Juliana Gomes | Rio de Janeiro
EDUCAÇÃO – O mês de abril é o mês da conscientização em relação aos povos indígenas e às suas demandas, seja pela luta antirracista seja pela luta pelo território. Mas o que geralmente acontece nas escolas é justamente o oposto. No dia 19 de abril, conhecido como “dia do índio” o que acontece é a propagação de milhares de atividades racistas nas escolas, reforçando estereótipos e desinformações.
A desinformação já começa no nome “dia do índio”. Índio é um termo pejorativo que não representa a diversidade dos mais de 300 povos indígenas que vivem só na região do que hoje é chamado de “Brasil”. Melhor é dizer indígena, nativo, originário. “Tribo” é outro termo que está errado e é pejorativo. O melhor é dizer etnia, povo ou nação.
Mas para além da problemática desse termo, o que acontece nesse dia também é muito grave. São distribuídas nas escolas atividades que reforçam uma visão que precisa ser desconstruída sobre o que é ser indígena. São atividades de personagens indígenas para colorir, sempre sem roupa, cabelo liso, pinturas inventadas, adereços indígenas de diferentes povos misturados em um só, ou mesmo de povo nenhum. Ou seja, é sempre um indígena “genérico”, como se todos os povos fossem iguais.
Além da homogeneização que ocorre, outros estereótipos muito prejudiciais também são ensinados, como que indígena só vive no meio do mato, comendo mandioca, sem acesso a celular e nenhuma tecnologia e sem saber falar o português. E é claro, que ele necessariamente falando Tupi, como se não existissem mais de 275 línguas nativas de diferentes troncos linguísticos além do Tupi, no que é chamado de Brasil.
Todos esses estereótipos reduzem a identidade indígena a um personagem, a uma caricatura, e geram impactos concretos na vida desses povos. Se essas coisas são ensinadas a alguém, quando essa pessoa conhece um indígena e ele não se parece com o que essa pessoa aprendeu, o que acontece é que essa pessoa nega a identidade do indígena, porque ele não é como nos desenhos que coloria na escola ou como o que os textinhos da escola ensinavam.
“Fantasia de índio” nas escolas: uma prática racista
Outra prática racista que é feita sempre nessa data e que geram esses mesmos impactos é a “fantasia de índio”. Sempre é racista se fantasiar de uma raça, de um povo. Sempre reforça estereótipos e violências coloniais.
Nesse caso específico de se fantasiar de indígena, há certas problemáticas e consequências específicas. Como explica Geni Nuñez, ativista, psicóloga social e indígena guarani “quando as escolas ensinam que ‘índio’ é quem, necessariamente, está nu, pintado e com ornamentos, o efeito disso é que quem não se apresenta assim é ‘falso índio’. As crianças chegam nas aldeias e perguntam: ‘cadê os índios? não tem nenhum índio aqui’. A alegoria indígena da fantasia é um anúncio de morte. Ela diz: ‘índio de verdade’ mesmo existia em 1500. Esse é o discurso do Estado e da sociedade pra defender que se não há mais ‘índio de verdade’, então não tem porque a demanda da demarcação ser atendida. A pior parte da ‘fantasia de índio’ é fantasia colonial que deseja nosso desaparecimento desse território..”
Ou seja, se essa pessoa não é considerada “indígena de verdade”, ela também passa, na visão do Estado, a não poder reivindicar seu direito ancestral a terra. Negar a identidade dos povos indígenas é a séculos uma estratégia do Estado brasileiro para negar o acesso ao território. Até poucos anos atrás, indígena ainda era considerado pelo Estado brasileiro uma categoria racial transitória, que tenderia a acabar de acordo com o avanço da “civilização”.
O ensino da cultura e história dos povos indígenas deve ser antirracista
Por isso é de suma importância um ensino antirracista, que não propague e reforce estereótipos e mentiras em relação aos povos indígenas. Que não os trate como alegoria, como caricatura, como passado. Que ensine o respeito, e há muitas maneiras de fazer isso.
Já existem diversos materiais pedagógicos de autoria indígena em circulação que são importantes para esse ensino. Este é o caso dos livros infantis de Daniel Munduruku, da Auritha Tabajara, Olívio Jekupé, Yaguare Yamã ou os materiais da Coleção Memórias Ancestrais, organizado por Julie Dorrico e Geni Núñez. Existe também também o projeto Tem cor no Ensino que é um projeto voltado para a educação antirracista. A primeira edição do projeto foi feita para o novembro negro em 2020 e a segunda edição para o abril indígena em 2021, com cartilhas educativas, histórias em quadrinho e diversas propostas de atividades.
Já no dia 22 de abril é importante ensinar a história real, de que essa terra que hoje é chamada de Brasil não foi descoberta ou encontrada por acaso. Que já viviam povos aqui com suas próprias cosmovisões, tradições, culturas, e que foram invadidos e saqueados pelo colonizador.
Importante também conhecer e ensinar sobre outras datas desse calendário de lutas. e que também são importantes, para além do “dia do índio” e o dia do “descobrimento do Brasil”. São os casos dos dias 20 de janeiro, Dia Nacional da Consciência Indígena, 7 de fevereiro, Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, 5 de setembro, Dia Internacional das Mulheres Indígenas e 12 de outubro, Dia da Resistência Indígena.
Nesse dia, nesse mês, e de preferência o ano todo, deve ser ensinado sobre a diversidade de povos nativos, de línguas e culturas. É importante chamar a atenção para a luta por território, lembrar que as terras indígenas continuam sendo invadidas pelo Estado, ruralistas, grileiros e empresários. É importante ensinar a necessidade da demarcação das terras e que os povos indígenas são os principais protetores das florestas e da biodiversidade.