UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

domingo, 22 de dezembro de 2024

O que os povos da América Latina devem esperar da administração Biden

Outros Artigos

EUA superaram hoje a última etapa formal para a posse de Joseph Biden e Kamala Harris, com a certificação dos resultados eleitorais pelo congresso nacional; a partir de 20 de janeiro, toma posse um presidente do partido democrata, abrindo uma novo período de oportunidades e resistência para os países dependentes do continente.

Donald Trump segue não aceitando os resultados eleitorais de novembro, quando a votação deu vitória a seu adversário por uma margem de 81 a 74 milhões de votos. Após perder em todas as instâncias judiciárias e ver o colégio eleitoral sancionar o resultado, Trump ainda pressionou seu vice e presidente do congresso, Mike Pence, a impedir a certificação eleitoral em um congresso eleitoral cercado por manifestações que terminaram com ao menos uma mulher morta nos confrontos. Nada disso deu resultado, e agora apenas um golpe de força militar pode impedir a posse de Joseph Biden e Kamala Harris, em 20 de janeiro próximo.

 A administração Trump deixa como legado na América Latina o fortalecimento de uma extrema direita fascista com identidade própria e ação coordenada em quase todos os países do continente, fruto do trabalho do especulador financeiro, preso pela justiça dos EUA e libertado sob fiança, Steve Bannon, ideólogo maior de Donald Trump e sua família. Acumula, por outro lado, fracassos semelhantes às administrações democratas anteriores, falhando em sufocar os governos de Cuba, Venezuela e a insurgência colombiana, apesar de deixar um saldo de perdas econômicas bilionárias e também perdas humanas, com migração forçada, falta de acesso a remédios e fortalecimento de grupos terroristas e milicianos nesses países.

Trump também coleciona derrotas eleitorais, como a da Argentina, quando Maurício Macri – também apoiado por Bolsonaro – foi derrotado por Alberto Fernandez, em 2019. Na Bolívia, o golpe militar apoiado por Trump logo foi revertido pela eleição de Luiz Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS), para a presidência.

Apesar do discurso anti-China protagonizado por Trump, com fortes características racistas, a região viu a presença econômica e cultural do imperialismo chinês ficar ainda mais forte nos últimos anos. Segundo o Global Development Policy Center, a região da América Latina e do Caribe alcançou níveis recorde de comércio com a China em 2018, tanto na importação como na exportação. A China continua sendo o mais importante mercado exportador da América do Sul e o segundo, atrás apenas dos EUA, em exportações vindas do Caribe. Talvez não seja demais recordar que aqui se trata de exportações de produtos primários, as famosas commodities.

O discurso de preservação do meio ambiente e de preocupação com as mudanças climáticas foi praticamente esquecido pelo governo dos EUA nos últimos anos e deve voltar com força, como instrumento político de pressão sobre os governos da América Latina e do Caribe.

Um novo campo político dos EUA no continente

O ano de 2021 começa com os EUA seriamente debilitado em sua posição de potência imperialista unipolar no mundo. A economia dos EUA não consegue mais vender o  sonho americano para sua população que enfrenta o desemprego, os baixos salários, a falta de moradia, uma pandemia de uso de drogas lícitas e ilícitas e centenas de milhares de mortos e sequelados pelos efeitos do novo coronavírus.

A grave crise vivida pelos Estados Unidos da América se expressou nas últimas eleições presidenciais: um país dividido, sem rumo, afundado em corrupção e escândalos. Este Estado degenerado detém, no entanto, a maior potência militar já construída na história da humanidade, muitas vezes superior à capacidade de guerra de todos os Estados adversários.

O primeiro movimento da administração Biden será, portanto, a reconstrução de um campo político de aliados dos EUA no continente, com o objetivo de pressionar os povos em defesa dos seus interesses. Este é um movimento que passará, necessariamente, por uma renegociação com os governos ditos progressistas da região, especialmente os da Bolívia, Argentina, Venezuela e México, em um jogo de pressões e chantagens nas instâncias diplomáticas e na esfera econômica.

O isolamento do governo brasileiro de Jair Bolsonaro parece ser inevitável frente ao novo governo dos EUA. Após um período em que o grande aliado de Bolsonaro na Casa Branca nada vez para aumentar investimentos ou favorecer políticas do governo brasileiro, derrotar Bolsonaro e sua política ambiental e de direitos humanos deve ser uma necessidade para Biden na construção de seu discurso e de seu campo político.

Os tradicionais aliados dos EUA na região parecem a postos para cumprir seu papel nessa nova jornada. Na América do Sul, a Colômbia do presidente Ivan Duque espera manter uma relação “estratégica, bipartidária e bicameral” com Biden, o que na prática significa total submissão política em troca dos bilhões de dólares em financiamento militar anualmente investido. Duque disse ter uma relação “amigável” com Biden, a quem descreveu como “um dos arquitetos no Senado do Plano Colômbia”, uma estratégia bilionária contra a insurgência e de apoio a milícias paramilitares.

No Caribe, a República Dominicana do presidente recém-eleito Luis Abinader vem dando sinalizações de alinhamento aos EUA na medida em que proclama o não reconhecimento às últimas eleições venezuelanas e ao governo de Nicolás Maduro.

Este campo político construído por Biden apoiará nas eleições da região governos de estilo liberal-democrata. Vai fortalecer, como é tradição dos democratas, inclusive com Barack Obama, redes de espionagem e inteligência através de suas conexões comerciais e diplomáticas. Esses redes têm se tornado cada vez mais argutas e têm se desenvolvido para além dos monopólios de mídia, dos oficiais das forças armadas e diplomatas até influenciarem, de maneira direta, os sistemas judiciários em uma corrente prática de uso da lei para ações de guerra, o chamado lawfare. Estão previstas em 2021 as eleições presidenciais do Equador (fevereiro), Peru (abril) e Chile (novembro), paíse chave para a influência dos EUA na região.

Do ponto de vista econômico, o combate à influência chinesa na região estará no topo das prioridades da política externa de Biden para a América Latina e o Caribe. Não é possível prever, no entanto, a estratégia que será utilizada em termos de política econômica concreta, realmente porque o governo dos EUA, há algum tempo, parece não ter uma direção neste tema. O período de forte investimento, da exportação de capitais através da implantação de plantas produtivas em países como Brasil ou Argentina, parece não ser capaz de voltar a acontecer. O período ultraliberal do consenso de Washington, de completa desregulamentação do mercado financeiro, austeridade social e controle monetário parece totalmente condenado ao fracasso e incapaz de oferecer qualquer saída para o período atual. O governo dos EUA parece paralizado frente a esses desafios e incapaz de liderar qualquer saída, como conseguiu fazer no século passado.

Essa posição defensiva é o que torna o imperialismo dos EUA potencialmente ainda mais agressivo nesta quadra histórica. Incapaz de liderar a comunidade de nações americanas por novas conquistas sociais, os estadunidenses, com Biden à frente, vão lutar para não perderem a influência e o controle econômico que exercem sobre o continente.

Será uma luta desesperada, que evidentemente trará ainda mais instabilidade política e social para a região, em um contexto de maior agravamento da situação econômica. A par dos perigos, esse novo momento abre também uma nova oportunidade para os países dependentes da região, de construírem na luta sua soberania nacional e fortalecerem a unidade anti-imperialista no continente, edificando um caminho de independência econômica e política que só pode surgir a partir da luta social organizada.

Sandino Patriota, São Paulo.

Conheça os livros das edições Manoel Lisboa

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes