A violência contra mulheres e a construção do Movimento Olga Benario em Suzano

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FEMINICÍDIO – Trabalhadora, Bárbara Luana Campos de Jesus, de 29 anos, foi esfaqueada, atropelada e alvejada com tiros após término de relacionamento. (Foto: Reprodução/Arquivo)”

Diante do crescimento da violência contra as mulheres e o machismo na cidade de Suzano, é necessário o crescimento, desenvolvimento e luta das mulheres em defesa de seus direitos, por uma cidade sem machismo e pelo socialismo.

Camylla Valadares e Ingrid Harue


SUZANO (SP) — Segundo dados oficiais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Secretaria de Segurança Pública, o Brasil registra um caso de feminicídio a cada seis horas e meia, sendo um a cada dois dias no estado de São Paulo. Apesar da omissão de dados por parte das prefeituras da região, o ranking do estado é liderado pela Grande São Paulo, compondo 28% de todos os casos de feminicídio em SP.

Na tentativa de propagandear sua gestão, o Prefeito da cidade, Rodrigo Ashiuchi (PL), divulga em seu site oficial a comemoração de sete anos sem nenhum feminicídio entre mulheres assistidas pela Patrulha Maria da Penha. No entanto, ao passo que não existem dados oficiais de feminicídio ou violência doméstica do município, a GCM da cidade divulgou o balanço de que o monitoramento de mulheres pela patrulha subiu 45% desde 2017, sendo que apenas no ano de 2020 273 medidas protetivas foram expedidas (contabilizadas só até outubro), comprovando também o aumento da vulnerabilidade das mulheres que passaram maior tempo com seus maridos durante o isolamento decorrente da pandemia. O que aparenta uma maior “preocupação” da Prefeitura com as vítimas, na verdade reflete um pedido de socorro e aprofundamento da violência.

Além disso, mesmo às cegas nas estatísticas, se encontra com facilidade em portais de notícia o registro de feminicídios ou tentativa, na cidade, o que teve mais destaque na mídia ocorreu em junho de 2021 no Parque Santa Rosa, quando uma mulher foi esfaqueada por seu namorado dentro de sua casa, a vítima felizmente sobreviveu ao ataque. Outro caso, onde infelizmente o feminicídio foi consumado, ocorreu em dezembro de 2020, quando uma mulher saindo para o trabalho foi abordada na porta de sua casa pelo ex-companheiro que não aceitou o fim do relacionamento. Após colocá-la dentro do carro e iniciarem discussão, o homem a esfaqueou, momento em que a vítima saiu do carro pra tentar fugir. O mesmo a atropelou, saiu do carro e após mantê-la por alguns instantes sob a mira da arma que empunhava, disparou. Toda essa cena de horror aconteceu a plena luz do dia, numa rua movimentada e em frente a uma escola no bairro Miguel Badra.

E apesar da prefeitura de Suzano alegar o sucesso na segurança das vítimas assistidas e ainda citar projeto de conscientização para os homens da localidade, inúmeros são os casos de reincidência, muitos no bairro de Palmeiras, onde os agressores são presos prestes a invadir a casa da vítima e proferindo, mesmo em frente as autoridades, ameaças de morte. Eles descumprem com imensa facilidade e sem hesitar a medida protetiva, enquanto as mulheres estão sempre trancadas em suas casas ou sob vigia da família temendo a morte. O que o município toma como política ideal para proteção às mulheres é apenas enxugar gelo, estar sempre contando com os minutos para impedir um feminicídio, quando muitas vezes não consegue.

E aparentemente todos as políticas do município acerca da defesa da mulher se contradizem. Em 2015, na inauguração da Delegacia da Mulher, a matéria divulgada cita Suzano como uma das cidades referência ao combate da violência contra a mulher, mas a mesma publicação divulga que 30% de todos os boletins de ocorrência da cidade são referentes a estes crimes e, algumas linhas abaixo, a delegada admite que os dados da região são alarmantes. Como se a violência vivida pelas mulheres estivesse restrita apenas a dias úteis e em horário comercial, a Delegacia da Mulher de Suzano funciona apenas de segunda a sexta, das 9 às 19 horas.

Mas além dos altos índices da violência física ocorridos na cidade, não se pode deixar de denunciar outro tipo de violência tão cotidiano na vida das mulheres, a sexual.

