João Coelho
SÃO PAULO – O mundo vive uma grave e generalizada crise do sistema capitalista, causada pela superprodução de mercadorias, pela acumulação e centralização do capital e pela financeirização da economia mundial. Essa crise, que se desenvolve desde 2008 e para a qual a burguesia não tem solução, foi acelerada com a pandemia da Covid-19, que aprofundou o desemprego e a miséria e expôs com maior clareza as contradições do sistema econômico, social e político vigente em quase todo o globo.
A verdadeira catástrofe social sentida por todos os trabalhadores, que é responsabilidade dos capitalistas e de suas constantes ofensivas contra os direitos da classe operária, abre aos povos do mundo uma importante oportunidade de crescer o movimento revolucionário, de organizar a classe trabalhadora em torno de um projeto de transformação social que derrube o capitalismo e construa o poder popular e o socialismo. Porém, é fundamental refletir profundamente sobre as condições necessárias para cumprir essa tarefa histórica e sobre como desenvolvê-las, pois tal transformação não virá sem a organização de uma revolução popular que possibilite a tomada do poder pelos trabalhadores.
Uma dessas importantes condições é a construção material do movimento revolucionário; é importante compreender como é possível crescer a capacidade de combate contra a burguesia, um inimigo poderoso, com muitos recursos materiais para disseminar suas ideias atrasadas e reacionárias e para combater o movimento operário, e que deve ter sua força material necessariamente destruída por uma força material oposta.
Profissionalizar a arrecadação e o controle
Em primeiro lugar é importante identificar que existe uma grande subestimação da importância da construção material das organizações e movimentos revolucionários. De forma geral não falta criatividade ao conjunto da militância, o que se expressa em uma grande quantidade de propostas e ideias aprovadas para gerar recursos, além de uma série de ações espontâneas que geram resultados imediatos importantes e que acabam sendo responsáveis por garantir o financiamento de várias lutas; o problema reside na falta de responsabilidade, zelo e atenção para com esse trabalho, que se desenvolve de forma pouco profissional, tanto na arrecadação como no controle do uso das finanças. É necessário compreender que gerar recursos financeiros suficientes para construir e desenvolver o movimento revolucionário é uma das questões decisivas para que seja possível organizar uma ofensiva contra o capital; do contrário, menos lutas serão mobilizadas, menos vitórias conquistadas, menor será a organização da classe trabalhadora e os revolucionários estarão limitados a uma postura defensiva, sem colocar em cheque as posições dos capitalistas. Definir esse trabalho como fundamental, crescer e profissionalizar a arrecadação de recursos e controlar de forma eficiente os gastos através da definição de prioridades é uma tarefa que precisa ser compartilhada entre todos, assumida por cada militante e estar no centro das decisões coletivas.
Para isso é importante reafirmar que a contribuição individual de cada militante é o principal pilar da construção financeira das organizações que são comprometidas com o povo, pois é um recurso que não depende de nenhuma condição externa, mas apenas da consciência e do compromisso de cada um com a construção material de seu partido e da revolução brasileira. Também é importante relembrar que um trabalho profissional necessita de tempo e preparo para ser realizado, devendo todos os militantes dedicarem parte de sua energia para garantir as atividades de arrecadação financeira e todos os coletivos definirem responsáveis por realizar um controle minucioso dos recursos e apresentar de forma clara, objetiva e precisa os informes sobre as finanças das organizações.
Apenas os trabalhadores podem construir sua libertação
“A união verdadeira decorre da semelhança de ideias, do pensamento semelhante, das mesmas opiniões sobre a vida. Assim, pois, exploradores unem-se com exploradores, explorados unem-se a explorados. Do choque de interesses entre ambos surgem as organizações com a finalidade de defender as aspirações e os anseios que eles representam. Enquanto existirem oprimidos e opressores, enquanto existirem escravos e senhores, existirão as organizações e os partidos” (Manoel Lisboa, 1965).
