Vitória Novo e Carlos Alberto Coutinho
Em Tupi-guarani, Sorocaba significa “terra rasgada”. Pouco provável que o bandeirante-escravocrata Baltazar Fernandes, ao apropriar-se do termo de origem indígena e batizar o que, à época, era sua propriedade, pudesse vislumbrar a profundidade de seu conteúdo semântico na história contemporânea da cidade. Se, antes e durante a colonização, este espaço, onde hoje se encontra o município, era de extrema importância para os nativos e para o invasores por razão de sua estratégica localização geográfica¹, na contemporaneidade, Sorocaba é de extrema relevância para os interesses da burguesia nacional e internacional. A cidade de Sorocaba possui um dos maiores parques industriais do interior do Estado de São Paulo, diversificado – do setor têxtil ao metalúrgico – e, mais recentemente, impulsionado pela construção civil. Ao mesmo tempo em que amplia o capital, produz, também, em larga escala, desempregados em cada semáforo de suas ruas. Sorocaba é uma unidade entre opostos e, por este motivo, um caldeirão de históricas lutas sociais.
De meados a fins do século XIX, a exportação de capitais internacionais – principalmente ingleses – motivados pelas crises de superprodução desse período histórico, impulsionaram certo desenvolvimento industrial em alguns países periféricos, dentre os quais se encontra o Brasil e, em especial, a cidade de Sorocaba no interior do Estado de São Paulo. Na década de 70 daquele século, principiou-se a construção da Estrada de Ferro Sorocabana, importantíssima não somente para o desenvolvimento do então vilarejo, que logo transformou-se em cidade, mas, também, fundamental para o transporte de mercadorias e, portanto, central ao nascente capitalismo brasileiro que se consolidará a partir da Primeira República. Junto aos trens vieram as indústrias têxteis que transformaram a cidade no maior polo industrial do interior do Estado e renderam-lhe o apelido de “Manchester Paulista”.
A efervescência das crises políticas, sociais e econômicas do início do século XX, provocaram o proletariado a jornadas intensas de luta ao redor de todo o globo e, consequentemente, tiveram rebatimentos também no Brasil e em Sorocaba. A Grande Greve Geral de 1917 foi um dos principais símbolos da luta proletária no mundo inteiro e fez-se sentir na cidade por conta da massiva adesão dos operários sorocabanos, organizados através de suas entidades e sindicatos, exigiam redução das exaustivas jornadas de trabalho, melhores salários e educação para seus filhos. Cem anos mais tarde, com a renovação das crises, os descendentes daqueles aguerridos operários, tomaram as ruas em defesa do que sua classe outrora conquistara: em repúdio absoluto às contrarreformas trabalhista e da previdência, construíram na cidade, unindo-se a seus pares de todo o país, a Greve Geral de 28 de Abril de 2017.
Se por um lado, Sorocaba era conhecida como “Manchester Paulista”, para os trabalhadores das décadas de 1920 e 1930, era conhecida como a “Moscou Brasileira”. No final da década de 1920, houve uma grande e crescente onda de apoio ao fascismo na cidade, contando com algumas organizações pró Mussolini e General Franco e com isso, os trabalhadores e os militantes sofreram repressões, o que tardou a vinda da luta antifascisa para a cidade. Luta essa que se consolidou apenas em 1937, sendo uma das maiores, senão a maior, ação antifascista da história da cidade. Essa ação foi para decompor o ato fascista formado e executado pelos integralistas, na Praça Coronel Fernando Prestes, que atualmente é palco de manifestações Fora Bolsonaro. Em contrapartida, no dia 25 de junho de 2021, Jair e Eduardo Bolsonaro vieram à Sorocaba para se encontrar com o prefeito Rodrigo Manga e receberem o título de ‘Cidadão Sorocabano’.
Seja da exploração desumana do trabalho aos ataques sistemáticos contra os direitos conquistados, ou do Dopolavoro² ao “Bolsonaro menor”, atual prefeito de Sorocaba, os trabalhadores respondem sempre à altura: paralisam a produção ou reeditam em versão interiorana a “revoada das galinhas verdes” e dos “camisas da CBF”. A cidade é um campo de tensões entre os interesses mais conservadores e os mais progressistas, uma “terra rasgada” pela luta das classes antagônicas, não sem razão, Sorocaba continua sendo uma importante e estratégica cidade e um terreno fértil à contínua expansão das lutas sociais. A União da Juventude Rebelião (UJR), a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) e o Partido Comunista Revolucionário (PCR) têm atuado para impulsionar ainda mais essas lutas da classe trabalhadora sorocabana em busca da efetiva conquista do Poder Popular.
- Passava pelas atuais ruas de Sorocaba o “Peabiru” (caminho indígena transulamericano), um caminho utilizado pelos silvícolas e, mais tarde, pelos bandeirantes, missionários e tropeiros – estes últimos responsáveis pela Feira de Muares, importante centro de comércio animal do período imperial -, a caminho do Sul, Oeste e do litoral.
- Dopolavoro ou “depois do trabalho”, foi um importante espaço de reuniões de italianos radicados em Sorocaba a favor do Partido Fascista Italiano na década de 1930.