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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Relato de Experiência

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Lúcio é homem trans e militante da UJR em Salvador-BA

Lúcio Apoema, Salvador-BA.

Quando nascemos, nos atribuem um sexo, e a partir dele, um gênero. Esse é um dos pilares e poderes coercitivos do sistema capitalista, pois além de pôr padrões e funções em mercadorias, ele também põe em pessoas através do gênero e qualquer pessoa que fugir disso, é oprimido. Essa opressão intensa é vivida por pessoas trans, justamente por negarem a imposição dada a partir de suas genitálias. Por isso, são animalizadas, fetichizadas, objetificadas, ora vistas como algo além do humano, ora vistas como uma mistura estranha entre os gêneros.

Foi esta a violência que fui vítima na madrugada de 03 de março de 2021. Após uma discussão tida por motivos fúteis (por conta de uma configuração na TV box), recebi um soco no rosto do meu padrasto. Para justificar essa agressão, chegou a dizer à minha mãe frases violentas como “sua filha é mulher macho”, “ela poderia ter me socado”. Essa não foi a primeira agressão que sofri do meu padrasto.
Houve outras falas transfóbicas, como por exemplo, dizer que eu nunca seria homem por não ter pênis, ou me chamar de lésbica (mesmo eu sendo um homem trans assexual, e levando em consideração a vivência de mulheres lésbicas que não se encaixam nos padrões de feminilidade). Além de já ter dito à minha mãe o boato de que havia um aplicativo de celular transformando pessoas em transgêneros.

Não sou o único a ser agredido durante a pandemia. Segundo a Antra – Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, o assassinato de pessoas trans aumentou durante a pandemia. Ou seja, nem mesmo dentro de casa, há o mínimo de segurança. A verdade é que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, somente no ano de 2020, foram 175 assassinatos, o que equivale a uma morte a cada dois dias.

A ligação com o capitalismo vai além de uma simples padronização de corpos, pois a maior parte das pessoas trans estão fora do mercado de trabalho, e 90% das mulheres trans e travestis já foram ou são prostitutas. Ou seja, é negado também o trabalho, e é imposta a prostituição, expondo essas pessoas à violência sexual. Sendo assim, a luta de pessoas trans é a luta contra o capitalismo e seus males, pelo direito ao viver, à segurança, ao pleno emprego e ao trabalho digno.

Problemas também ao denunciar a violência sofrida

Recorri o sistema de justiça brasileiro e quando apontei que o agressor já havia sido transfóbico em outras ocasiões, o delegado perguntou do que se tratava e, ao tentar explicar, fui interrompido pelo agente da lei perguntando minha genital e sexo. Ou seja, até mesmo dentro desse ambiente, pessoas trans são constrangidas. A alternativa a essa regra, quando existe, é limitada à Delegacia da Mulher, que atende mulheres (sendo trans ou não), travestis e homens trans não retificados (que ainda carregam seu nome de registro e podem não ter o nome e pronomes que escolheram respeitados). Se fosse levado em conta o suposto papel da polícia, o de proteger as pessoas, o tratamento deveria ser oferecido respeitando essa regra, porém sabemos que a polícia não age desta maneira.

O que fazer?

Nosso papel enquanto membros de uma sociedade, sejamos meros apoiadores da população LGBTQIA+ ou mesmo parte dela, é lutarmos para destruir a transfobia, homofobia, lesbofobia, entre outros preconceitos estruturais acometidos sobre essa minoria. Não devemos ser tolerantes com o intolerante, pois, isso dá abertura a violências como essa. Devemos também lembrar que nossas pautas não são por mera representação social, mas também por redistribuição, derrubada do capitalismo, pois constantemente estamos em postos de trabalho precarizados, a exemplo do telemarketing, por ser uma função invisível, sem contato direto com o público. A exemplo, a CUT de Santa Catarina, em pesquisa realizada em 2018, afirmou que 33% das empresas não contratariam LGBTs para cargos de chefia, um dos motivos é o fato de a exemplo, homens cis afeminados que se relacionam com outros homens, homens trans serem constantemente postos como menos homens e/ou não-homens, o que retrata o fato de que a luta LGBTQIA+ é também pela derrubada do patriarcado.

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