A Verdade entrevistou o sociólogo Fausto Augusto Junior, 45 anos, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Na entrevista, ele fala sobre Medidas Provisórias do presidente Bolsonaro e sobre os possíveis cenários pós-pandemia.
O Dieese desenvolve a Pesquisa Nacional da Cesta Básica, que apresenta o custo da cesta em algumas capitais e qual deveria ser o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família brasileira. A pandemia provocou um aumento no custo de vida? Como uma família que deveria contar com aproximadamente R$ 4.500 mensais para ter uma vida digna vai sobreviver com o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo Congresso Nacional?
Fausto – Neste momento, não é possível falar sobre aumento do custo de vida porque nossa pesquisa do ICV foi interrompida para atualização e a da cesta básica foi paralisada em 18 de março, por causa da pandemia do coronavírus. Fizemos algumas adequações para retomar a da cesta e vamos conseguir divulgar novos resultados, referentes a abril, no início de maio.
O valor de R$ 600,00 está muito longe de garantir o mesmo que o salário mínimo necessário de R$ 4.483,20, estimado pelo Dieese, em março de 2020, para uma família de quatro pessoas viver. Naquele mês, o custo de uma cesta de alimentos básicos para uma única pessoa, no Município de São Paulo, foi de R$ 518,50, quase o valor do auxílio.
Mas, apesar de não ser suficiente, o auxílio é muito importante porque tem um largo alcance e atinge as camadas mais pobres. Segundo estimativa do Dieese, 42 milhões de pessoas serão beneficiadas, o equivalente a 20,4% da população brasileira. A ampliação do benefício para os agricultores familiares pode impactar positivamente a vida de mais de 11 milhões de pessoas.
Vivemos um momento de exceção, causado pela pandemia, mas é importante lembrar que milhões de famílias já estavam em situação de vulnerabilidade, por conta de medidas que cortaram gastos e serviços públicos, precarizaram as condições de trabalho e reduziram a renda, adotadas por este governo e pelo anterior.
O presidente Bolsonaro editou as Medidas Provisórias nº 927 e nº 936, sob o pretexto de preservar empregos, de não provocar uma quebradeira na economia nacional. Como o Dieese analisa estas medidas?
O texto da MP 927 fala que a negociação deve ser feita entre o empregador e o empregado e, desta forma, retira o sindicato da negociação. O conteúdo da medida parece atender apenas às demandas do setor empresarial, pois se baseiam unicamente na redução das prerrogativas dos trabalhadores e em regras que regulam a duração e a execução da jornada, a concessão de férias, a organização de turnos de revezamento e a vigência dos acordos e convenções coletivas.
Sabe-se que a negociação individual entre empregado e empregador é totalmente desequilibrada, em favor deste último, relação que pode piorar ainda mais num momento de crise e desemprego. A MP também não prevê como os empregadores deveriam agir para conduzir o trabalho e a produção do que for preciso manter em funcionamento, sem que os trabalhadores adoeçam ou se contaminem. Por outro lado, a demanda por bens e serviços tende a cair abruptamente pela perda de renda das famílias, e a MP não estabelece medidas mitigadoras desse efeito nem menciona a garantia dos empregos.
A garantia de emprego vai aparecer na MP 936, de maneira limitada e com pouca efetividade, pois pode ser quebrada mediante pagamento de uma multa e só vale para os que aderirem à suspensão do contrato ou à redução de jornada e salário.
O Programa Emergencial instituído pela MP 936 não coloca nenhum limite para redução da jornada e da renda. Não garante 100% do salário integral – somente para quem ganha salário mínimo e a taxa de reposição dos salários fica entre 90% e 70% para salários até três salários mínimos, mas, conforme a renda aumenta, cai drasticamente. Também retira os sindicatos da negociação coletiva destas medidas, deixando mais vulneráveis o conjunto dos trabalhadores.
Os sindicatos têm melhores condições de buscar a ampliação da taxa de reposição salarial, do período de estabilidade e negociar outras condições de implementação das medidas, e inclusive fiscalizar a aplicação das ações pelas empresas.
Também acreditamos que, para que todos possam ficar tranquilos neste momento, deveria ser proibida qualquer dispensa sem justa causa.
Devido à pandemia da Covid-19, uma nova situação surgiu para os trabalhadores e para o movimento sindical. Como isso tem afetado os acordos e convenções celebrados entre as entidades sindicais e os patrões?
Cabe aqui destacar a importância dos sindicatos, que protegem os trabalhadores da base, e ressaltar a forma como essas entidades estão, rapidamente, se adequando ao momento de pandemia, com a realização de acordos padrões que servem de referência para várias categorias, com utilização de sistemas eletrônicos de consulta à base, reuniões e assembleias virtuais.
Observou-se um crescimento das negociações referentes aos efeitos da crise do coronavírus. O tema mais pactuado foi a suspensão do contrato de trabalho, presente em 213 instrumentos coletivos analisados pelo Dieese. Parte dos acordos reitera as disposições da MP 936 e outros definem outras disposições.
Já a redução de jornada e de salários apareceu em 187 instrumentos coletivos e foi o segundo tema mais negociado. As cláusulas refletem as disposições da MP 936, estabelecendo a duração máxima de 90 dias da medida e os percentuais de redução de jornada permitidos de 25%, 50% e 75%.
Em seguida, vem o tema da concessão de férias individuais ou coletivas, negociada em 161 instrumentos. As cláusulas tratam da antecipação de férias para trabalhadores que não cumpriram o período aquisitivo e da priorização de grupos vulneráveis, entre outros. O banco de horas foi pactuado em 128 instrumentos. A maioria das cláusulas estabelece de que forma as horas não trabalhadas por conta da pandemia podem ser compensadas no futuro.
Também muito presente nas negociações está o trabalho em casa, que aparece em 81 instrumentos.
Em seu “Boletim de Conjuntura” de março, o Dieese fez as primeiras projeções do quadro pós-pandemia no Brasil em relação à queda do PIB e ao aumento do número de pessoas desocupadas. Fale sobre essas projeções.
Todas as projeções indicam recessão da economia após a pandemia, uma vez que medidas de isolamento, necessárias para preservar vidas, têm sido tomadas. Um dos grandes problemas é que a economia do país já vinha patinando por conta das políticas adotadas a partir de 2016, com a mudança de governo. Além disso, em 2019, o PIB ficou em 1,1%, com diminuição do investimento privado no último trimestre do ano e baixo crescimento industrial.
O total de desempregados em março de 2020 era de 12,3 milhões e, como as expectativas de crescimento da economia para 2020, pós-pandemia, eram de um PIB próximo a zero, ou mais provavelmente negativo, a tendência é que esta queda se acentue muito ao longo do ano.
As projeções do Dieese mostraram três possíveis cenários: um pessimista, um intermediário e um otimista. Os pressupostos desses cenários são os impactos da paralisação decorrente da crise e o tempo estimado para a recuperação econômica. No pior cenário, estima-se queda de 8,5% do PIB, com aumento do volume de desocupados em 4,4 milhões, o que elevaria o total, no Brasil, para cerca de 17 milhões de trabalhadores desocupados ao final de 2020. O cenário intermediário, por sua vez, aponta a possibilidade de queda do PIB de 4,4% e aumento de 2,3 milhões no contingente de desocupados. Já o cenário otimista, que acreditamos ser muito improvável, indica queda do PIB de 2,1%, com crescimento de 1,1 milhão no número de desocupados.