Por Nathália Andrés e Paolla Izidio, Movimento Olga Benário
Em Junho de 2020, enquanto o Brasil alcançou um recorde de morte pela Covid-19, o país enfrentava ao mesmo tempo outra epidemia, do feminicídio, que não deixou de fazer vítimas também em Juiz de Fora (MG). No dia 11 daquele mês uma mulher de 37 anos foi morta a facadas no Bairro Marumbi pelo companheiro que, de acordo com a polícia civil, teria cometido o crime por ciúmes. Em Janeiro de 2021, pouco mais de 6 meses depois, um coronel da reserva do Corpo de Bombeiros assassinou a esposa com 4 tiros e depois se suicidou, no Morro da Glória. Agora, em Janeiro de 2022, um homem usou da força física e ameaça de morte para abordar uma mulher no Bairro Vale do Ipê, arrastá-la até um terreno baldio e estuprá-la. Estes são apenas alguns casos de uma realidade diária na cidade.
Sabe-se que Juiz de Fora é o 4º maior município do estado de Minas Gerais, porém, no que se refere à violência contra mulher a cidade ocupa a 2ª posição, perdendo apenas para a capital, Belo Horizonte. Uma pesquisa feita pelo professor Wagner Batella, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apontou um aumento de 450% no número de estupro de vulnerável no ano de 2020 em relação aos anos anteriores, o que evidencia a falha da cidade em proteger crianças e jovens menores de 14 anos e pessoas com enfermidades que impossibilite a resistência. A pesquisa aponta também que os crimes de lesão corporal, ameaça e vias de fato contra mulheres representaram 30,3% de todas as ocorrências computadas no primeiro semestre de 2020. Contudo, o pesquisador afirmou também que esses crimes são fortemente marcados pela subnotificação, ou seja, o problema é muito maior.
A subnotificação ocorre quando a possibilidade de denúncia a partir da vítima se torna inviável por diversos motivos, como medo, situação de cárcere privado, algum tipo de dependência – seja emocional ou financeira – ou por não ter para onde ir quando o agressor está dentro de casa, o que é o caso da maioria das vítimas, já que o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública prova que 81,5% das vítimas de feminicídio em 2021 foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro. O fato de Juiz de Fora não contar com nenhum tipo de casa-abrigo ou casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência e seus filhos é um dos maiores empecilhos na cidade para que milhares de mulheres possam sair da situação de violência.
O estudo do professor Batella provou, ainda, que o número de denúncias pelo telefone sobre violência doméstica em Juiz de Fora aumentou no período pandêmico. Apenas no mês de Março de 2019 foram registradas 452 denúncias de violência doméstica e, no mesmo mês do ano seguinte, os casos registrados chegaram à marca de 378. No entanto, ainda que com a queda de notificações, é possível afirmar que houve um aumento substancial de casos, pois a defasagem de denúncias se deve à dificuldade de as vítimas buscarem apoio presencial e por alguns locais, como, por exemplo, a Casa da Mulher, terem permanecido fechados por um período da pandemia. Desde o início desse cenário, foi evidente a possibilidade do aumento do número dos casos de violência doméstica, o que, infelizmente, se concretizou não apenas em Juiz de Fora, mas no mundo. Somando-se tudo isso ao agravamento da crise econômica, a precariedade desses lares aumenta.
Um ponto fundamental a se considerar é a classe e a raça da grande maioria das mulheres que sofrem violência. Mulheres trabalhadoras, pretas e pardas, com baixa escolaridade e moradoras de periferias compõem grande parte das vítimas em Juiz de Fora. Porém, esse é um cenário que não se limita ao local e, infelizmente, se alastra por todo o Brasil. O Anuário já citado nesse texto mostrou que 61,8% dos casos de feminicídio no país em 2021 foram contra mulheres negras. Portanto, as brasileiras vítimas de violência têm cor, e sua classe social é mais um indicativo que as expõe a vários tipos de agressão.
Mais do que nunca, urge garantir proteção às mulheres e estabelecer políticas públicas que pensem especificamente em mulheres negras ou pardas e mulheres pobres para que, assim, possam se sentir seguras em buscar ajuda e, para além disso, possam, junto com seus filhos, deixar a casa dos agressores. A Lei Maria da Penha, considerada uma das melhores do mundo pela ONU, tem quase 16 anos e a Lei que tipifica o feminicídio como homicídio qualificado, colocando-o na relação dos crimes hediondos, apenas 4 anos, mas, apesar de ambas serem avanços legais importantes no enfrentamento à impunidade, não resolvem e são apenas um dos aspectos entre vários que constituem o problema.
Para compreender melhor a questão feminina, é necessário, em primeiro momento, entender que é resultado da opressão patriarcal e racista que tem base material concreta no sistema capitalista e é indispensável para sua manutenção. Sendo assim, é importante potencializar a organização das mulheres pelos seus direitos, por dignidade, em defesa das suas vidas e, acima de tudo, por uma completa emancipação desse sistema que mata mulheres diariamente e pela construção do poder popular e da sociedade sem machismo e racismo.