Por Jahy Pronsato
Na noite de ontem, dia 24 de janeiro, a Ocupação Elza Soares, realizada em homenagem a cantora brasileira falecida neste mesmo mês, em Palhoça/SC, teve uma noite de terror causada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais. Era por volta das nove horas da noite quando o BOPE chegou, já desde o inicio da rua, atirando bombas de gás lacrimogênio e tiros para o alto acusando já seu objetivo contra as mais de 200 famílias que ocuparam, a cerca de sete dias, um terreno que há muito não cumpria função social.
As balas de borracha calibre 12, as bombas de gás lacrimogênio e os tiros de pistola e fuzil com munição bélica mostram bem o tipo de abordagem que a policia tem feito nos bairros mais pobres e ocupações. Duas pessoas foram atingidas pelas balas de borracha, uma no peito e outra na cabeça, enquanto que varias crianças e bebês sofreram com o gás lacrimogênio. Como se não bastasse tamanha covardia de um agrupamento composto por mais de 30 policiais contra o mesmo número de mulheres, jovens e crianças, que naquele momento estavam no local, os policiais ainda queimaram colchões onde as famílias dormiam, uma caixa d’agua e duas bicicletas, que eram o meio de transporte para o trabalho de dois moradores da ocupação.
A ocupação Elza Soares foi realizada a uma semana em um terreno que a mais de dez anos não cumpre função social. Como conta Aline, moradora do bairro a mais de 13 anos, este terreno vinha servindo de lixão, enquanto a procura por uma moradia digna aumentava durante os últimos anos, crescendo ainda mais na pandemia, que causou o desemprego de centenas de famílias do bairro. A cerca de um ano os moradores tem se organizado por meio de cadastros para conquistar um pedaço do terreno que conta com mais de 7 mil metros quadrados, ultrapassando o numero de 200 famílias cadastradas, a maioria do mesmo bairro, mostrando tamanha desigualdade causada pelo capitalismo.
Como se não bastasse o desemprego, a duvida da comida na mesa no dia seguinte, o endividamento causado pela necessidade de garantir o mínimo para os filhos, essas famílias, quando lutam por um teto, ainda sofrem com a violência policial na sua forma mais brutal. O MLB, junto com a Ocupação Anita Garibaldi, estiveram presentes na mesma noite no local para conversar e prestar solidariedade às famílias que perderam até mesmo seus colchões para dormir, obrigando-as a dormir na rua, em cobertas. “Em momentos como esse, a solidariedade entre as ocupações é fundamental, se cair uma, isso abre brecha para a reintegração de todas as outras. É preciso lutar e resistir, juntos”, disse Marta, moradora da ocupação Anita Garibaldi.
A seguir o Jornal A Verdade expõe o depoimento de algumas das moradoras da ocupação, que contam ao jornal a cena de terror que passaram na última noite. Ana Aline e Jussara são moradoras do bairro a mais de 13 anos e tem lutado pela moradia digna há 3 anos:
Ana Aline: A policia começou a dar tiro lá do começo (200 metros ao fim da rua), alegando que nós estávamos dando tiro de cá pra lá. Só que a gente não tem arma, não tem nada. E eles vieram com tudo, daí que a gente teve que colocar fogo nas barreiras, porque eles estavam vindo com tiro e bomba de pimenta em nós. Daí eles cataram o povo que ‘tava’ aqui pra fora e começaram a bater, enquanto nós ali pra dentro gritávamos que tinha crianças e eles não escutavam. Tem gente que levou tiro de borracha na cabeça, a gente tem foto, tem os vídeos do que eles estavam fazendo. E quando eles conseguiram entrar começaram a tacar fogo nas coisas e ‘dale’ tiro na gente… E a gente só tentando se defender, porque a gente só quer um terreno aqui, porque a maioria aqui já esta sem casa e esta dormindo aqui porque não tem para onde ir…. Muita gente que mora de aluguel, famílias, que não tem mais para onde ir estão aqui e ‘tamo’ se apoiando. Você acha que a gente ia querer estar morando assim se a gente tivesse uma moradia decente? Não, ninguém ia querer passar isso com os filhos se tivesse uma moradia decente… A gente tem medo deles voltarem, quem garante que eles não vão entrar pelo meio do mato, e a gente vai lutar, a gente não vai desistir, porque a gente não tem pra onde ir.
Jussara: A policia veio para bagunçar hoje, porque ela veio, queimou bicicleta, queimou caixa d’agua, coisa que não tinha necessidade. Eles atiraram e não foi só com tiro de borracha, você pode ver as marcas de tiro nas paredes, porque a borracha não faz aquilo em parede de cimento. Eles pegaram dois reféns, bateram um monte, um deles é um menino especial, que é surdo e mudo, e usavam eles na frente, de escudo, para atirar na gente… Eles pegaram as nossas coisas e jogaram uma bomba em cima pra queimar, nossas barracas, colchões. Uma das bombas chegou a pegar numa criança de seis anos.
O relato de Ana Aline e Jussara retratam bem como o Estado trata as famílias mais pobre do país: direitos básicos são tratados como caso de polícia e violência policial. Jovens são usados de escudo e reféns enquanto mulheres, crianças e idosos são atingidos por tiros e bombas policiais. Na defesa da propriedade privada, do terreno que especula e serve de lixão, vale tudo, até a vida do povo.
A Palhoça é uma cidade que tem crescido e se desenvolvido muito nos últimos vinte anos e está na região da Grande Florianópolis e na região Metropolitana de Florianópolis, tendo o preço da terra e dos imóveis valorizado demais nesse período no município, aumentando o conflito entre trabalhadores com direito a moradia e políticos burgueses, grandes ricos, grandes empresas, grandes imobiliárias e construtoras com interesse em especulação da propriedade privada dos imóveis, fazendo com que a Prefeitura escolha o lado dos ricos em detrimento do direito social a moradia previsto na Constituição Federal (Art. 6º, caput, da CF/88), levando as famílias trabalhadoras pobres a ocuparem em desespero de causa terrenos e imóveis ociosos para reivindicar políticas públicas de habitação e moradia popular e garantir o seu direito a uma moradia digna, acessível e justa.