Sávio Peres Loureiro – Minas Gerais
INTERNACIONAL – Diante do cenário da Guerra na Ucrânia, muitos posicionamentos estão sendo tomados e dividindo a opinião pública: entre apoiadores da Rússia e seu direito a defesa, de um lado, ou da OTAN/UE/EUA e da Ucrânia e seu direito à livre entrada nas organizações militares e econômicas ocidentais de outro. O debate sobre as causas está girando, majoritariamente, aos argumentos diplomáticos dados pelos governos – como defesa do território nacional ou da soberania nacional – que estão ganhando maiores contornos e divulgação nas maiores redes de mídia, alimentando a confusão. Chega-se a falar que o EUA são os grandes defensores da autodeterminação dos povos e soberania nacional (desconsiderando-se todas as invasões feitas por este país como no Iraque, Afeganistão, Síria, só para citar alguns entre dezenas) e que a Rússia só quer defender suas fronteiras ou que a Ucrânia é historicamente território russo, chegando-se a falar que sua invasão da Ucrânia é anti-imperialista ou que existe a vontade de se refundar uma nova União Soviética, o que beira ao absurdo.
O principal ponto não é esmiuçar essa complexidade, mas sim, buscar trazer algum direcionamento no sentido de ajudar a compreender os interesses em jogo. Segundo Lenin no livro “Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo[i], que farei algumas citações ao longo deste texto, no prefácio às edições francesa e alemã ele coloca: “Com efeito, a prova do verdadeiro caráter social ou, melhor dizendo, do verdadeiro caráter de classe de uma guerra não se encontrará, naturalmente, na sua história diplomática, mas na análise da situação objetiva das classes dirigentes de todas as potências beligerantes. Para ilustrar essa situação objetiva, é preciso considerar não exemplos e dados isolados (dada a infinita complexidade dos fenômenos da vida social, podem-se encontrar sempre os exemplos ou dados isolados que se queiram para confirmar qualquer hipótese), mas todo o conjunto dos dados sobre os fundamentos da vida econômica de todas as potências beligerantes e do mundo inteiro”. (p. 109)
O conflito na Ucrânia não envolve diretamente somente Rússia e Ucrânia, mas todo um conjunto de potencias imperialistas que disputam ali o controle econômico e estratégico da região, sendo elas União Europeia, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia as principais potencias em disputa na região. Mas antes de buscar algum entendimento sobre a importância econômica e estratégica da região, vale a pena citar alguns fatores sobre a própria burguesia destes países.
Em relação a burguesia norte-americana, de países da União Europeia como Alemanha e França e a Inglaterra, já está mais pacificado o seu caráter imperialista em muitos dos debates que se encontram ultimamente. Porém, ainda existe uma ilusão de que na Rússia, devido a sua herança histórica da União Soviética, teria ali uma burguesia mais light ou anti-imperialista e que ali não haveria o fenômeno econômico do imperialismo que segundo Lenin teria traços fundamentais como: “1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.” (p. 218)
Segundo dados extraídos da lista da Forbes de bilionários[ii] do mundo em 2021: Existem 120 bilionários na Rússia; 136 bilionários na Alemanha; 200 bilionários na China e 200 bilionários nos Estados Unidos – no Brasil são 65[iii]. Na Rússia, em 2018, os 10% mais ricos detinham 77,4% de toda a riqueza do país[iv]. Ainda no ranking da Forbes 2000 que retrata as maiores empresas do mundo, das 10 maiores empresas russas 7 são do ramo de energia (petróleo e gás), 2 do setor financeiro e 1 do ramo de metais[v]. Toda essa concentração de renda nas mãos de um punhado de nacionais russos foi impulsionada durante o processo de privatizações iniciado no governo Yeltsin nos anos 90, que envolveu uma grande campanha anticomunista e no qual houve a estruturação total do capitalismo e a formação dos monopólios privados na Rússia.
Entre essas grandes empresas Russas, uma ganha destaque no conflito: a Gazprom é uma empresa de energia da Rússia, a maior do país, e também a maior exportadora de gás natural do mundo, o que lhe confere a décima quinta posição no ranking das maiores empresas mundiais[vi]. Esta empresa, juntamente a BASF (alemã) e a E.ON (gigante do setor elétrico europeu) assinaram um acordo para a construção de um Gasoduto do Norte da Europa (NordStream 1 – imagem abaixo), que fornece capacidade anual total de 55 bilhões de m 3 de gás. Vale ressaltar que 40% do gás da Europa vem da Rússia[vii].
Esse gasoduto cria um trânsito direto entre Rússia e União Europeia, reduzindo-se a necessidade de utilizar da rede de transporte de gasodutos ucranianos para fazer seu gás e óleo chegarem ao território europeu. Vale ressaltar que após a queda da URSSos contratos acerca das tarifas e impostos sobre o transporte de óleo russo pelos gasodutos ucranianos e os preços em geral do gás no mercado foram, e são, pontos de conflitos entre esses países[i]. Porém, apesar do NordStream 1, o território ucraniano é, ainda, um setor estratégico para escoamento da produção russa de gás e óleo e um importante meio para acessar o mercado europeu.
