A reafirmação dos Estados Unidos é sua política externa

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Fernanda Alves, militante da UJR


Fidel Castro  em Havana, Cuba, em janeiro de 1959.  (AP Photo / Harold Valentine)

A reafirmação da excepcionalidade dos Estados Unidos é a principal característica tradicional da política externa estadunidense. Os dizeres de que os Estados Unidos são “a maior democracia do mundo” é uma propaganda feita pelo próprio governo, até mesmo quando o país se encontrava atrás da maioria das democracias ocidentais. O principal objetivo em torno dessa vangloriação é criar uma imagem de que os Estados Unidos seriam, portanto, um país confiável e altruísta, fomentando o exacerbado patriotismo. Isso, indubitavelmente, acarreta em diversas crenças de que este seria benevolente e solidário. Ou seja: os Estados Unidos até podem errar, no entanto, suas intenções seriam sempre visando o bem.

Contudo, não é bem isso que ocorre, principalmente ao analisar a relação dos Estados Unidos com a América Latina nos 150 anos que vão desde a presidência de Thomas Jefferson, o primeiro que sonhou em apoderar-se de Cuba, até o triunfo da Revolução Cubana.

Ao analisar a América Latina por um prisma estritamente histórico, Simón Bolívar, venezuelano conhecido por apoiar a descolonização e peça principal nas guerras de independência da América Espanhola, já havia nos advertido sobre o perigo que os Estados Unidos representavam para a “Nossa América”. José Martí, cubano que também lutou pela libertação da América Latina, escreveu em 1895, poucas horas antes de morrer, que seu último propósito era “impedir a tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam pelas Antilhas e caiam, com mais essa força, sobre as nossas terras da América. O quanto fiz até hoje, e farei, é para isso… Vivi no monstro [Estados Unidos] e conheço suas entranhas.”.

Em 1898, quando o quarto ano da rebelião cubana chegou, os Estados Unidos intervieram na guerra, garantindo a libertação de Cuba. De fato, a independência foi conquistada e a Espanha saíra derrotada, mas o centro político de Washington impôs, enquanto condição, a Emenda Platt. De acordo com a emenda, era concedido o direito de intervir militarmente e estabelecer bases navais no território cubano, com o pretexto de “proteger a vida, a propriedade e a liberdade individuais”, como também de comprar ou anexar partes do seu território, para estabelecer bases navais ou depósitos de carvão.

O intervencionismo imperialista estadunidense em Cuba perdurou ao longo do tempo, porque a Emenda Platt “ainda que tenha sido repelida em 1934, teve um efeito nocivo sobre o desenvolvimento político do Cuba durante as três primeiras décadas da República, e anuviou as relações entre Estados Unidos e Cuba até o fim do século XX”. Além disso, a inovação jurídica ocasionada com o seu advento impulsionou a expansão imperialista pois esta “… foi um dos documentos definidores da era imperial. A sua influência perdurou muito depois de ter sido formalmente revogada.”, como afirma Richard Gott.

Quando o coronel Carlos Mendieta, chefe da União Nacionalista subiu ao cargo de presidente provisório de Cuba, Roosevelt, em menos de uma semana reconheceu seu governo e com ele negociou não apenas um novo Tratado de Reciprocidade, mas também um novo Tratado de Relações, no qual os Estados Unidos acordaram a revogação da Emenda Platt, efetivando o ideal de que nenhum Estado tinha o direito de intervir nos assuntos internos de outro, que a Conferência Pan-americana de Montevidéu estabelecera ao aprovar a Convenção de Direitos e Deveres dos Estados.

Podemos tomar como exemplo quando um grupo popular finalmente decidiu alcançar a reforma social e independência nacional do hard power estadunidense, em setembro de 1933, o presidente estadunidense Franklyn Roosevelt, autor da “Política da Boa Vizinhança”, negou-se a reconhecer o novo governo e instou o exército cubano a tomar o poder.

Acompanhando a situação econômica de dependência, a política interna sempre se atrelou ao parceiro do norte. O governo americano dava suporte estratégico para que o poder permanecesse nas mãos da elite, sua aliada. E, assim, Fulgêncio Batista ascende ao poder.

Na Teoria Imperialista de Vladimir Lênin, a luta de classes, dissertada por Karl Marx, irá transpor para o âmbito internacional e, com essa nova forma, manifesta-se por intermédio do conflito entre Estados nacionais, que ele classifica como “oprimidos” (desindustrializados) e “opressores” (industrializados). Com as dificuldades teóricas que o imperialismo tem de construir um modelo que projete efetivamente a luta de classes para o plano internacional, o imperialismo, assim, tende a assumir feições de uma teoria sobre Estados com capacidades de poder diferentes, resultante do desenvolvimento desigual de suas forças produtivas.

