“A ditadura dava um tempero de angústia nas relações e, sem perceber, eles começaram a padecer da mesma urgência de amar, pois a mão da morte chacoalhava a cama dos jovens casais guerrilheiros.”
Leopoldo Paulino
SÃO PAULO – Naquele 1º de abril de 1964, eu tinha 13 anos e uma febre diagnosticada como “emocional” me acometeu. Menino ainda, sentia-me consternado pela consolidação do golpe militar. Aos 15, comecei na vida partidária clandestina e, aos 18, acompanhando Carlos Marighella, integrei a ALN. Tive minha primeira prisão no 30º Congresso da UNE e, aos 19 anos, com meu violão e uma mala, fui para o exílio, que durou quatro anos e meio, onde pude travar conhecimento com revolucionários brasileiros vindos de diversas partes do nosso país, também exilados políticos.
Prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos eram temas constantes ao nosso dia a dia de militância. O hálito tão próximo da morte nos impulsionava ainda mais à resistência. Por outro lado, no turbilhão de emoções em que vivíamos, no afã das batalhas, nem sempre nos atentávamos às perdas subjetivas.
“Roupa de Domingo, amor nos tempos de ditadura” testemunha histórias reais de jovens casais revolucionários, interrompidas pelo regime militar.
O projeto para escrever sobre este tema teve início, há algumas décadas, quase como uma tarefa de denunciar outra face cruel da ditadura e, agora, neste período de isolamento social devido à pandemia de Covid-19, resolvi passar para o papel alguns dos desencontros amorosos que ouvi nas angústias desses companheiros e seus dramas de amor, que reverentes à importância da luta revolucionária, nem sempre tiveram tempo para articular seus lutos pessoais.
Os versos de Chico Buarque na canção Acorda Amor, inspiram o título desta obra e trazem uma verdadeira e triste recomendação aos relacionamentos na época: “Se eu demorar uns meses, convém às vezes, você sofrer, mas depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”.
Na execução deste livro, procurei descaracterizar os personagens, trocando seus nomes e organizações, a fim de preservar a identidade real dos protagonistas dessas histórias.
“Roupa de Domingo” denuncia mais um lúgubre legado a somar-se aos estragos que a ditadura militar produziu em nosso país. E, como bem observou o companheiro Cajá: “A ditadura cometeu muito mais crimes do que conhecemos. Quem sabe quantas histórias de amor de verdade a ditadura militar fascista encerrou ou interrompeu, seja com o assassinato ou com a clandestinidade ou o exílio forçado?”