Yonara Gomes estudante de História na UFPE e militante da UJR
A luta pela regulamentação da profissão de historiador veio sendo travada há muito tempo no Brasil. Em 1968 um projeto chegou a ser discutido, mas foi arquivado pela ditadura militar. A partir de 1983, esse tema voltou à tona. O PL 368, criado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em 2009, tramitou por mais de 10 anos no congresso, sendo revisado em 2012 na Câmara dos Deputados, e em 2015 pelo substitutivo nº 3 no Senado, onde novas propostas foram discutidas e acrescentadas.
O projeto de lei foi aprovado por unanimidade no Senado em 18 de fevereiro de 2020, e vetado integralmente pelo presidente em 24 de abril de 2020 (veto 10/2020), sob justificativa de restrição do livre exercício profissional. Essa ação expõe, mais uma vez, o desprezo do governo às ciências humanas, como já demonstrado nos posicionamentos do ex ministro da educação, Abraham Weintraub, e do próprio Jair Bolsonaro.
A sessão do congresso marcada para 17 de junho, que decidiria a respeito dos vetos presidenciais, ocorreu quase dois meses após essa data. Nesse meio tempo, uma grande campanha se estendeu pelas redes sociais, e contou com a participação de historiadores e não historiadores. Em 12 de agosto — nova data da reunião da Câmara — o veto foi finalmente revertido pelos deputados. A lei foi publicada pelo Diário Oficial da União no dia 18 deste mês. Tais acontecimentos, contudo, não esgotam o nosso debate acerca dos motivos que fizeram essa luta por reconhecimento profissional se estender por tantos anos e, principalmente, do porquê deste projeto ter sido inteiramente vetado.
Deve-se ressaltar que a proposta não impede que as pessoas pesquisem, escrevam, publiquem ou manifestem opiniões relacionadas a temáticas históricas. Inclusive, temos registros de grandes obras que enriqueceram o conhecimento histórico, produzidas por escritores da literatura brasileira, como Euclides da Cunha; economistas, como Celso Furtado; sociólogos, como Florestan Fernandes; antropólogos, como Darcy Ribeiro, e tantos outros filósofos, jornalistas e professores.
O objetivo central da Lei 14.038/20 (que regulamenta a profissão de historiador) é estabelecer requisitos para o exercício da atividade profissional, a fim de promover a valorização do trabalho do historiador, algo que não é motivo de preocupação em outras áreas, como as ciências médicas e da saúde, e as engenharias. Todas possuem um órgão regulador. Essa discussão coloca em cheque o estigma sobre as humanidades e o esvaziamento do conhecimento humano.
A graduação e/ou especialização em História nos habilita a produzir e disseminar conhecimento histórico com base em teorias, métodos e técnicas. Estamos amplamente capacitados a pesquisar e coordenar serviços de pesquisa, lecionar, organizar documentação, informações para publicação, dentre outras atribuições.
Sob a bandeira da liberdade de expressão, na prática, estimula-se revisionismos toscos, desprovidos de qualquer análise teórico metodológica, e que impõem à História um rumo incerto, além de promover o negacionismo científico.
É este tipo de discurso que deturpa a memória daqueles que verdadeiramente lutaram pela libertação do povo brasileiro, a exemplo dos homens e mulheres, trabalhadores, assassinados pela ditadura militar instaurada através do golpe de 1964, com o objetivo de disseminar uma ideologia fascista sustentada por pseudo cientistas que disputam a narrativa histórica, para que assim possam se fortalecer e suprimir qualquer ideal de liberdade. A mobilização social e a união da categoria em busca dos seus direitos, porém, só nos mostra que temos, sim, coragem para enfrentar esta ameaça, e nos revela quem está verdadeiramente ao lado do povo.