UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sábado, 16 de novembro de 2024

Lançamento do álbum “Povo sem Face”

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CULTURA – Para manter a supremacia ideológica da sociedade e o controle mental da classe trabalhadora, o capitalismo desenvolveu um arsenal de veículos de comunicação, como rádio, televisão e internet Através do controle dessas ferramentas, busca controlar também as formas de artes que fazem uso delas como o teatro, o cinema e a música. Esses meios de comunicação e cultura, alinhados com a ideologia dominante mercantilizam a força de trabalho mental das pessoas, ou seja, condicionam o pensamento da população da forma mais conveniente ao funcionamento do sistema capitalista e dificultam o acesso a informações diferentes, bem como produções artísticas anticapitalistas e antifascistas.

Frente a esse monopólio ideológico da classe dominante, diversas expressões culturais de subversão emergiram ao longo dos anos. Entre elas, o Rap, que há anos vem sendo cultivado enquanto ferramenta de luta, resistência e libertação. Em sua história temos Sabotage, Preta Rara, Racionais MC’s, Facção Central, entre outres. Suas músicas carregam a revolta, a exposição da realidade que a classe dominante quer ao mesmo tempo ocultar, chamando até de “invisíveis”, e explorar todo o sangue e suor em forma de lucro. Carregam também informação, debate, conhecimento e formação. Nas palavras, nos ritmos, no exemplo, carregam muitas vezes uma potencialidade de futuro pras crianças, que já estavam sendo moldadas pra servir ao sistema capitaslista como mais um adulto mão de obra.

A entrevista a seguir é um exemplo de como existe ainda hoje um trabalho no Rap que traz em cada nota, em cada beat, a sede de justiça e de liberdade. O álbum “Povo Sem Face” de Rob Rud e Pássaro Lef que tem lançamento previsto para 20 de março de 2021 vem como flecha certeira na nossa consciência para chamar à reflexão e à luta.

A Verdade – Primeiramente, satisfação pelo som de vocês, as ideias presentes nas músicas são certeiras, junto com o som, a levada, fica muito bom, então queremos saudar o trabalho de vocês.

Rob Rud – Nosso som é forjado na luta mesmo, porque todo o projeto nasceu na Ouvidor [Ocupação Ouvidor 63]. Várias vezes a gente gravou aqui embaixo e o som já foi pensado pra luta social, porque as ocupações, ao mesmo tempo que elas são integradas, elas são umas ilhas. Nosso som foi sempre pensado em conectar as pessoas.

Vocês realizam as gravações na ocupação?

Pássaro Lef – Aqui na ocupa tem um estúdio que o pessoal organizou, que vai dentro dos recursos que tem, mas dá pra fazer gravação. Conheci o Rob aqui tocando projeto, ensaiando no quarto dele mesmo. Começamos umas composições mútuas, o Rob vinha sempre com as ideias, umas informações pesadas e dentro daquilo comecei a compor.

E qual o contexto para o surgimento do álbum que vocês estão lançando: “Povo sem face”?

Rob Rud – De 2015 pra 2016, quando tava acontecendo bastante reintegração de posse no centro e manifestação fizemos o projeto “Inimigo do Estado”, que foi o primeiro, tem uma imagem de uma reintegração de posse na ocupação Xavier de Toledo chamada Ocupação Negra. Desse projeto ficou uma música que sobrou, não tava finalizada. Aí, em janeiro de 2020, começamos a trabalhar essa música, “Nunca desista”, e à partir daí surgiu as outras, que é o projeto “Povo sem face”. Aí fomos fazendo as músicas, mas ainda não tinha o título do album. Tinha a luta social. Quando saiu a questão do auxílio emergencial, que veio aquela situação que as pessoas que não tinha documento não teve acesso, toda aquela dificuldade, veio a questão da invisibilidade. Tantas pessoas invisíveis, sem face, e à partir disso surgiu a música “Povo sem face” que fala sobre essas questões mesmo.

Pássaro Lef – Sem face e lutando pra ter uma identidade. Quando a gente começou a trocar ideia e fazer som tava recente a onda de 2013, o espírito de se manifestar e acho que toda ocupação, principalmente as ordenativas, traz um pouco dessa pegada de gritar a liberdade, de se manifestar. O povo sem face é sem face porque a face dele não é revelada através das mídias e das vitrines que a gente tem, mas é uma face oculta, que tem muito a dizer só que não tem por onde se mostrar muitas vezes.

Na cena do rap e hip hop é bastante comum a questão da denúncia nas músicas, de expor a realidade, as dificuldades, o abandono da periferia, do povo, mas no som de vocês além da exposição é possível notar uma crítica mais profunda em relação ao sistema capitalista: a escravização pelo trabalho assalariado, a luta de classes. Como vocês pensam o fazer musical de vocês?

Rob Rud – A gente ta sempre sendo condicionado a ser uma mão de obra operária. O patrão controla a hora que você dorme, que você acorda, você tem que ta dormindo cedo pra 8h você tá lá e esse tempo é um tempo de vida, de bem estar. Quando você tenta uma autonomia pela arte você vai enfrentar muitas barreiras. É uma luta você trabalhar pra você, mas a sensação de liberdade não tem preço, sempre numa composição eu tento passar essa expressão.

