Gabriella Massafera, Ketelyn Silva, Vinicius Bastos
SÃO PAULO – Segundo o IBGE, a população brasileira passa de 218 milhões de pessoas. Destas, atualmente, 122,2 milhões moram em lares com alguma insegurança alimentar – dos quais 56 milhões se encontram em domicílios com insegurança alimentar leve, 18,6 milhões com insegurança alimentar moderada e 10,3 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave.
O cenário interno é de aumento da miséria e da fome, devido, entre outros fatores, ao aumento da inflação sobre o preço dos alimentos – que cresceu, nos últimos 12 meses, 50% a mais que a inflação geral. De forma que um novo fenômeno se apossa dos cotidianos desses milhões de brasileiros – as “filas do osso”.
O fenômeno não é novo, mas ganhou proporções alarmantes nos anos de 2020 e 2021. Famílias sem condições financeiras de comprar carne para se alimentar passam horas em filas para vasculhar caçambas e frigoríficos por ossadas e outras partes descartadas de animais. Estaria o país em uma crise de abastecimento? Em um processo de drástica redução da sua produção alimentar? Não!
A produção de commodities e produtos alimentícios marcam em 2020/2021 sua maior série histórica. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Valor Bruto de Produção (VBP) de 2021 do agronegócio está estimado em R$1,109 trilhão – um novo recorde para o setor.
A conta não fecha. Mas como um país como o Brasil, com recordes anuais em suas safras e com o maior rebanho bovino do mundo, não consegue assegurar a mais básica alimentação de seu povo?
Podemos procurar respostas analisando mais profundamente as políticas públicas de soberania alimentar brasileiras. Enquanto a produção de commodities como a soja, o milho e a cana-de-açúcar crescem em área e produção no território nacional, a área destinada ao plantio de produtos-base da dieta do brasileiro – como feijão, arroz e mandioca – decresce ano após ano.
Em 2020, 89% de todos os grãos produzidos no país foram de milho e soja.
Esse fenômeno de substituição de área produtiva não é novo, mas tem se intensificado nos últimos anos devido a políticas ultraliberais no setor agropecuário brasileiro à exemplo do desmonte dos programas de soberania alimentar iniciado ainda no final do governo Dilma e expandido no governo Temer e no governo Bolsonaro-Guedes.
Não apenas os estoques públicos de grãos estão em baixa desde 2012, sem nenhuma recomposição de seu estoque, como também a desvalorização do real levou a um incentivo maciço para a exportação de carne e grãos, sem nenhuma regulamentação federal para evitar o desabastecimento do mercado interno.
Assim, as técnicas de plantio, os preços de venda e toda a lógica produtiva se encontra submissa ao mercado exterior e ao capital financeiro privado. Fato evidente pela inserção brasileira em um estado de subordinação no cenário internacional que resulta na sua manutenção como país produtor de soja, grãos e carne para a exportação.
Um fato se torna cada vez mais claro – a agricultura capitalista é incapaz de produzir alimentos baratos para o mercado interno, pois a produção agropecuária não se encontra limitada por questões tecnológicas, mas sim por uma questão da racionalidade ao qual está subjugada.
A lógica capitalista determina as necessidades a serem supridas com base no lucro do capital detentor dos meios de produção e não no bem-estar do povo. De forma que a lucratividade a todo custo fundamenta uma das principais contradições do sistema agrícola no capitalismo – o aumento da produção paralela ao aumento da fome.
A racionalidade capitalista que rege os modelos de produção, abastecimento e “preservação” ambiental se mostra cada vez mais incapaz de impedir uma crise alimentar e ambiental onde for que seja implementada.
O grande capital da agricultura capitalista brasileira produz em grandes latifúndios que atuam por meio da grilagem e do desmatamento para expulsar camponeses, povos originários e, por meio de uma bancada política própria, para conquistarem perdões de dívidas bilionárias.
A solução da crise alimentar não se encontra, apenas, no desenvolvimento de mais técnicas e tecnologias, mas sim na desnudação das contradições do modo de produção capitalista e no estabelecimento de uma nova racionalidade produtiva. Uma racionalidade voltada para atender as necessidades do povo assegurando um de seus direitos mais fundamentais – a alimentação.
O modelo capitalista afirma a “eficiência” como máxima enquanto gera desperdício e lixo em escala global. Afirma “produzir para alimentar o mundo”, mas produz morte, desmatamento e fome. Afirma ser a única alternativa produtiva enquanto oculta, sabota e destrói toda forma oposta de produção.
Não devemos nunca permitir que se normalize as cenas das “filas do osso”, da fome e da insegurança alimentar. É necessário incentivar cada vez mais a indignação e a revolta frente a esse modelo de produção que se fundamenta em contradições.
O capitalismo não tem suprido e nunca irá satisfazer as necessidades do povo.