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domingo, 6 de outubro de 2024

Os centros populares de cultura e a construção do poder popular

TRANSFORMAÇÃO – A cultura popular pode ser revolucionária e contribuir com a mudança da realidade da população (Foto: Reprodução)

Dany Oliveira

SÃO PAULO – A proposta dos Centros Populares de Cultura (CPC), como várias outras construções artísticas, surgiu da inquietação e da necessidade de artistas, intelectuais e do próprio desenvolvimento histórico do Brasil no início do século XX, vindo a se concretizar com mais profundidade nas décadas de 1950 e 1960. Desse movimento surge a necessidade da construção de uma arte mais engajada, que pudesse debater os problemas específicos da realidade nacional e a possível superação do sistema capitalista.

Vindo desse processo, no dia 11 de Abril de 1953 o Teatro de Arena é fundado. Por seu caráter mais engajado, o Arena tomou para si a responsabilidade de ampliar o debate sobre a necessidade de se construir um teatro verdadeiramente brasileiro sem a predominância de repertórios estrangeiros. O Arena, após 1955, decidiu se juntar ao Teatro Paulista de Estudantes, passando assim a dispor de dois elencos. Um grupo permanente que se apresentava em sua sede e outro volante que se apresentava em circos, fábricas, sindicatos, escolas etc. Nos anos de 1958 foi lançado a tão famosa obra “Eles não usam black tie” de Gianfrancesco Guarnieri, marcando assim a história do Arena com a consolidação da valorização da arte de autores brasileiros.

Com intuito de superar as limitações do Arena no ano de 1961 a União Nacional dos Estudantes (UNE) se propôs a criar o primeiro Centro Popular de Cultura (CPC). Em 1963 os integrantes do CPC avaliam que seria necessário a atuação deles junto aos grupos sociais para que o povo pudesse tomar o seu papel de criador da arte naquele ambiente. Porém, quase um ano depois dessa avaliação o CPC se viu obrigado a fechar suas portas quando em 1964 a sede da UNE foi incendiada pelos agentes apoiadores do golpe militar.

Ideologia e estética

Um fato que movimentou o debate entre o campo da esquerda artística no período de 1963 foi o lançamento pela revista “Movimento” do artigo “Por uma arte popular revolucionária”, de Carlos Estevam Martins, que passou a ser acusado por muitos de tentar transformar a arte em panfletária, isenta de qualidade artística.

O debate em questão vem de uma análise de Martins, onde em um documento programático para o CPC, o autor divide a arte em três partes, sendo elas: a arte popular, a arte para o povo e a arte popular revolucionária, onde, na sua avaliação, somente a arte revolucionária é boa e as outras duas são alienadas. Porém para entrar nesse debate é válido avaliar dois pontos anteriores.

Primeiro, a discussão poderia ser construída de outra maneira. Por exemplo, não necessariamente uma arte popular é alienada, ela pode estar cumprindo o papel de divulgação e conservação de culturas tradicionais brasileiras, como: cortejos, jongo, samba, folclore, entre muitas outras riquezas da cultura nacional. Então o que a arte popular e a revolucionária possuem de semelhança é que ambas podem divulgar, conservar as culturas tradicionais, ou até mesmo falar dos problemas atuais ou históricos, porém não necessariamente a arte popular tem o interesse de emancipar o povo do sistema vigente, ou seja, do capitalismo. Já a arte popular revolucionária, além de ser este instrumento de divulgação e conservação das culturas tradicionais populares, tem também o interesse de ajudar no processo revolucionário.

O segundo ponto é que a construção artística com base na teoria marxista e com o intuito de ser revolucionária não tem em vista negar a arte a sua estética, sua subjetividade e seu simbolismo. Não existe uma contradição entre arte e revolução. Sim, há uma preocupação que essa subjetividade não caia em uma relação individualista e na profunda abstração que não possua senso lógico algum. Também é importante saber que não se pode negar a existência de uma arte que contribui para a manutenção do sistema atual, porque sim, ela existe, e muitas vezes se vende como arte popular com intuito de manter as coisas como elas estão.

Como disseram Marx e Engels, a história da sociedade é a história da luta de classes. Apesar de demonstrarmos que a arte não é imparcial fica claro que é vantajoso para a classe dominante vender a ideia dessa imparcialidade, porque a mesma sabe a importância da arte na construção da consciência e na disseminação de ideias. Por exemplo, é uma escolha consciente não fomentar a arte periférica e criminaliza-la, distorcer a imagem do que foi o CPC ou até mesmo ocultar a participação ativa de artistas como Jorge Amado nas lutas populares e revolucionárias.

Experiência atual do CPC na cidade de Mauá

Essa arte popular revolucionária só será capaz de chegar nas mais amplas camadas da classe trabalhadora a partir da construção de um verdadeiro trabalho cultural de base e do fortalecimento dos grupos e coletivos de cultura e arte locais, já que o debate da construção de uma arte popular revolucionária não é sobre levar cultura para a periferias, as “quebradas” possuem seu desenvolvimento e construção artística, o que está em discussão é como valorizá-la, ampliá-la e como essa arte pode contribuir para a manutenção da memória, verdade, justiça, para a formação de consciência e para a construção do processo revolucionário.

Um bom exemplo dessa construção hoje é do Comitê Popular de Cultura de Mauá, no ABC paulista. O CPC de Mauá tem como luta central a democratização da cultura e teve seu surgimento vindo dos movimentos sociais, apoiado pelo Movimento de Mulheres Olga Benario, a Casa Helenira Preta e a Unidade Popular, junto dos artistas, coletivos e grupos culturais da Cidade.

O comitê deixa claro que tem uma linha política muito bem definida, “é uma luta direta contra esse sistema, que explora e assassina a vida do nosso povo”. São trabalhadores e jovens que vem da realidade periférica, que possuem dentro de si a necessidade de uma mudança radical da sociedade, ou seja, um CPC construído por pessoas indignadas que encontram na arte e na luta o caminho para a construção da emancipação da classe trabalhadora.

A pergunta que fica é, cabe para a arte a construção de uma arte popular revolucionária? Sim, é possível e necessário a construção de uma arte que possa estar sob influência ou direção de um partido ou movimentos revolucionários, que têm intuito não só de avançar a consciência das massas mas também organizar o povo, criar o poder popular com o objetivo de superar o capitalismo e construir a sociedade socialista. Por isso que quem deve pensar e elaborar a construção dos CPC hoje é a classe trabalhadora, o povo deve ser colocado como sujeito ativo dessa elaboração e não mais como objeto. Para o avanço desse debate a categoria artística, profissional e amadora, precisa entender seu papel na luta pela libertação do povo brasileiro, já que os mesmos não estão alheios à luta de classes.

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