Impor volta às aulas presenciais é agravar a pandemia

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EDUCAÇÃO – Nos últimos dias, tem aumentado o debate sobre a retomada das aulas presenciais nas escolas de todo o país. São diversas as alegações: protocolos sanitários, redução do número de alunos por sala, alternância de dias de presença na escola, uso permanente de máscara, etc.

Sem dúvidas, essa é uma preocupação persistente em todas as famílias e não é diferente entre profissionais da educação e da saúde pública. É importante, no entanto, lembrar que a medida de reabertura das escolas ocorreu em vários lugares do mundo, ainda em 2020 e, portanto, é preciso observar suas consequências.

Volta às aulas no mundo

De acordo com a Academia Americana de Pediatria, nas duas últimas semanas de julho, cerca de 100 mil crianças foram infectadas pela Covid-19 nos EUA, em decorrência da medida adotada por parte dos estados em retomar as aulas presenciais. A França, que reabriu 40 mil escolas, fechou 70 escolas após uma semana da autorização da volta às aulas, o que foi feito a partir da confirmação de mais de três casos em cada escola.

Ainda em setembro, um levantamento promovido pela consultoria Vozes da Educação, analisou a volta às aulas em 20 países, identificando as medidas adotadas e os seus efeitos e apontou, resumidamente, como pontos-chaves para os que tiveram baixos índices de contaminação: a estabilidade ou queda na curva de contágio, distanciamento social e medidas sanitárias eficazes, monitoramento, transparência nas ações e construção dos planos junto a entidades representativas, a exemplo dos sindicatos, e uma retomada de forma gradual, num amplo debate com a comunidade.

Dessa forma, países como Alemanha, França, Dinamarca, Portugal, Nova Zelândia, China e Singapura tiveram resultados satisfatórios, apresentando baixos índices de transmissão, monitoramento ostensivo e ocasionalmente fechando escolas em determinadas regiões ou cidades, quando necessário.

No entanto, com as novas variantes do vírus no início deste ano, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Polônia, Irlanda, Holanda e Áustria adiaram o fim das férias e não iniciaram as aulas em janeiro. Apenas a França manteve o cronograma.

E o Brasil?

Alguns exemplos podem ilustrar o problema da volta às aulas no Brasil, como a emblemática situação da cidade de Manaus. Pico de contaminações e óbitos nos primeiros meses da pandemia, a cidade foi apresentada como caso de imunização de massa e que, portanto, a retomada das aulas não traria grandes problemas. Em 10 de agosto, iniciaram-se as aulas do ensino médio e, em apenas 15 dias, 342 professores foram testados positivamente para a Covid-19.

Analisando os dados de mortes no Brasil, o Imperial College London aponta em seu mais recente levantamento que a transmissão do vírus está sem controle no país, o que se confirma com os alarmantes dados diários de vítimas fatais, bem com pela falência do sistema em cidades, em que falta até mesmo oxigênio. Para completar, o corte do Ministério da Saúde do financiamento de leitos do SUS nos estados e a criminosa política adotada pelo Governo Bolsonaro em relação à imunização, que, além de ter uma reduzidíssima quantidade de vacinas, está atrasada em todos os seus cronogramas.

No caso particular do Brasil, basta analisar os itens apresentados como fundamentais para uma retomada segura por parte dos demais países no mundo, que fica evidente o quão distantes estamos dessa retomada. O país passa por uma crescente na curva de contaminação, não há nenhuma transparência nas ações governamentais, foram perdidos cerca de sete milhões de testes e praticamente toda a política de retorno é feita de forma unilateral, sem construção com profissionais da educação, que sequer entraram como grupo prioritário para a vacinação.

Mais do que nunca, é preciso levar em conta a realidade concreta. Para se ter uma ideia, segundo o site da Agência Brasil, apenas 46,7% das escolas públicas têm acesso a saneamento básico. São essas as escolas que vão cumprir os protocolos de saúde?

Diante dos riscos, é necessário lutar

A verdade é que as pesquisas e prognósticos construídos em todo o mundo dão conta de um alto risco de contaminação de toda a população, e não apenas das crianças, com a retomada das aulas presencias. Pesquisadores da Universidade de Granada estimaram que colocar 20 crianças em uma sala de aula representa, em apenas dois dias, aproximadamente 800 contatos cruzados. Os efeitos ocasionados pelo vírus nas crianças ainda não foram devidamente concluídos, pois os índices de mortes são baixos, mas problemas cardíacos e respiratórios já começaram a ser contabilizados como possíveis sequelas da Covid-19.

Sem dúvidas, trata-se de uma situação complexa, que representa a interrupção de atividades escolares presenciais para cerca de um bilhão e meio de crianças e adolescentes em todo o mundo, de acordo com a Unesco, mas as novas ondas de contaminação e suas variantes, os limites ainda existentes para tratamento e a escassez de vacinas são dados que não podem ser ignorados.

Se a preocupação com o ensino e a aprendizagem fosse real, teriam sido disponibilizadas as mínimas condições de trabalho e o acesso dos estudantes às atividades remotas, com tablets, computadores, pacotes de internet, distribuição de livros didáticos e tantas possibilidades que permitiriam, ao menos, diminuir o impacto da pandemia no processo de ensino-aprendizagem.

A pressão das escolas privadas, em especial das grandes redes privadas é pela volta imediata, sob risco de perder os alunos e os lucros gerados por suas altas mensalidades. Para eles, pouco importa a condição sanitária da cidade ou do estado, como se fosse possível criar uma redoma com protocolos capaz de impedir a contaminação e a transmissão por parte de crianças, adolescentes e profissionais de educação nesta pandemia, que já vitimou mais de 235 mil brasileiros e brasileiras.

Como governos estaduais e municipais têm ignorado as categorias, imposto a volta às aulas e ponto de corte aos profissionais da educação, o caminho é a resistência. Em vários estados os sindicatos têm se mobilizado e convocado os trabalhadores e trabalhadoras à greve. Mais do que nunca, muito além de falar em seguir protocolos sanitários, é hora de colocar a vida em primeiro lugar e de evitar que nossas escolas se tornem pontos de contaminação e proliferação do vírus.

Rafael Pires, professor da Rede Estadual da Paraíba