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terça-feira, 23 de abril de 2024

Quem ganha com a saída de Witzel do governo do RJ?

RISCO À DEMOCRACIA – Maneira como se deu afastamento do governador do Rio de Janeiro abre brecha para novas intervenções da justiça em favor de Bolsonaro (Foto: EBC)

Afastado no último dia 29/08 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o fascista Wilson Witzel não deixará saudade no povo fluminense. Porém, é correto que um juiz numa única tacada, esvazie o protagonismo da ALERJ no impeachment, derrube um governador eleito e coloque o governo estadual alinhado com Bolsonaro e seus interesses?

Por Felipe Annunziata

RIO DE JANEIRO – 2.635 pessoas assassinadas pela polícia, 16.217 mortos por Covid-19, sucateamento da CEDAE (empresa estatal de água e esgoto), com direito à distribuição de água de esgoto para a população, superfaturamento de hospitais de campanha, militarização das escolas. Esse é o resultado de um ano e nove meses de governo do ex-juiz Wilson Witzel no Estado do Rio de Janeiro.

Afastado no último dia 29/08 por decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi posteriormente confirmada pela Corte Especial do mesmo tribunal, Witzel não deixará saudade no povo fluminense. No seu lugar entrou Cláudio Castro, um vice que era um tampão na improvável vitória do fascista Witzel em 2018, quando o agora ex-governador era aliado de primeira linha da família Bolsonaro. Castro era um desconhecido vereador da base do prefeito-bispo Marcelo Crivella na cidade do Rio de Janeiro e ligado a Carlos Bolsonaro. Coincidentemente ou não, na noite anterior ao afastamento de Witzel, o ainda vice-governador Cláudio Castro estava reunido com os Bolsonaro em Brasília. 

Momento crucial na conjuntura do RJ

O afastamento do governador se dá em meio a um turbilhão de fatos cruciais para o futuro do Estado: a renegociação do chamado Regime de Recuperação Fiscal, a eleição no fim do ano do novo procurador geral do Ministério Público Estadual (que investiga o senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas) e o processo de impeachment que tramita na Assembleia Legislativa (ALERJ) contra Witzel por desvios na saúde.

A primeira medida do novo governador Cláudio Castro foi acordar com o governo federal a prorrogação por mais seis meses do Regime de Recuperação Fiscal, que colocou o Estado do Rio de Janeiro de joelhos perante os bancos e a União, forçou o início do processo de privatização do saneamento e do abastecimento de água, impôs uma série de medidas de ajuste fiscal e implementou o sistema de securitização de créditos, mecanismo fraudulento utilizado pelo capital financeiro para drenar mais recursos públicos para os banqueiros. Parte dessas medidas só não foi implementada de fato graças à luta e resistência dos trabalhadores e do movimento sindical e popular. 

Os interesses ocultos por trás do processo de afastamento

O afastamento de Witzel por decisão de um único ministro do STJ, além de antidemocrático, atropelou a Assembleia Legislativa, que já estava discutindo o impeachment do governador, dado como certo. 

Além disso, por acontecer sem a participação e pressão popular, a destituição de um governador eleito deve ser avaliada com cautela, pois é preciso desvendar os verdadeiros interesses por trás dessas medidas. 

Como já foi dito, certamente Witzel não deixará saudades, como também não deixaram saudades Cabral, Pezão, Garotinho e Rosinha, todos ex-governadores envolvidos até o pescoço com a corrupção e responsáveis diretos pelos gravíssimos problemas sociais e econômicos vividos pelo povo do Rio de Janeiro. Logo, é natural e compreensível que muitos tenham comemorado a decisão do STJ. Porém, é preciso observar em que condições a queda do governo do RJ aconteceu e os precedentes que se abriram com a saída forçada de Witzel.

Em primeiro lugar, Witzel não saiu por força da pressão do povo nas ruas. Boa parte da população ou está em casa, tentando se proteger da Covid-19, ou na rua, lutando para ganhar o pão de cada dia, mesmo pondo em risco sua saúde. Ao contrário, Witzel caiu por uma articulação entre a Procuradoria-Geral da República, o STJ e a Lava Jato do Rio de Janeiro. E é aqui que está o problema.