Sendo assim, esse processo gerou as trocas desiguais, em que os termos de troca se deterioraram pela vantagem que os países industrializados tinham sob os desindustrializados. Dessa forma, os Estados opressores eram capazes de produzir bens de alto valor agregado, enquanto os oprimidos se retém com bens primários, atuando como mercado consumidor. Portanto, as trocas desiguais ocasionam um método transgeracional de manutenção das desigualdades, criando um vão dos países entre si.

No governo de Batista, Cuba vendia quase todo seu açúcar aos Estados Unidos. Cuba comprava nos Estados Unidos não só automóveis e máquinas, produtos químicos, papel e roupa, mas também arroz, feijão, alhos, cebolas, banha, carne e algodão.

O país do açúcar importava cerca da metade das frutas e verduras que consumia, embora só a terça parte de sua população ativa tivesse trabalho permanente, e a metade das terras das centrais açucareiras fossem extensões baldias onde as empresas não produziam nada. Treze engenhos norte-americanos dispunham de mais de 47% da área açucareira total e ganhavam por volta de 180 milhões de dólares em cada safra. A riqueza do subsolo – níquel, ferro, cobre, manganês, cromo, tungstênio – formava parte das reservas estratégicas dos Estados Unidos, cujas empresas apenas exploravam os minerais de acordo com as variáveis exigências do exército e da indústria do norte.

No triunfo da Revolução Cubana, em 1959, Cuba, apesar dos envidados esforços dos presidentes Dwight Eisenhower e John Kennedy para impedir, conseguiu ser uma nação verdadeiramente independente. Moniz Bandeira detalha os excessos de Washington: as ações terroristas em que foram mortos dezenas de cidadãos cubanos (as bandeiras pretas que simbolizam estas vidas padecidas pelos Estados Unidos circundam hoje o Escritório de Interesses dos Estados Unidos, em Havana); a invasão da Baía dos Porcos; a imposição do bloqueio; a manipulação descarada da servil Organização dos Estados Americanos (OEA), as 600 tentativas de assassinato contra Fidel Castro, governante de um país soberano.

Bill Clinton, no ano de 1999, aumentou a proibição comercial entre as duas nações ao limitar as comercializações de filiais estrangeiras de empresas americanas com Cuba em setecentos milhões de dólares por ano. Com a ampliação do esquema de interdição, o embargo a Cuba é considerado um dos mais longos do mundo contemporâneo.

Segundo relatório anual da ONU, realizado em 2005, o bloqueio causou, desde o seu início, um prejuízo superior a 89 bilhões de dólares para o país caribenho.

Mas, ao contrário do que se pode ver, o fim da Emenda Platt não significou o fim da intromissão dos Estados Unidos nos assuntos internos de Cuba. O diplomata brasileiro Edgard Fraga de Castro informou ao Itamaraty que Cuba, um país pequeno, mas “imensa e absurdamente rico”, vivia “debaixo de um jugo econômico mais duro do que o jugo político”, submetido à “irrespondível ameaça do fechamento do mercado norte-americano para o seu açúcar, o que significaria a miséria e o caos.”. A Emenda Platt sobrevive em território cubano na base estadunidense de Guantánamo. Não só efeitos, mas heranças da emenda perduram atualmente, uma vez que esta impossibilitou um desenvolvimento autônomo da sociedade cubana. Na ocupação da Baía de Guantánamo, ainda hoje, existe uma Base Naval e um campo de concentração estadunidense.

REFERÊNCIAS

  1. Nuñez Jiménez, Geografia de Cuba, Havana, 1959.

AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo, SP: Ed. Unesp, 2004.

Bandeira, Luiz Alberto Moniz Bandeira

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina: tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra, (estudos latino-americano, v.12)

GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2006, p. 132

José Martí para Manuel Mercado, 18 de maio de 1985, em José Martí, Epistolario, 5 vols., Havana, 1993, 5: 250.

OLIVEIRA, Leivo Ortiz de. O imperialismo estadunidense na América Latina e Caribe no final do século XIX: a questão de Cuba através do Tratado de Paz de Paris e da Emenda Platt. Porto Alegre. 2015.

OLIVEIRA-SILVA, Luiz Fernando de. A Herança de Fidel: As representações da Revolução Cubana de 1959 e da figura de Fidel Castro nos discursos do presidente venezuelano Hugo Chávez (1999-2002). Rio de Janeiro, Associação Nacional de História. 2010.

René Dumont, op. cit.

TAD SZULC, Fidel: A Critical Portrait, Nova York, 1987, p. 13