Em novembro de 2012, uma menina de 11 anos, Fernanda Vicente Moral, foi estuprada e esfaqueada pelo padrasto, André Graciano de Sousa, no bairro do Colorado. Em entrevista ao G1, a mãe da vítima diz que a filha “tinha medo de ficar sozinha com o padrasto, porém que não suspeitava que algo como isso estivesse acontecendo”. Uma mulher de 24 anos sofreu um estupro coletivo no bairro Miguel Badra em janeiro de 2020. A jovem era dependente química e foi chamada para trabalhar no tráfico na região, os homens aproveitaram de sua vulnerabilidade para estuprá-la.  Em outubro de 2020, uma jovem de 19 anos denunciou o ginecologista José Adagmar Pereira de Moraes, de 41 anos, por abuso durante uma consulta. Após denúncia feita pela vítima, apareceram mais 15 jovens na delegacia da mulher para denunciar o médico. Em abril de 2021, o médico foi solto. Uma idosa de 78 anos, Dona Ortília, foi encontrada morta dentro de casa, em julho de 2021. Segundo o laudo do IML, Instituto Médico Legal, a vítima foi estuprada e asfixiada.  Em fevereiro de 2021, o homem de 74 anos, Adão Magalhães, fugiu quando uma menina de 9 anos o denunciou por estupro. O pedófilo é padrasto do pai da menina e segundo a mãe da vítima, toda vez que ela voltava da casa do pai, reclamava de assaduras. Com a popularidade do caso, mais vítimas apareceram para denunciá-lo também.

Todos os casos citados aconteceram em Suzano e ilustram o cenário municipal sobre o cotidiano da mulher e da criança. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Suzano registrou 40 casos de estupro entre janeiro e maio de 2021, sendo 35 estupros de vulnerável. Ou seja, as mulheres nessa cidade, desde pequenas, sofrem cotidianamente com o machismo.

Os casos anteriormente apresentados ocorreram na cidade e tiveram certa notoriedade da mídia local. Porém, não é o caso da maioria das mulheres e crianças. Segundo uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) algo entre 10% e 15% dos casos de estupros são reportados no Brasil. Ou seja, o número de casos é muito maior do que o registrado. A subnotificação desse tipo de violência se deve a diversos fatores tais como: a vítima se sentir culpada, descredibilizada e envergonhada, sentir medo de denunciar e o processo “não dar em nada”, temer sofrer violência institucional e a não identificação das formas de violência e abuso. O fato de a maioria dos casos acontecer dentro de casa e de não haver um programa educacional que promova o debate sobre sexo e violência sexual entre as crianças e adolescentes também contribuem para o silenciamento das vítimas.

Os casos das crianças estupradas por familiares e da jovem abusada pelo médico em uma consulta evidenciam que é necessário e urgente promover debates entre as mulheres, crianças e a população em geral em Suzano sobre como identificar um abuso. Não há educação sexual nas escolas e nem a geração de campanhas nas periferias. É necessário que haja a quebra da barreira do pudor para conseguirmos falar sobre sexo, ISTs e abuso sexual. Faz-se, também, urgente a criação de redes e espaços de apoio à mulher. Para que assim, haja um espaço em que a vítima se sinta confortável para falar sobre as agressões que sofreu.

Ao procurarmos as ações que a prefeitura tem realizado para combater a violência sexual contra mulheres e crianças, foram encontradas pouquíssimas atividades que são realmente assertivas. Em maio de 2021, 450 servidores públicos receberam treinamento para saberem identificar e lidar com o problema. No mesmo mês foram realizadas algumas campanhas nas ruas com cartazes e em postos de saúde. Contudo, a conscientização da população deve acontecer o ano inteiro e em todos os bairros e escolas.

As mulheres dessa cidade, infelizmente, sofrem diariamente com as várias faces do machismo e com a falta de políticas públicas por parte da prefeitura. É necessária a construção de um movimento de mulheres na região, um movimento realmente popular e que permita às mulheres terem sua própria voz. É fundamental a construção de casas de referência para as mulheres e sua presença em ambientes escolares. É essencial que haja uma organização capaz de dialogar, discursar e gritar quando necessário, pelas mulheres. É necessária a construção do Movimento de Mulheres Olga Benário em Suzano.