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sábado, 23 de novembro de 2024

Movimentos reagem contra agressão a aluna trans em Mogi das Cruzes

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Movimentos fazem ato contra a transfobia em frente a escola. Foto: UP/Mogi

Daniel Oliveira, Mogi das Cruzes

O povo trabalhador, sobretudo os segmentos historicamente oprimidos e vulnerabilizados como no caso das pessoas LGBTQIA+, sofre violências cotidianas e sistemáticas decorrentes do capitalismo. É importante destacar que no Brasil, a violência contra trabalhadoras e trabalhadores trans e travestis é a maior registrada no mundo. Os dados estatísticos da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) alertam que há 13 anos o Brasil é o país onde mais morrem pessoas T (trans ou travestis) vítimas de assassinato, a expectativa de vida não atinge 35 anos e cerca de 90% têm na prostituição uma forma de sobreviver, dada a dificuldade de conseguir outra colocação laboral. 

A especificidade da violência sofrida por pessoas trans e travestis se situa no preconceito à identidade de gênero que possuem. Aprendemos que dependendo da genitália que possuímos ao nascer, devemos nos comportar e agir de uma forma binariamente instituída: homem ou mulher, para o resto de nossas vidas, formando uma identidade. Diz-se cisgeneridade quando essa determinação é assimilada ao longo da vida. Entretanto, há possibilidade de não identificação com tal sistema de significações baseadas no corpo e na cultura e nestes casos se transaciona para uma identidade diferente do que é determinado, a isso diz-se transgeneridade ou travestilidade. Assim, a identidade de gênero nomeia essa dimensão de como nos organizamos no mundo a partir do sistema de gêneros.

Uma colagem também foi realizada contra o linchamento. Foto: UP/Mogi

Apesar dos avanços no âmbito legal, como a criminalização da transfobia através do enquadramento no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo, bem como o Decreto Presidencial Nº 8.727 de 28 de abril de 2016 que formaliza o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, ainda permanecem os altos índices de exclusão da população T, sobretudo no ambiente escolar. Não existem pesquisas a nível nacional sobre o acesso de pessoas transgêneros ou travestis à escolarização, mesmo que alguns dados incipientes indiquem uma situação preocupante. Segundo Scote (2017, pág. 25) na cidade de Belo Horizonte – MG, 91,3% de 138 pessoas trans entrevistadas não chegaram a concluir o Ensino Médio, enquanto a reportagem do Estadão em 2019 mostra que apenas 0,1% dos 420 mil estudantes do ensino superior no Brasil são trans. A escolarização no Brasil, assim como outros direitos básicos, não é respeitada quando se trata de pessoas T.

A escolarização excludente, promovida por políticas públicas de caráter neoliberal, tocadas por políticos ligados a donos de conglomerados escolares como a Kroton, são responsáveis por episódios de transfobia no ambiente escolar como o ocorrido na Escola Estadual Galdino Pinheiro Franco em Mogi das Cruzes, em que uma aluna trans foi brutalmente espancada por vários colegas, após episódios de bullying. Depois do acontecimento, a Diretoria de Ensino da região e a direção da unidade escolar se recusaram a dar explicações para a comunidade, pais, alunos e movimentos sociais, aceitando dialogar com estes somente após o caso ser amplamente divulgado a nível nacional e a pressão popular de manifestações. 

Para entendermos o caso em sua complexidade e reconhecer os responsáveis, é necessário situá-lo na esfera de atuação da Diretoria de Ensino e da Secretaria de Educação de São Paulo. Em julho de 2021, o secretário da educação Rossieli Soares da Silva, determinou que 28 escolas estaduais da região do Alto Tietê, sendo 9 em Mogi das Cruzes, passariam a compor o Programa de Ensino Integral (PEI) funcionando em horários mais amplos e com mais disciplinas do que até então, sem nenhum tipo de consulta às comunidades atendidas pelas escolas ou aos profissionais destas. Em novembro de 2021, Rossieli anuncia que a escola Galdino Pinheiro Franco se tornará PEI no apagar das luzes do ano letivo, novamente sem consulta aos envolvidos. Com as férias do final do ano, bem como as atribuições e conselhos para o início do ano letivo, o que se seguiu, segundo professores e pais de alunos, foi um completo desarranjo no cotidiano escolar. Sem aulas e professores que ocupassem o período alargado de permanência na escola, sem aumento no número dos demais funcionários, bem como a falta de diálogo com a comunidade escolar, as condições para o episódio de transfobia do último dia 09/02 estavam dadas e legitimadas por acontecimentos anteriores. 

 

A anuência da Secretaria do Estado de São Paulo e da Diretoria de Ensino de Mogi das Cruzes com atos de violência e odiosos não vem de hoje. Em outubro de 2021, um professor da rede estadual e apoiador de Bolsonaro que leciona em Mogi das Cruzes, agrediu um repórter que cobria a visita do presidente à basílica de Nossa Senhora da Aparecida, em Aparecida. Segundo relato da professora Lisbela Silva*, apesar da ampla divulgação do fato e da indignação de órgãos e pares profissionais, a Diretoria de Ensino nada fez em relação ao servidor, causando extremo desconforto na comunidade escolar mogiana, prevalecendo a sensação de impunidade e conivência da DE com o ocorrido. “Vimos o caso passar no jornal em horário nobre e mesmo assim no dia seguinte o agressor estava lá, entrando em sala de aula, como se nada tivesse acontecido. Não houve afastamento, nada! Isso legitima a violência e a intolerância dentro da escola!”, disse a professora.

As ações dos órgãos responsáveis pela educação em Mogi das Cruzes, a Diretoria de Ensino e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, sobretudo nos dois casos citados, demonstram um posicionamento na ausência de ações diante de situações de violência e típicas do fascismo bolsonarista. Vale destacar, ainda, que a mesma apatia não se vê quando é necessário tomar decisões sobre a gestão da educação, os currículos escolares ou o reconhecimento dos profissionais da educação, nestes casos o governo do estado é implacável e não escuta ninguém que não seja seus tecnocratas liberais.

Os jovens estão na vanguarda da luta contra a transfobia. Foto: UP/ Mogi

As relações entre políticos burgueses, políticas educacionais neoliberais e ausência de democracia no ambiente escolar promovem descaminhos na educação das crianças e adolescentes brasileiros, assim como ajudam a permear o ódio e preconceito entre os segmentos da classe trabalhadora, assim como diz Krupskaia:

 

“Os pedagogos burgueses falam e escrevem muito sobre a necessidade de ‘educação’ da juventude, entendendo por ‘educação cívica’ o respeito à propriedade privada e ao regime político existente […]”

   

    Uma educação que promova a emancipação de classe, precisa contemplar as diferenças humanas, próprias da classe trabalhadora, promovendo laços de solidariedade e dando suporte a construção da identidade dos jovens, nas suas mais variadas possibilidades.

 

* Nomes fictícios foram adotados para proteger a identidade dos entrevistados.

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