Por Juliana Auler
CHINA – Em janeiro deste ano, pude estar durante 20 dias na China, tendo conhecido três de suas principais cidades: Pequim, Xangai e Xiam. Sabemos que hoje a questão chinesa é um dos debates mais polêmicos dentro da esquerda e, além disso, a disputa entre China e EUA é o cerne da discussão geopolítica atual, pautando, assim, quase todos os eventos político-econômicos em escala global dos últimos anos. Definir que lugar ocupa a China é uma questão complexa e não é o objetivo deste relato, que se propõe a expor o que foi visto por mim e minha família no início de 2020.
Em primeiro lugar, as impressões são extremamente limitadas por conta da barreira linguística, como nenhum de nós sabia nada de mandarim e a população local não falava nada de inglês, em sua maioria, não pudemos ter grandes diálogos sobre como estes se sentem em relação a seu país.
Uma das características mais marcantes da visita é o nacionalismo presente no discurso chinês. Não apenas na propaganda governamental mostrando as grandes obras e metas alcançadas, mas também é possível notar um profundo orgulho nos chineses sobre seu progresso. Dos poucos que conversamos, todos mostraram empolgação ao contar das obras e a se referir aos novos tempos sempre como “agora temos dinheiro”.
É grande a popularidade de Xi Jinping, presidente da República Popular da China e Secretário Geral do Partido Comunista Chinês. Há diversos souvenires com seu rosto estampado nas cidades (observa-se que a maior parte dos turistas não vêm de outros países, logo, são os próprios chineses que consomem tais lembranças). Há, inclusive, enfeites que o colocam ao lado de Mao Tsé-Tung, principal nome da Revolução Chinesa e líder do país de 1949 a 1976. Xi Jinping, para os chineses, é não só sinônimo de prosperidade, mas também símbolo do legado de Mao Tsé-Tung.
É importante destacar que boa parte da propaganda estatal se apoia na Revolução. Em nenhum museu que visitamos havia sequer uma linha que se falasse, como comumente vemos, sobre abusos, autoritarismo e fome promovidos pela Revolução. Pelo contrário, pelo que lemos, o socialismo é retratado como libertação nacional do jugo colonial, disseminador da liberdade religiosa e responsável pela propagação da cultura e das artes. Nos veículos oficiais se referem a todos os processos como parte do caminho para construção do socialismo.
Dois momentos importantes em Pequim foram a visita ao Templo do Lama, que colocava a Revolução como grande aliada dos budistas (colocando-os em cargos importantes e ajudando a diminuir conflitos com a Mongólia, por exemplo) e ao Museu Nacional, principal museu da China, com uma sala enorme dedicada a quadros que retratavam a Revolução, em especial, a Longa Marcha.
Contudo, há na China inúmeras contradições no que se diz respeito à construção do socialismo. Em primeiro lugar, há presença de educação e saúde privadas, ainda que o setor público tenha seu espaço e sua qualidade, fator extremamente contraditório com todas as experiências socialistas. Até mesmo em Cuba, com todo o retrocesso recente, a saúde e a educação privadas ainda não encontraram espaço, além dos exemplos mais clássicos, como o primeiro sistema universal de saúde na URSS.
Outro aspecto é que o mercado de produtos de luxo e o consumismo são presentes entre a população chinesa como em nenhum outro lugar. Com um crescente número de milionários no país, brotam nas ruas lojas gigantescas de marcas luxuosas, carros caríssimos desfilam nas ruas das cidades, em especial de Pequim (capital política do país). Em Xiam, que não está nem entre as 10 principais cidades, há um shopping destinado apenas a relógios de luxo.
A prosperidade é inegável. Há jovens, idosos e crianças vestidos inteiramente com roupas de marca, além de grandes lojas da marca estadunidense Apple. Nas palavras de um dos locais com quem conversamos, “antigamente não havia dinheiro, agora todos têm dinheiro”. Há obras de infraestrutura por todo o lado, no interior e nas cidades, ruas largas e impecáveis, sistema de transporte novo (este sim, estatal).
Uma característica interessante é a ausência quase completa de pobreza. Ao contrário dos EUA e da Europa, a população considerada pobre é cada vez menor na China e não é possível ver moradores de rua ou regiões periféricas precarizadas, abandonadas. A chamada eliminação da pobreza é também motivo de orgulho constante, presente sempre nos discursos oficiais e também nos curtos diálogos que pudemos desenvolver.
As escolhas feitas pela China são motivo de grande polêmica na esquerda brasileira e no mundo. De fato, o Estado chinês garante uma atuação e um controle que países como Japão e Coreia do Sul, usando de exemplos mais próximos, não são capazes de proporcionar. A transformação rápida, o nacionalismo e a propaganda socialista são fatores que despertam um debate que não pode ser reduzido ou encarado da mesma forma que em outros países.