“É louvável o esforço que estes trabalhadores e trabalhadoras exercem em prol das suas famílias, mas não se pode cair na armadilha da ideologia neoliberal e isentar o sistema capitalista de todas essas mazelas que fazem parte da sua manutenção.”
Matheus Felipe e Edson Victor
BRASÍLIA (DF) – Desde a invasão do Brasil pelos portugueses, a difusão massiva e violenta do dogma cristão a partir das missões jesuítas passou a servir aos interesses coloniais e posteriormente também aos capitalistas em nosso território.
Para facilitar a supressão da cultura dos povos não-brancos e minimizar a culpa advinda da extrema violência infligida aos escravizados, foram elaboradas teses cristãs racistas das mais variadas formas, como por exemplo, a ideia de que os negros africanos eram “seres condenados” e “sem alma” ou de que “os povos indígenas precisavam ser salvos de uma vida de pecado” (e essa salvação pressupunha uma dedicação integral ao trabalho não-remunerado nas igrejas). Pode-se perceber isso através da Carta do Descobrimento, de Pero Vaz de Caminha, ou entre inúmeras elaborações que instrumentalizam e legalizam a submissão dos povos a uma lógica de exploração a partir da naturalização dessa condição colonial.
O dogma cristão naturaliza a culpa e impõe o sofrimento como norma necessária à vida dos povos. Essa, inclusive, sendo fundamental para a transição e o desenvolvimento conturbado e acelerado do capitalismo no Brasil.
A abolição da escravatura não significou uma reinserção social dos povos marginalizados e violentados nos séculos anteriores, gerando inúmeras deficiências sociais e raciais que se intensificam com a evolução da degeneração do capitalismo.
A industrialização dos anos 30 e o posterior desenvolvimento do neoliberalismo nos anos 70 promovem uma profunda mudança no manejo das contradições do capitalismo brasileiro, disseminando a ideologia na qual o “indivíduo é empresário de si próprio” e, portanto, é o único responsável por sair de sua condição de explorado e caminhar em direção ao “sucesso”, o que, neste sistema econômico, significa tornar-se um explorador da força de trabalho alheia.
Para auxiliar na disseminação dessa ideologia ultrapassada e desumana, se desenvolveu rapidamente um exército de agitadores oportunistas profissionais da ideologia burguesa, seu objetivo é reafirmar e naturalizar a exploração capitalista, esses agitadores burgueses hoje são conhecidos como coachs.
A partir da naturalização do sofrimento da classe trabalhadora e de todos os problemas que fazem parte da espinha dorsal do sistema capitalista, assim como da responsabilização do sujeito pela condição de exploração da classe social que faz parte, os coachs se tornaram populares e hoje promovem palestras e cursos cotidianamente em empresas que buscam tornar-se seus funcionários mais “produtivos e motivados” como forma de maximizar seus lucros.
Como os padres jesuítas no período colonial, os coachs naturalizam o sofrimento, individualizam a culpa e vendem uma cartilha com um “passo a passo” que supostamente permitiria superar essa condição de miséria imposta aos trabalhadores por um sistema econômico que necessita da existência de exploradores e explorados. Sem dúvidas são os profissionais necessários para a manutenção do capitalismo e para a disseminação da ideia de que o sofrimento deve ser exaltado, elogiado, como se o “caminho do calvário” capitalista fosse um caminho de redenção.
Na situação em que se encontra a classe trabalhadora brasileira, exemplos não faltam: se trata como heroísmo o sofrimento dos enfermeiros que trabalham na linha de frente do combate ao coronavírus, mesmo sem que as empresas ou o Estado forneça os equipamentos de proteção individual; crianças que trabalham exaustivamente vendendo doces nos semáforos para auxiliar a pagar as contas da família; pessoas com deficiência que mesmo tendo as piores condições possíveis de saúde para realizar determinadas funções em um trabalho se colocam em situações de risco para poder ganhar dinheiro: por necessidade trabalham para empresas que não fornecem os direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, precisam cumprir prazos e ritmos exaustivos que não consideram as suas deficiências. Ao final, são tratados como “exemplo de superação”; trabalhadores que se dedicam a dois ou mais empregos diariamente, esforçando-se até a exaustão, são considerados “guerreiros” pela mídia, entre inúmeros outros exemplos.
Obviamente é louvável o esforço que estes trabalhadores e trabalhadoras exercem em prol das suas famílias, mas não se pode cair na armadilha da ideologia neoliberal e isentar o sistema capitalista de todas essas mazelas que fazem parte da sua manutenção.
Esse desgaste e sofrimento dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros é consequência desse sistema econômico que exige a existência de um fosso de desigualdade que cada vez mais se aprofunda, e a classe dos super ricos fica cada vez mais estreita em relação à dos super pobres. As pessoas com deficiência, por exemplo, são entendidas por esse sistema que tanto explora os pobres como pessoas descartáveis, e por isso são excluídas do mercado de trabalho, e isso se dá, principalmente, por dois motivos:
1) Preconceito, pois julgam que PCDs não são capazes de cumprir qualquer função;
2) Por falta de estrutura que promova condições favoráveis para que se realize a inclusão de PCDs no trabalho.
A miséria e o sofrimento destes “heróis” que têm o valor de suas dores apropriadas pelos capitalistas seria solucionada por meio da dissolução da divisão de classes e da construção de uma sociedade socialista, onde o povo seja dirigente dos processos políticos e de seu futuro, onde todos tenham direito e dever ao trabalho, como já ocorreu na União das Repúblicas Soviéticas (URSS), respeitando suas condições e proporcionando uma vida digna a todos aqueles que se esforçam diariamente para manter este país de proporções continentais.