Enquanto houver capitalismo e onde esse sistema fincar suas patas, nunca haverá pátria, pertencimento, dignidade, nem paz para o povo negro. Somos os condenados da terra, vivendo a eterna diáspora.
Alexandre Verçosa
Movimento Negro Perifa Zumbi – Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO – O jovem trabalhador Moïse Mugenyi Kabamgabe, refugiado da guerra do Congo, chegou ao Brasil em 2014 com sua família. Tinha uma vida extremamente precária e trabalhava na informalidade, sem carteira assinada – situação da maioria dos imigrantes, principalmente negros, no Brasil. Foi espancado até a morte simplesmente por cobrar o pagamento atrasado de seu trabalho no quiosque onde exercia a função de ajudante de cozinha. Kabamgabe foi mais uma vítima fatal do ódio racista e xenófobo e da precarização do trabalho, que se aprofundaram no governo Bolsonaro.
No Brasil do genocida, as milícias voltaram a crescer exponencialmente, conquistando novas áreas, aumentando o controle social sobre a população e voltando a transitar livremente no cenário político. Ao mesmo tempo, há um crescimento de grupos com ideais supremacistas, treinados e fortemente armados, pois sentem-se protegidos e confiantes no governo fascista do presidente que se elegeu com um discurso extremamente racista, a ponto de comparar negros a animais que são pesados em arroba.
Embora o Brasil de Bolsonaro seja o ambiente propício para cenas brutais como essa, é preciso lembrar que este é também o Brasil do Centrão e do STF, que no discurso defendem a “democracia”, mas trabalham diuturnamente para a precarização do trabalho, com a flexibilização dos direitos do trabalhador e o favorecimento dos patrões.
Com a Reforma Trabalhista, disseram que poderíamos negociar com o patrão. Pois bem, eis o que acontece quando um trabalhador exige o pagamento de seu salário atrasado ao patrão.
Entre os responsáveis pelo cenário de total degeneração social em que estamos afundados, não podemos esquecer da social-democracia, que se diz antirracista, mas nas eleições sempre se alia aos traidores do povo com a falsa justificativa da defesa de uma democracia abstrata, desconsiderando as lutas populares e tentando se tornar mais “palatável” para as elites racistas que detém o poder.
Diante de toda essa barbárie, é preciso analisar o passado e concluir que ainda hoje, no século 21, revivemos a rota dos navios negreiros que partem de uma terra arrasada para atracar no grande matadouro de negros que é o Brasil. A história se repete como farsa. O fato é que, enquanto houver capitalismo e onde esse sistema fincar suas patas, nunca haverá pátria, pertencimento, dignidade, nem paz para o povo negro. Somos os condenados da terra, vivendo a eterna diáspora.
A falsa democracia racial
É preciso, também, e de uma vez por todas, desmistificar a ideia de que o Brasil é um país acolhedor e cordial; sobretudo desmistificar a ideia de que vivemos aqui uma democracia racial. Na verdade, o racismo é o elemento central que constitui a formação do Estado brasileiro. O mito da democracia racial, em última instância, reverbera na produção do valor. A classe que é superexplorada no Brasil tem cor.
As particularidades que convergem na formação da sociedade brasileira são de um capitalismo que nunca supera, de fato, suas formas anteriores de produção, mas que as resignifica para sua própria utilidade, o que resulta numa socialização política inconclusa. O racismo é mais uma contradição que o Brasil nunca superou e não superará enquanto as lutas sociais não tiverem como horizonte a revolução socialista do proletariado.
Nós, do Movimento Negro Perifa Zumbi, não aceitaremos a naturalização da barbárie. Sentimos com profunda dor e ódio a notícia de mais um jovem trabalhador, imigrante, negro, vítima direta do capitalismo, que foi obrigado a se refugiar da fome e da guerra em seu país para morrer de uma forma tão cruel e humilhante no outro lado do mundo. Por isso, exigimos justiça para Moïse Kabamgabe e nos solidarizamos com seus familiares e amigos no Brasil e no Congo.
Convocamos todos os trabalhadores que se indignam ao ver um irmão de raça e classe ser espancado até a morte, a lutar por justiça por Moïse Kabamgabe no protesto que ocorrerá neste sábado, dia 5/02, às 10h, em frente ao quiosque Tropicália, que fica no Posto 8 da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.