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sexta-feira, 29 de março de 2024

Papel histórico da população LGBTI+ é enfrentar o capitalismo

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Por Rafael Mesquita – Jornalista no Ceará e Editor do jornal digital Mídia Bixa

Ao longo do seu desenvolvimento, a sociedade capitalista precisou criar estruturas que justificassem o poder atribuído a determinados grupos sociais. E isso não é nenhuma novidade na discussão sobre as origens e engrenagens do capitalismo. No entanto, destacamos essa questão para que possamos entender como foram desenvolvidos sistemas bem específicos de exclusão, como a opressão imposta às pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (LGBTI+). 
Os estudos feministas destacam que as divisões de gênero e, por conseguinte, de orientação sexual, foram cruciais no processo histórico e cultural de fortalecimento do capitalismo. Uma tendência que é reforçada sobretudo depois do século XXVIII.
Com vistas a aumentar o excedente social, fundamental para o seu modelo de funcionamento baseado na insatisfação (vontade de consumo) e na desigualdade (expropriação de uma maioria em detrimento do benefício de uma minoria), a sociedade capitalista avançou no desenvolvimento de dispositivos que criassem massas sociais e combatessem a mortalidade infantil para aumentar o quantitativo populacional, por exemplo. Assim, mulheres que sempre foram cuidadoras e responsáveis pelo trabalho externo, passaram a ser donas de casa, presas ao trabalho eminentemente doméstico de cuidados dos filhos, dos esposos e do lar – uma forma de trabalho análogo ao escravo, pois não pago e subjugado.
Ao mesmo tempo, espaços de reunião social aproximavam as comunidades e criavam novas maneiras de ordenamento e controle. Escolas, igrejas e hospitais foram fundamentais neste processo de moldagem da sociedade, que reforça papeis sociais e de gênero, de homens e mulheres, agora justificados por discursos educativos, religiosos, culturais e médicos.
Assim, novas engrenagens eram associadas ao patriarcado – o sistema social dos homens. Além da propriedade privada, da família e do Estado, a sociedade assistia ao desenvolvimento de novos suportes de poder.
E estes dispositivos nascem como produto de uma nova estratégia: ao longo do tempo, observou-se que o controle social era mais eficaz através do convencimento – em detrimento do uso da força característico dos Estados primitivos.
Assim, os já citados aparelhos ideológicos do capitalismo (escolas, templos, hospitais) passam a difundir tecnologias de gênero, ou seja, classificações que estabelecem, entre outras coisas, que diferenças anatômicas eram determinantes para o acesso à vida política, econômica, cultural e para a definição de papeis sociais.
Dessa forma, é fortalecida a binaridade de gênero, que funciona como estratégia. O ser homem e o ser mulher teriam papeis ainda mais definidos sendo de fato uma construção social. A religião reforça a submissão da mulher ao homem, médicos passam a destacar as diferenças de órgãos sexuais, leis já nascem excluindo mulheres, a permissividade sexual era reprimida e o sexo homoerótico passa a sofrer severa patologização. O fato é que estas questões foram incorporadas na cultura, de forma a determinar os caminhos do que é ser homem e do que é ser mulher.
A Teoria Queer classifica o estabelecimento destes padrões como o desenvolvimento de uma heteronorma1, que, embora seja distribuída discursivamente, reprime de forma violenta, com sanções e restrições, àqueles que a subvertem.
Não só passa a ser fortalecida a supremacia do homem, como é criado todo um sistema que impõe que a sexualidade só pode ser interpretada de uma única maneira, ou seja, através da relação dos sexos opostos, entre homem e mulher, portanto, heterossexual (“Hétero”, de origem grega, significa “diferente” – sexo dos diferentes).
Dessa forma, o capitalismo se apropria da opressão patriarcal para se beneficiar, formando uma espécie de heteropatriarcado, ou cis-eteropatriarcado (conjugação de cis-generidade2 – “do mesmo” gênero, heterossexualidade e patriarcado). Enquanto os homens heterossexuais seriam egocentrados, todo o resto, incluindo mulheres e os corpos desviantes das normas, tinham que ser heterocentrados.
E é neste sistema sociopolítico que vivemos. Diria até que enfrentamos uma tentativa de retomada das bases fundamentais do poder somente dos “homens héteros” e o fortalecimento do patriarcado, diante da escalada reacionária que pretende reestabelecer a força através de aparelhos ideológicos que nos conduziram até aqui. Exemplos disso são os discursos das igrejas neopentecostais, a perseguição de políticos ao debate sobre gênero nas escolas e o charlatanismo da “cura gay”. E o produto disso é o assassinato em massa de mulheres e LGBTIs. Estima-se que uma pessoa LGBTI+ morra a cada 28 horas no Brasil por causa da sua identidade de gênero ou orientação sexual. O país está em primeiro lugar em assassinado a pessoas transexuais.
Portanto, meus caros e minhas caras, não há coexistência pacífica entre a população LGBTI+ e o capitalismo, haja vista que uma das bases de sustentação deste regime odioso é a heterossexualidade compulsória.
Sendo assim, mulheres, pessoas LGBTI+, negros e negras, a classe trabalhadora, ou seja, todos que resistem diariamente ao capitalismo branco, sexista, homofóbico e racista, precisam cada vez mais se articular numa resistência dos 99%, do excedente social explorado e usado, inclusive refutando propostas de cooptação identitária dos capitalistas contemporâneos.
Não aceitemos a igualdade liberal como alternativa pois ela também é uma permissão da masculinidade hegemônica (branca, hétero, cristã, cis, rica). Precisamos construir um outro mundo formado pelas necessidades e desejos da maioria mulher, LGBTI+, negra e trabalhadora. Precisamos descolonizar a nossa existência, pois, sempre que se sente ameaçado, o capitalismo retorna a recorrer ao descarte ou ataque a determinados grupos que já havia empurrado para a submissão. Só nos resta lutar!
Notas
1. Heteronorma ou Heteronormatividade é um termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas.

2. Cisgeneridade é a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Por exemplo, alguém que se identifica como mulher e foi designada como mulher ao nascer é uma mulher cisgênera. 

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