Por Carla Castro*
Moradores da zona sul fizeram mobilização nesta quarta-feira, 23 de setembro. Desde o início da quarentena, lá no mês de março, a Prefeitura de Porto Alegre, a mando do prefeito Nelson Marchezan Júnior, retirou 12 linhas de ônibus de circulação. A motivação seria a redução no número de usuários do transporte coletivo. Mas a realidade da cidade mudou em função dos decretos municipais oriundos da pressão dos empresários da capital que se reuniram constantemente com Marchezan exigindo o retorno das atividades do comércio.
Cansados de sofrer com o descaso do prefeito, os moradores do bairro Nonoai, um dos afetados pela falta de ônibus, se organizaram para cobrar do poder público a volta da linha de ônibus Prado (264). Em poucos dias foram coletadas quase 600 assinaturas dos trabalhadores, trabalhadoras e estudantes que moram na região. A atividade foi organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) aos finais de semana.
“De uns tempos pra cá muita coisa mudou. Não tinha muito supermercado, bancos e armazéns. A gente tinha mais segurança, mas a população cresceu. Aumentou o desemprego, foram poucas as melhorias no bairro. Tinha lotação, ficou um tempo, mas depois tiraram. Tinha também outra linha de ônibus que passava no mesmo local e também foi retirada. Agora o Prado foi tirado da comunidade. Temos que subir até a avenida principal e está perigoso devido aos assaltos”, afirma Nilo Sérgio, morador da zona sul da capital gaúcha há 40 anos e que ingressou no MLB por conta da luta no bairro.
Já a militante do Movimento de Luta nos Bairro, Vilas e Favelas (MLB) e pré-candidata a vereadora de Porto Alegre, Priscila Voigt, destacou que a comunidade se organizou para coletar as assinaturas para mostrar a sua indignação com a postura da prefeitura ao retirar o ônibus Prado. “Isso é um descaso com o nosso povo. Em meio a uma pandemia deveria ter mais linhas de ônibus, já que temos que cuidar com a aglomeração, mas eles preferem se preocupar com o lucro dos barões”, conclui.
Carlos Vieira, estudante, militante da União da Juventude e Rebelião (UJR) e morador do bairro Nonoai, comenta que não tem coisa mais poderosa do que a organização do povo. “A gente vê isso no Brasil afora. Estamos preparados para cobrar tudo que a gente precisa. Chega de ser uma cidade a serviço dos ricos. Queremos uma cidade a serviço do povo trabalhador que é quem faz a cidade respirar, é quem tá atendendo a população que está adoentada. Os governos abandonaram a população na pandemia e quem está resistindo é o povo trabalhador”, destaca.
Rejane Fioletti, moradora do Nonoai e trabalhadora da área de higienização em um hospital, teve sua rotina alterada desde o mês de março em função da retirada da linha Prado. “O último ônibus que sai do bairro é às 19h. Chego no trabalho às 19h30 e aguardo o horário para trabalhar, aí de segunda a sábado me obrigo a me deslocar mais cedo para o trabalho, já que todas as linhas da região partem rumo ao centro pela última vez às 19h”, declara. Ela comenta que muitos colegas passam pela mesma situação e para manter o emprego se deslocam com antecedência para o trabalho.
Quando questionada sobre que recado enviaria para os responsáveis pelo transporte público na cidade é enfática: “deixem de ser egoístas e pensem no povo, não pensem só em colocar dinheiro no bolso. Vocês estão seguros nas casas de vocês e não precisam se expor. O povo precisa trabalhar e está desassistido. Como vamos trabalhar se não temos transporte?”
Vale lembrar que as 12 linhas de ônibus retiradas de circulação são, em sua maioria, das regiões periféricas de Porto Alegre. Marchezan, assessores e secretários, que nunca andaram de ônibus na vida, pensaram somente no lucro dos barões que são donos das empresas de ônibus. A redução do número de viagens e de veículos do transporte coletivo nas ruas implica em uma contradição: ao mesmo tempo que o poder público solicita que as pessoas permaneçam em casa e em isolamento social, os trabalhadores que seguiram suas atividades enfrentam ônibus lotados. Outro fator que não foi considerado pelo prefeito é a falta de segurança que é ainda pior para mulheres que ao se deslocarem estão expostas a violência.
Segundo pesquisa realizada pelo Moovit, aplicativo de mobilidade mais usado no mundo, o transporte público é a principal opção das quase 10 mil pessoas qe responderam a pesquisa em sete capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e Fortaleza. Antes da Covid-19, 85% das pessoas utilizam ônibus, trem e metrô, durante a pandemia o índice caiu para 68%. A tendência é que se estabilize em 70% nos próximos seis meses, uma redução de 15%. O estudo indica que 77% dos passageiros pedem aumento da frota para evitar que ônibus, metrôs e trens fiquem lotados; 63% gostariam de saber a localização dos veículo em tempo real; e 45% solicitam informações mais precisas sobre quais linhas estão operando.
Em Porto Alegre, com a redução das linhas de ônibus foram perdidas 526 viagens de ônibus por dia, cerca de 15 mil passageiros que circulavam durante a semana foram afetados. Já, aos finais de semana são menos 390 viagens e 7 mil usuários impactados.
O transporte público é um dos pontos mais abandonados pelo poder público, embora Porto Alegre seja uma das poucas capitais que conta com uma empresa pública de transporte e sofre com os ataques do governo que tenta entrega-la na mão da iniciativa privada. Vivemos em um momento de contradição, onde os patrões querem que os trabalhadores saiam de suas casas e se coloquem em risco, mas que não abrem mão de seus lucros. A vida das pessoas não pode estar acima do lucro. Nesse sentido, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) seguirá organizando o povo para cobrar os seus direitos. O abaixo-assinado feito pelo pelos moradores do Nonoai mostra que quando as pessoas entendem seus direitos, a construção do poder popular é o único caminho possível.
*Militante do MLB