Rafael Chalhoub e Guilherme Garnier
Militantes da UP e do MLB
NITERÓI – Hiago Bastos, de 21 anos, era um jovem trabalhador que vendia balas em frente ao terminal das barcas da Praça Araribóia, em Niterói (RJ). Ontem (14), segundo testemunhas presentes no local, após o jovem oferecer seus produtos a um homem, uma discussão entre os dois se iniciou e um policial à paisana resolveu interferir, intimidando o vendedor. Após Hiago contestar a atitude do policial, o mesmo sacou sua arma e deu um tiro no peito do rapaz. As testemunhas relataram ainda que ele se recusou a prestar socorro e que esta demora foi um fator fundamental para que Hiago não sobrevivesse.
O ocorrido rapidamente gerou revolta nas pessoas que assistiram à cena, que logo se reuniram e protestaram para que o policial fosse responsabilizado pelo crime que havia cometido. A Guarda Municipal de Niterói se encarregou de isolar a cena, o que gerou conflito com aqueles que exigiam que o policial recebesse o tratamento justo pelo crime. Ao invés de o algemarem até que a perícia chegasse, fecharam a Estação das Barcas e mantiveram Carlos Arnaud Baldez Silva Júnior (sargento da Polícia Militar) dentro do local, enquanto o corpo de Hiago continuava no chão.
Outro vendedor de balas se juntou ao grupo para protestar pelo assassinato cruel de seu colega e das atitudes da Guarda Civil. O mesmo relata que os guardas resolveram usara o spray de pimenta para reprimir a população, sem se importar se havia crianças ou gestantes no local. Seu filho, de apenas um ano e meio, foi atingido diretamente nos olhos. Dois meninos no local foram confrontar os guardas, pois a manifestação estava pacífica até o momento e não havia motivos para tal procedimento. Durante os protestos e discussões, um dos meninos trouxe à tona que este abuso dos camelôs pela Guarda Civil é recorrente. Eles foram presos, agredidos e colocados em viaturas quando a Polícia Militar chegou. Cabe ressaltar que esta abordagem truculenta e desumana da Polícia foi realizada na frente da avó de Hiago, que estava aos prantos pela morte do neto.
Até o momento, o sargento não havia enfrentado as devidas consequências pelo crime cometido, mas os dois meninos estavam presos sem nenhum motivo. Os bombeiros chegaram para recolher o corpo e a tensão continuou até que os carros da Polícia Militar se retiraram e os manifestantes se dirigiram para a Delegacia.
A manifestação se deslocou até a entrada da 76ª Delegacia de Polícia de Niterói, local também conhecido por ter abrigado uma unidade do Dops durante a ditadura militar. Lá, a Polícia montou um corredor em frente à portaria, com escudos frente e cassetetes na mão. Após gritos por justiça e pedidos para a liberação dos dois meninos detidos, policiais, sem qualquer motivo, agarraram dois outros homens – um que estava com a namorada e outro também vendedor de balas -, sem que estes tivessem feito qualquer provocação ou ameaçado fisicamente os policiais.
“A gente que é camelô, que vende uns produtos pra sustentar a família, é muito discriminado. Não tem emprego, ainda mais pra quem tem alguma passagem na polícia. Daí, quando a pessoa tenta se erguer na vida, é recebida com bala. É assim que a polícia gosta de tratar pobre, negro e morador de favela”, afirmou uma mulher que protestava na porta da Delegacia.
Após um começo de ano marcado pela violência, racismo e descaso com a população, é de extrema importância a realização de manifestações contra esta política de morte perpetuada pelos aparelhos do Estado. Este caso, como inúmeras outras vítimas no país, é reflexo de uma polícia e uma política assassinas, militarizadas, que servem para reprimir o povo a favor dos mais ricos. É mais do que necessário que este sistema chegue a um fim, com a revogação das leis de porte e posse de armas, a desmilitarização da Polícia e o combate absoluto ao racismo.