Em segundo lugar, um juiz do STJ, sem nenhum voto popular, não deveria ter o poder para afastar um governador eleito por milhões de pessoas com uma simples canetada. A cúpula do Poder Judiciário vem desde o início da pandemia trabalhando lado a lado com Bolsonaro. O antigo presidente do STJ, João Otávio de Noronha, por exemplo, já proferiu diversas decisões a favor de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz no caso das rachadinhas e, por isso, é um dos cotados para ser indicado pelo presidente ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, são inúmeros os processos contra o presidente e seus filhos arquivados ou simplesmente engavetados, apesar de estar claro como a luz do dia seu envolvimento com milicianos, narcotraficantes e com esquemas de desvio de recursos públicos. 

Todos sabemos que a justiça burguesa sempre está ao lado dos ricos e poderosos contra o povo. Também sabemos que o Judiciário é um dos poderes do Estado brasileiro mais elitizados e antidemocráticos que existem. Seus membros são praticamente intocáveis e têm regalias e privilégios acintosos. O próprio Wilson Witzel, quando ainda era juiz, foi flagrado dando a seus colegas os “macetes” para burlar a lei e conseguir ainda mais gratificações e mordomias. 

Bolsonaro é o maior beneficiado com decisão do STJ

Por tudo isso, toda e qualquer decisão da justiça burguesa deve ser olhada pelas forças populares com cautela e desconfiança. A saída de Witzel é produto de uma articulação do andar de cima da sociedade, da cúpula Judiciário com o governo fascista de Bolsonaro. Witzel se tornou um dos principais inimigos do presidente quando ameaçou disputar com ele a liderança do campo fascista em nosso país e anunciou sua pré-candidatura à presidência em 2022. 

O objetivo aqui não é defender o retorno de Witzel ao governo, mas entender quais forças tiveram o protagonismo neste processo. A direita não dá golpe apenas em governos de partidos de esquerda, como em 2016 com Dilma. A direita, a burguesia e o fascismo também dão golpe naquelas peças que não servem mais aos seus interesses. Esse é o caso do governador do Rio de Janeiro. 

Devemos observar o afastamento de Witzel não como uma vitória da luta popular, mas como um rearranjo de forças e alianças entre as várias facções da burguesia, que buscar se unificar para atacar o povo. O vice-governador mal foi empossado e já tem assumido vários compromissos com o governo Bolsonaro, principalmente aqueles que agradam o mercado financeiro, como a privatização da CEDAE. Embora esteja com o nome na roda do esquema de corrupção, a investigação contra Cláudio Castro – a menos que saia do controle – é apenas uma amarra para o governo do Rio não sair da coleira do fascismo de Bolsonaro. 

Outro acordo já firmado entre Castro e Bolsonaro é a salvação da família miliciana do presidente. O governador vai nomear em dezembro o procurador-geral do Estado, que comandará o Ministério Público do Rio de Janeiro e será responsável pela investigação de Flávio Bolsonaro e seus esquemas de corrupção quando era deputado estadual. Ou seja, o plano é colocar à frente do MP-RJ alguém que se sujeite a fazer o mesmo papel de Augusto Aras na PGR, quer dizer, blindar e engavetar qualquer investigação contra a familícia. 

Resumindo: numa única tacada, o STJ esvaziou o protagonismo da ALERJ no impeachment, derrubou Witzel e colocou o governo estadual alinhado com Bolsonaro e seus interesses.

Único caminho para libertar o Rio de Janeiro é a luta

Nesse cenário, o que se coloca é que não vai ser pela justiça burguesa que resolveremos os problemas do povo. Apenas com a luta de rua podemos derrotar o fascismo no Rio e no Brasil. A mesma justiça que afastou Witzel do governo do RJ hoje poderá amanhã cassar qualquer governador, prefeito, parlamentar, juiz, partido, etc., que contrarie os interesses de Bolsonaro, diminuindo ainda mais as já combalidas liberdades democráticas. 

Não podemos permitir que isso aconteça. É preciso fortalecer os movimentos populares e colocar o bloco na rua para a derrubada imediata do governo Bolsonaro e para esmagar de uma vez por todas a besta fascista. Nossa luta deve ser pelo fim dos privilégios das castas judiciárias e da interferência dos banqueiros e do mercado financeiro nas decisões políticas. Só com um verdadeiro governo popular poderemos libertar nosso país dos esquemas de corrupção, das perdas de direitos e ataques ao patrimônio do povo. 

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