Governo Bolsonaro indica eletrochoque como tratamento para autistas

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Nicole Conversano Lavinia


SÃO PAULO – Em novembro de 2021, o Governo Federal, por meio da Conitec, órgão federal que tem a função de incorporar, alterar ou excluir medicamentos e procedimentos à serem utilizados pelo SUS,  publicou o seguinte documento: “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tratamento do Comportamento Agressivo no Transtorno do Espectro do Autismo”. Os PCDTs (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas) são os documentos oficiais do SUS que estabelecem os critérios de diagnóstico de doenças, transtornos, etc, bem como os procedimentos que devem ser feitos em cada situação. Neste novo protocolo, a Conitec indica a eletroconvulsoterapia (ECT) e a estimulação magnética transcraniana (EMT), como uma opção para pessoas autistas em caso de “agressividade”. O protocolo encontra-se, agora, em consulta pública.

A eletroconvulsoterapia (ECT), também conhecida como eletrochoque, consiste em uma estimulação cerebral, causada por uma corrente elétrica, que resulta em uma crise convulsiva generalizada. A convulsão causada pela ECT pode levar à aumento na pressão arterial, frequência cardíaca e pressão intracraniana. O uso desse tipo de “tratamento”, muito usado inclusive como método de tortura durante a Ditadura Militar, punição à pacientes em inúmeros manicômios ao redor do mundo e reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) como tortura, teve seu uso diminuído de maneira significativa na década de 1970, em decorrência principalmente da luta antimanicomial travada no período. A EMT é uma técnica que usa campos magnéticos para estimular regiões do cérebro por indução eletromagnética, alterando a atividade neural, podendo levar a convulsões, desmaios e alterações cognitivas.

O protocolo reconhece o autismo como uma deficiência intelectual, algo que, cientificamente, não procede, já que o TEA (Transtorno do Espectro Autista) é uma deficiência psicossocial. Em seguida, estabelece os critérios de diagnóstico para o comportamento agressivo em pessoas autistas, dois destes chamam muito a atenção, o “Comportamento Estereotipado” e a “Fala Inapropriada”. A  julgar por esses dois critérios, a maioria das pessoas autistas estariam enquadradas como apresentando comportamento agressivo, já que a maioria de nós faz movimentos repetitivos (estereotipias ou, como chamamos carinhosamente, stims), que não passam de movimentos auto regulatórios, para evitar crises, e não temos uma comunicação verbal que vai de acordo com a norma neurotípica, norma esta construída socialmente pelo sistema capitalista e a sua eterna obsessão em padronizar as pessoas.

O documento admite, que nem a ECT ou a EMT possuem evidências científicas o suficiente para sua recomendação como opção de tratamento nestes casos, e que a própria Conitec não as recomenda, mas que o uso ou não desses procedimentos deve ser avaliado em cada caso. Se é a Conitec que escreve os PCDTs, e a Conitec não recomenda esses tipos de “tratamento”, qual o motivo da publicação de um protocolo que os coloca como opção? Além disso, porque no início do documento, o órgão federal se coloca como favorável à atualização do protocolo? Essas contradições nos levam a crer que houve interferência de algum órgão ou pessoa superior à Conitec exigindo que a ECT e a EMT fossem incluídas no novo PCDT, mesmo sem nenhuma evidência científica que comprove sua eficácia. Configura-se então, mais um passo do governo federal e seu projeto fascista: a elaboração de um protocolo com diretrizes eugenistas, com chances de ser implementado pelo SUS.