja e café.

[3] Superávit é um termo utilizado em economia para dizer que a arrecadação é maior que o gasto em determinada situação. No caso da balança comercial brasileira, significa que determinado mais arrecadou mais exportando do que o gastou importando bens e serviços em determinado período.

[4] NPK é uma sigla utilizada na agricultura que designa a relação dos três nutrientes principais para as plantas (nitrogênio, fósforo e potássio).

[5] Se fala em sobreoferta quando existe um quantidade muito grande de mercadorias em circulação e não existem pessoas ou empresas para comprá-las. Este processo é a raiz das grandes crises do sistema capitalista.

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