Outro ponto importante é superar a consciência paternalista com a qual é encarada a construção material das organizações; segundo Marx nos Estatutos Gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT): “[…] a emancipação da classe operária tem de ser conquistada pela própria classe operária”. Portanto, apenas a classe operária, os trabalhadores, o povo pobre, podem financiar a luta pela derrubada do capitalismo e construir materialmente as organizações necessárias para dar cabo dessa luta, não há nem pode haver outra fonte de recursos que não a própria classe trabalhadora. Cabe aos militantes saberem dar sua cota de contribuição à essa construção e discutir, esclarecer e convencer aqueles que apoiam a luta à fazerem o mesmo, deixando de agir como a se a classe trabalhadora não tivesse condições objetivas e subjetivas de fazê-lo.
Não são poucos os exemplos de organizações ditas populares que, ao não serem financiadas por aqueles que diziam representar mas por membros de outras classes sociais ou mesmo por organizações estrangeiras, perderam sua autonomia, sua soberania, sua liberdade e, consequentemente, se desviaram do caminho revolucionário. Em sua formação, o Partido Comunista Revolucionário (PCR) defendia que o partido e o processo revolucionários deveriam ser construídos materialmente pelos esforços dos próprios militantes, da classe operária e pelo apoio popular; essa era uma tese ousada, mas que foi fundamental para separar os verdadeiros comunistas do revisionismo do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e do misto de esquerdismo e conciliação do Patido Comunista da China (PCCh) que, à época, eram representados no Brasil, respectivamente, pelo PCB e pelo PCdoB, partidos financiados por essas duas organizações estrangeiras. Essa concepção continua hoje tão importante como naquele momento, pois a independência financeira é um critério para a manutenção da independência política.
É papel de cada militante e coletivo criar as condições para que a classe operária financie o seu partido, organizando círculos de apoiadores fixos dos movimentos e assinantes do Jornal A Verdade, garantindo que todo filiado à Unidade Popular pague sua contribuição mensal, desenvolvendo atividades de finanças como festas, bingos e rifas, trabalhando para que as entidades estudantis, associações, sindicatos e outras organizações populares possam financiar suas próprias lutas e implementando as campanhas de finanças organizadas para atividades específicas, como Congressos Estudantis, Campanhas Eleitorais, Encontros Internacionais de Trabalhadores, de Mulheres e de Juventude, etc.
Aprofundar a luta política e ideológica
Por último é necessário refletir que a discussão acerca das finanças e da construção material do partido e da revolução é uma questão de caráter político e ideológico e não pode ser burocratizada e tratada apenas como algo administrativo; esse debate precisa ser feito através de uma profunda luta política em cada coletivo, com cada militante e com cada trabalhador e trabalhadora com quem se convive, para demonstrar que o melhor investimento que se pode fazer com os recursos ganhos através do trabalho é financiar as verdadeiras organizações revolucionárias do país e o seu partido, pois assim será possível acabar mais rapidamente com capitalismo e toda forma de exploração e opressão do homem pelo homem.
Na sociedade capitalista a produção das riquezas é coletiva, porém sua apropriação é privada, é individual; os trabalhadores, à quem é destinada apenas uma pequena parcela de toda a produção social, têm sua consciência determinada pela sociedade em que vivem e, portanto, entendem suas finanças de forma individual e não coletiva. O desafio está justamente em transformar essa consciência através da luta política e fazer com que o conjunto dos militantes e da classe trabalhadora compreendam que as finanças individuais podem e devem estar à serviço do partido e da revolução, para que se construa um mundo onde a apropriação das riquezas seja social, não exista mais injustiça e “o livre desenvolvimento de cada um seja a condição para o livre desenvolvimento de todos”.
É necessário ter zê-lo nessa discussão, dar atenção e desenvolver as contradições presentes na consciência de cada um, guiar-se pelos princípios da coletividade, da crítica e da autocrítica e ter sempre em mente que para transformar o mundo não se deve ter nada de consumismo, mas tudo de comunismo.
Excelente texto é isso aí concordo 100%.