A história do povo negro no Brasil é contada pela perspectiva do colonizador. Ela valoriza apenas seus próprios costumes e cultura, em detrimento dos conhecimentos, valores e tradições deixadas de herança pelas populações não-brancas
Arthur Lima e Julia Penteado, Rio de Janeiro
RACISMO – Há um provérbio africano que diz: “Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão a glorificar o caçador.” Aplicando esse ditado no atual contexto brasileiro, é possível fazer um paralelo com o ensino oferecido pelas escolas.
Tudo começa quando a primeira informação sobre a historiografia brasileira dada às crianças, é de que o território que constitui hoje o Brasil foi descoberto e não invadido. Os povos nativos são retratados como passivos e a convivência com os colonizadores como se tivesse sido harmônica.
Essa narrativa não reconhece a contribuição do povo negro na construção do nosso país, reduzindo sua trajetória à humilhação e desumanização proporcionada pela colonização.
Ao abordar a abolição, a Princesa Isabel é apresentada como a salvadora, a bondosa, a libertadora dos pobres escravizados. Essa lógica ignora completamente as mobilizações políticas dos movimentos abolicionistas, as revoltas organizadas pelos negros e a crescente formação de quilombos. O único feito da princesa foi a assinatura da Lei Áurea, a luta nunca esteve na mão de Isabel, só a caneta.
Um ciclo sem fim, impactos do racismo educacional
A escola tem um papel fundamental na perpetuação do racismo na sociedade brasileira. A partir dos conteúdos focados em uma só narrativa, considerada universal, criam-se jovens com pouquíssimo contato com a pluralidade. Por um lado formando pessoas brancas racistas e por outro formando pessoas negras com pouca consciência racial, pela identidade negada nos livros didáticos.
A única representação de si que uma criança negra encontra na escola, é de alguém que foi escravizado. Essa visão traz graves consequências psicológicas, pois desde a infância aquele indivíduo se vê em um local de opressão e desprezo, na lata de lixo da sociedade.
Este pensamento é benéfico para aqueles que estão no controle da educação, – entende-se a burguesia branca – pois garante sua manutenção de poder. Quando se controla a mente de alguém, não é preciso se preocupar com as suas ações.
Alienação
Assim partimos para o próximo ponto, como “controlam” nossas mentes?
Bem, é simples: o currículo ignora completamente como os quase 400 anos de escravidão produziram um profundo racismo e desigualdade no país. É como se a questão racial tivesse sido superada e vivêssemos em uma democracia racial, após o processo de abolição da escravidão.
E verdade seja dita, o sistema escravista foi apenas ultrapassado como modelo de economia, visto que outras práticas de genocídio surgiram. Dentre elas, a política de branqueamento da população brasileira, impulsionada por uma ideologia eugenista e concretizada por meio do incentivo à imigração europeia.
Os negros eram considerados um atraso para o país, de modo que não interessava ao Estado integrá-los na sociedade. Dessa forma, o povo preto foi basicamente atirado para as margens sociais, já que não lhes foram garantido trabalho ou moradia, produzindo a profunda desigualdade social que permanece até os dias de hoje.
A questão que fica é a seguinte: como você muda um problema se desconhece a origem do mesmo? Por isso nos colonizaram em absolutamente todos os âmbitos, até ser quase impossível enxergá-lo.
Como se não bastasse o embranquecimento no mercado de trabalho, o campo acadêmico também possui seus meios de apagar a presença negra. Machado de Assis, um dos autores mais importantes e influentes da história brasileira, é vítima desse processo. Visto que, a negritude do escritor é totalmente ignorada pelo sistema de ensino brasileiro quando abordado em sala de aula. O apagamento de importantes figuras pretas é uma forma de inibir a nossa revolta.
A questão racial no capitalismo
É evidente que o sistema capitalista prioriza empregados brancos a empregados pretos. Portanto, para uma possível ”ascensão” econômica e social, o preto deve abdicar de sua negritude para ser aceito nos ambientes de trabalho. Além de sofrer os males da exploração capitalista, o negro também sofre com o embranquecimento de seu corpo e de sua mentalidade.
Em contrapartida, a representatividade tem aumentado bastante na mídia, o que é essencial na construção da autoestima de pessoas pretas. Entretanto, essa representatividade se torna vazia ao ser vinculada com a ideia de que qualquer preto pobre pode ascender socialmente por mérito próprio. Um exemplo recente, foi o caso da Beyoncé, a primeira mulher negra a posar com um diamante da marca Tiffany, avaliado em 160 milhões de dólares. A joia foi extraída da mina de Kimberley, na África do Sul, onde milhares de trabalhadores negros foram explorados para sua obtenção.
Não é de interesse do capitalismo libertar o povo preto. Uma vez que, mesmo com negros possuindo os meios de produção, a exploração relativa à escravidão continuaria afetando o proletariado, também constituído por pretos. Dessa forma, é importante ressaltar que a luta antirracista deve ser anticapitalista, sendo o socialismo, o único sistema possível para encerrar as diferenças de classe e raça.