Queops Damasceno e Isabella Alho
Coordenação Nacional do MLB
Após realizar 16 ocupações num período de um ano, durante a pandemia, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) realizou, em outubro, um curso nacional de formação marxista para os coordenadores do movimento. Esta ação faz parte das atividades da Escola Nacional Eliana Silva.
Em Belo Horizonte (MG), de 1 a 3 de outubro, reuniu-se a turma formada por representantes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal. Já no Recife, de 8 a 10 do mesmo mês, a turma contou com a presença de coordenadores do Pará, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Norte.
As aulas de Filosofia tiveram como base a obra Dialética Radical do Brasil Negro, que representa uma análise marxista das relações raciais e uma síntese do pensamento de Clóvis Moura. Nela discutiu-se a formação da nação brasileira, o surgimento das cidades, o desenvolvimento da luta de classes, a escravização dos africanos.
Mais especificamente, foram destrinchadas no estudo em grupo a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, que mantiveram os negros nos postos de trabalho mais rebaixados da sociedade e deram as bases para a passagem do escravismo para um capitalismo dependente no Brasil associado aos interesses do imperialismo.
O segundo módulo, de Economia Política, tratou principalmente sobre a questão da mais-valia, o trabalho não pago à classe trabalhadora pelos capitalistas e a explicação de onde vem o lucro dos patrões. Mais focado na realidade das famílias do MLB, também foi abordado o problema do trabalho doméstico, que não é remunerado, geralmente exercido por mulheres.
Neste segundo dia, os grupos fizeram apresentações teatrais sobre a importância de se fortalecer um programa feminino para a revolução socialista que inclua, além da igualdade de direitos e oportunidades, a construção de creches, cozinhas, restaurantes e lavanderias coletivas que possam dar condições de as mulheres saírem das suas casas para construir um mundo novo.
No módulo de Socialismo Científico, no terceiro dia, a pauta abordou as experiências de Cuba e da União Soviética na resolução do problema da habitação. Enquanto o capitalismo trata a moradia como uma mercadoria e nega esse direito para quem não pode pagar, o socialismo o garante para todas as pessoas, sem exceção, e trata o tema como uma questão de dignidade, de primeira necessidade. Por exemplo, foi apresentada a situação dos povos cubano e russo antes da revolução, de como as famílias viviam em casas, cortiços e barracões superlotados e, após as revoluções, as casas construídas para os operários garantiam dignidade para as famílias.
Também chamou a atenção durante a aula a campanha nacional de alfabetização realizada em Cuba no ano de 1961, que eliminou o analfabetismo no país de maneira muito eficiente em apenas um ano.
Formação nas periferias
A Escola Nacional Eliana Silva também tem realizado uma série de formações sobre os mais diversos temas, de Norte a Sul do Brasil. Para Poliana Souza, da Coordenação Nacional do MLB, a educação é um dos pilares fundamentais da luta do movimento: “Assim como a moradia, se a educação formal nos é negada, organizamos a nossa própria educação. Onde quer que a Escola Eliana Silva esteja presente – numa garagem cedida, numa escola pública que nos abriu as portas, espaços culturais de bairros, associações de moradores, construção própria do MLB, salas nas ocupações, improvisos – deve ser um espaço discutido nos núcleos do MLB, que se conecta com as lutas do movimento e que se alimenta delas”.
O analfabetismo, demanda social bastante frequente nos núcleos do MLB, é um dos alvos das formações realizadas pela Escola.
“Na Ocupação Manoel Aleixo realizamos as aulas de alfabetização para o povo do MLB. Gradativamente, apresentamos as letras e as palavras”, relatou Matheus Troilo, coordenador da Ocupação, que fica em Mauá (SP).
A Escola também se dedica à formação das crianças: “Atendemos doze crianças da Ocupação Emmanuel Bezerra com o voluntariado das próprias mães envolvidas no projeto, na militância do MLB e no Movimento Olga Benario”, relata Renata Laíze, da Escola em Natal (RN).
Há ainda as iniciativas em relação aos conteúdos de vestibular. “Em Diadema, temos realizado turmas de redação para a galera da quebrada. Agora, no fim do ano, organizamos uma revisão para o Enem. Muitos estudantes ficaram sem acesso à internet e perderam conteúdos da escola”, disse Humberto Almeida, da ARES-ABC (SP).
“Aqui em Goiás estamos nos organizando para iniciar o cursinho pré-vestibular para alunos de baixa renda com o auxílio do DCE da UFG”, informou Caio Souza, da coordenação do MLB em Goiás.
Para a coordenadora do MLB em Santa Catarina, Julia Ew, um dos principais desafios da implementação da Escola é o recurso financeiro. “Aqui a Escola acontece, além da Ocupação Anita Garibaldi, no Alto Pantanal, uma comunidade pobre perto da Universidade Federal, onde a maioria dos trabalhadores terceirizados da faculdade moram e, apesar de estarem o tempo todo trabalhando na UFSC, não tiveram acesso à educação. Decidimos então iniciar uma campanha de arrecadação para construir o espaço físico da escola no Alto Pantanal. Temos tido apoio da Universidade, pedagogos etc.”.