Por Fernanda Vecchi Pegorini
Advogada e integrante da coordenação estadual do MLB/RS
A luta indígena pela demarcação de terra é uma luta pela vida! “Não estamos aqui somente porque queremos, mas atendemos a um chamado dos espíritos” liderança Xokleng Kullung Vei-tcha Teia.
As comunidades indígenas são espaços de resistência ancestral contra um sistema que é historicamente de morte para os povos originários.
Em todo o país, atualmente, a população indígena soma aproximadamente um milhão de pessoas. Os povos indígenas já viviam nesse país e marcaram essa terra com sua história e cultura. Hoje os processos de retomada de suas terras tradicionais e ancestrais representam a luta histórica contra o processo de colonização e invasão, a luta pelo direito ao reconhecimento e à demarcação de seu território. Dela depende a vida e a existência do modo de viver desses povos.
Onde existe retomada de terra, existe luta indígena organizada. O ódio representado pela política de governo de Bolsonaro se volta contra o que a organização indígena é: uma barreira de proteção do território, de toda a vida, a natureza e bens naturais de um lugar. Uma barreira contra o fascismo e a prática da espoliação dessas comunidades e dos nossos bens naturais pelo desmatamento, o garimpo ilegal, pela mineração ou pelo processo de privatização das nossas unidades de conservação e parques nacionais em todo o país.
O RS foi construído sobre terra indígena e, no entanto, apenas 1% do território é demarcado. As comunidades resistem em espaços confinados entre latifúndios ou na beira de estrada em acampamentos, são 34 acampamentos de retomada existentes no estado hoje. Todos esses espaços são terra indígena onde se preserva uma cultura e um modo de vida, uma organização política e social, um plantio e uma relação com a alimentação, com a terra e com a natureza, próprios dos Kaingang, dos Guarani, dos Charrua ou dos Xokleng.
A retomada Xokleng Konglui que aconteceu no dia 12 de dezembro na Floresta Nacional (FLONA) de São Francisco de Paula, região serrana do RS, representa a luta das comunidades indígenas por território, pela vida, contra o silenciamento de sua história, que no caso dos Xokleng foi responsável pela sua quase extinção no processo de colonização e expulsão, e que hoje resiste num pequeno espaço da mata de pinus dessa unidade de conservação.
Os Xokleng viviam por todo o território do Mato Grosso ao sul do país: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As lideranças da retomada conhecem a história do espaço que ocupam pela história de seus antepassados e exigem sua terra num processo desde pelo menos 2011, numa luta que vem desde 1970.
O processo de demarcação começa em 2011 e permanece em suspensão desde 2015, nesse tempo, o território Ibirama-Laklanõ, que corresponde a grande parte dos 1606 hectares da unidade de conservação (FLONA) foi identificado pelos estudos antropológicos da Funai e declarado como terra tradicional Xokleng pelo Ministério da Justiça. A retomada da terra é um direito das famílias que ocupam o espaço com a liderança de Kullung Vei-tcha Teia e Woie Kriri Sobrinho Patté. Uma resposta Xokleng contra o apagamento de sua história e o congelamento da demarcação de sua terra pela Funai!
Flona ameaçada! Mesmo sendo declarada terra indígena, a Flona está ameaçada de privatização pelo governo Bolsonaro, com a concessão à iniciativa privada da manutenção do espaço e das atividades de visitação. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entidade governamental responsável pela gestão dessa unidade de conservação, conseguiu uma liminar para a reintegração de posse na justiça federal da 4ª região, que foi informada à comunidade na manhã da véspera de Natal.
A decisão tem o objetivo de impedir o acesso à retomada de mais famílias e pessoas e com isso facilitar sua desocupação. O prazo para a desocupação voluntária encerrou na segunda-feira, dia 28, e com a insistência do ICMBio a reintegração da área foi confirmada para o dia 02 de janeiro. O STF recebeu uma reclamação produzida pela Defensoria Pública da União (DPU), endossada pela Articulação dos Povos Indígenas (APIB) e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), para a suspensão do despejo. Essa reclamação teve por base decisão anterior do STF que suspende reintegração de posse de comunidades indígenas durante a pandemia. No entanto, o presidente do STF, Luís Fux, se manifestou no recurso apresentado pela DPU e manteve a decisão do juiz federal, contrária à comunidade Xokleng da retomada de São Francisco de Paula.
Essa terra tem dono! Diante da impossibilidade de uma resposta sem violência para a situação da terra retomada, a comunidade Xokleng deixou a Flona pacificamente e resiste num acampamento na beira da estrada. Sua luta segue mobilizando indígenas e não-indígenas, entidades e movimentos populares. É dever do Estado a reparação histórica a esse povo com a devolução de sua terra. A retomada de uma unidade de conservação ambiental são dois eixos de uma mesma luta, que é pela vida! A luta indígena compreende desde sua raiz a defesa do meio ambiente porque dele depende para sustentar o seu bem-viver. Contra o genocídio dos povos indígenas e a entrega dos nossos bens naturais para a privatização há luta!
Essa é uma mostra do que será 2021, um ano de muito ataque ao nosso povo, mas também de muita luta e resistência. Que nos inspiremos na luta histórica dos povos indígenas, na sua força e resistência e estejamos ombro a ombro na luta por uma sociedade nova, livre da opressão e da exploração.
Viva a luta dos povos indígenas!
Viva a luta do povo Xokleng pela retomada do seu território!