Pássaro Lef – A autonomia precisa ser compreendida como um empoderamento pra se libertar das amarras do sistema, que não são fáceis de se libertar, porque elas são sutis e tão em todo lado falando que a gente precisa seguir um certo padrão de vida que depende de ter um patrão, que depende de se ligar a um monte de compromissos que não nos diz respeito. Eu vejo os trabalhos que existe na cidade com os quais as pessoas tem tanto comprometimento, e esse trabalho não diz respeito a elas . É um compromisso que enriquece o patrão apenas, uma pequena quantidade de pessoas privilegiadas e deixa o trabalhador exausto e sem energia pra fazer o que ele sonha, o que ele acredita.

Então entendo que vocês trazem a autonomia muito vinculada à consciência, de cada pessoa avançando e isso tem um peso quando em coletivo, como um exército de pessoas conscientes. Na música “Não consigo respirar” fica bastante evidente como a exploração e a opressão vem do sistema capitalista e acaba atingindo as diversas sociedades, mas com a fala ‘presente’ na música cada vez mais forte a cada nome, vai mostrando a força da coletividade em contraposição. Vocês podem comentar sobre essa música?

Rob Rud – Isso. Falando sobre a música “não consigo respirar” ela foi algo assim que, quando aconteceu a situação com o George Floyd foi um estopim com o mundo. E foi surgindo outras pessoas, o menino Pedro, o João Roberto, e queria poder expressar de alguma forma essa questão, foi quando ele conseguiu fazer essa síntese “o joelho impiedoso e pesado do Estado”.

O que vocês esperam do lançamento do álbum “Povo sem face”?

Rob Rud – Conseguir chegar essa melodia com a ideia social pra não ficar algo chato. Pras pessoas ouvirem várias e várias vezes. Porque a gente lê um livro, uma vez, duas, a música a gente ouve várias. O principal objetivo era que ela fosse consciente, mas fosse harmônica. Em algum momento a gente conseguiu chegar ali.

Pássaro Lef – A consciência não é muito trabalhada num nível mais profundo. Eu tenho a expectativa que as pessoas possam ouvir num nível mais profundo, sabe? Elas pararem pra ouvir e conseguir refletir sobre aquilo e trazer pra realidade delas , porque a gente tá muito acostumado a ouvir produtos supérfluos que vem, uma música que vem com uma propaganda que te envolve e te joga prum consumismo e de repente é descartado. Então você conseguir captar numa música uma ideia que te faça refletir, parar um pouco e te transformar por dentro, as vezes faz uma grande mudança. Eu desejo que a sociedade como um todo consiga parar pra refletir, consiga diminuir esse ritmo absurdo capitalista e consumista que impede a gente de se aprofundar nas coisas.

Em quem vocês chegar com as músicas?

Rob Rud – A questão social é o foco. Eu tenho muita referência no Sabotage, o olhar que ele tinha pras crianças. Tem outro caminho, a quebrada ela luta todo dia contra o capitalismo, ele é sedutor.

Pássaro Lef – Eu quando componho eu não penso numa faixa etária, algo específico, mas é muito importante que a mentalidade da juventude consiga captar essas informações pra um futuro diferente. Às vezes tudo o que a criança precisa é de um terreno fértil, que ela possa emergir aquilo que tá dentro dela. É uma questão de oportunidade, de poder crescer sem ficar sendo podada aqui e ali. A gente precisa de ambientes libertários em que as crianças não precisem abrir mão dos sonhos delas para ter que replicar o sonho de outras. Os ambientes de ocupação quando bem gerenciados eles trazem esse ambiente propício, esse espaço que as crianças, a juventude, a galera carente possa frutificar, que a mente possa fluir livremente fora das amarras do capitalismo.

Uma última visão que vocês queiram passar?

Pássaro Lef – Que as pessoas abram os olhos pro momento que a gente ta vivendo. A gente ta num momento político que tá regredindo, numa tentativa de aliança entre forças armadas e religião num conservadorismo bizarro. Vários outros episódios da história mundial ensinam que essa é uma combinação perigosissíma. A gente tá vivendo um momento de polarização extrema, aí só enxerga o seu inimigo e perde a visão do todo. Que as pessoas consigam enxergar além, enxergar a humanidade. Que a música possa ser libertária cada vez mais, que a gente viva num país e num mundo que nos dê sempre a oportunidade de falar o que pensa, que ele não seja cerceado e proibido.

Rob Rud – Não desista de viver sem medo, uma das músicas que foi a primeira “Nunca Desista” fala dessa questão de vencer o medo, a ansiedade. A gente luta todo dia pra não entrar em pânico, na ansiedade, que é quando a gente fica mais fácil de ser atraído pelo consumo. Por isso numa das músicas eu falo: “transforma em mero consumidor e sem valores”, então nunca desista de vencer seus medos. A publicação sair nesse jornal é algo assim muito satisfatório, porque várias vezes eu lia esse jornal indo trabalhar de manhã, sempre pegava lá o pessoal na estação lá, ia lendo e imaginava que um dia eu poderia sair, não tinha certeza, mas tinha uma expectativa, será que um dia vai sair aqui? Porque eu sabia também que esse um jornal seria direcionado pros trabalhadores, é um trabalho de base. De manhazinha quem ta lá é quem ta na luta, é a formiga operária, ta chegando pra ele a informação e ta chegando em movimento social. A gente não queria que chegasse só com a geração da internet, que curte rap. O maior foco é a luta social.

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