A construção deste gasoduto teve também preocupações dos norte-americanos, já que aumentaria a dependência econômica da Europa diante da Rússia e consequentemente uma maior influência desta na região. Vale ressaltar que não só as empresas citadas, mas países como a Finlândia, a Suécia, a Dinamarca, a Polônia, a Letônia, a Lituânia e a Estônia são também partes deste processo, pois o gasoduto passa por zonas económicas exclusivas e/ou águas territoriais destes países. Neste sentido, não só a Ucrânia é o ponto chave para a economia Russa, mas também todos os países que de alguma forma tem a relação com o NordStream. Isso indica que a declaração de retaliação militar russa à Suécia e à Finlândia acerca das intenções destes países se alinharem aos interesses da OTAN[ii] não tem haver somente com o interesse russo de manter seguras as suas próprias fronteiras, mas também aos interesses econômicos da grande burguesia russa.
Porém, a construção do NordStream 2 enfrentou maior resistência dos EUA – que também vende gás ao mercado europeu – aplicando sanções econômicas às empresas que trabalhavam na construção do segundo gasoduto[iii]. Esse fato gerou declarações de Gunnar Lindemann, membro da Bundestag, o parlamento alemão, já em 2021, sobre uma escalada de tensões semelhante a uma nova ”guerra fria”. No final do ano de 2021, A Alemanha, atualmente mais alinhada politicamente aos EUA depois da eleição de Biden, suspendeu a certificação do NordStream 2 que já tem obra finalizada e só aguarda liberação das autoridades alemãs e europeias para funcionar, o que impulsiona uma disputa entre a Rússia e a Europa e eleva os preços do gás no mercado.
Depois da guerra iniciada, a relação dificultou ainda mais devido às sanções econômicas pesadas, gerando reação do Ministério das Relações Exteriores russo no sentido de que ”a decisão da Alemanha de congelar a certificação do gasoduto NordStream 2 é inaceitável e levaria a danos irreversíveis às relações bilaterais”[iv], indicando um acirramento das tensões, ao mesmo tempo que aumenta a pressão para que a Rússia consiga aprofundar seus meios para escoar sua produção – existe a possibilidade tática que a Rússia não limite seu avanço somente sobre a Ucrânia.
Diante do exposto, fica claro que as explicações diplomáticas do conflito não refletem a essência das contradições econômicas entre as potências imperialistas atualmente. Como define Lenin “uma guerra imperialista (isto é, uma guerra de conquista, de pilhagem e de rapina), é uma guerra pela partilha do mundo, pela divisão e redistribuição das colônias, das esferas de influência, do capital financeiro, etc.” (p. 107). E ainda completa que “as alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mutuamente, gerando urna sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais” (p. 258).
Cabe aos comunistas tomarem o lado do povo nesta guerra imperialista, seja este povo ucraniano ou russo ou palestino ou sírio ou líbio, etc. No caso da Ucrânia, quem está sendo colocado nas trincheiras para morrer e quem está sofrendo com os bombardeios e as sanções de ambos os lados é a classe trabalhadora russa e ucraniana que nada tem a ganhar nesta disputa de interesses da burguesia, do imperialismo russo, europeu e norte-americano. Por isso, estar ao lado do povo é estar ao lado da paz, da autodeterminação dos povos, da organização política da classe trabalhadora destes países, para que este povo trabalhador declare guerra aos senhores e paz entre os trabalhadores.
i. Lênin. O IMPERIALISMO, ETAPA SUPERIOR DO CAPITALISMO. Editora Unicamp. Acessado em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/imperialismo.pdf
ii. https://www.forbes.com/billionaires/ A riqueza destes bilionários está medida em dolar.
iii. https://www.bbc.com/portuguese/geral-4542282#:~:text=Um%20dos%20pa%C3%ADses%20com%20maior,72%2C3%25%20no%20Brasil.
iv. https://www.forbes.com/lists/global2000/#153132df5ac0
v. https://pt.wikipedia.org/wiki/Gazprom
vi. https://www.cnnbrasil.com.br/business/europa-atua-para-reduzir-dependencia-da-russia-no-setor-de-energia/
vii. http://www.cnn.com/2011/WORLD/europe/09/06/russia.new.pipeline/index.html
viii. https://oglobo.globo.com/mundo/russia-ameaca-finlandia-suecia-serias-consequencias-politico-militares-caso-se-juntem-otan-1-25410405
ix. https://br.sputniknews.com/20210304/novas-sancoes-dos-eua-e-da-ue-contra-russia-podem-levar-a-nova-guerra-fria-diz-politico-alemao-17066156.html
x. https://br.noticias.yahoo.com/r%C3%BAssia-diz-que-congelamento-nord-141954183.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS8&guce_referrer_sig=AQAAANigeUBS0IGcr8dKEmPAOE8j1bc1a_fvsP8aN9ARAkgXU8jakFZ2RFT2MwEqM3pD7bB7nxHL_eMP55du721JdGDxuyUwyOrln–7YqN88rA-6EPWwHhJ6n_b3ztK-exbfXKYxrLWAE0e-JX2uiOp8GcKzQ7koQ8DI5VS2018uIF-