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sexta-feira, 29 de março de 2024

Manifestação em São Paulo no Dia Nacional da Luta Antimanicomial

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No Dia Nacional da Luta Antimanicomial, centenas de pessoas realizaram ato em São Paulo pelo fim do desmonte das políticas públicas em saúde mental e pelo fim da violência contra sujeitos em sofrimento psíquico e\ou diagnosticados com transtornos mentais graves e persistentes. A Verdade coletou depoimentos de usuários e trabalhadores do CAPS. 

Joana Queiros e Gabriela Scherf


SÃO PAULO –  Na cidade de São Paulo, centenas de pessoas se reuniram na tarde do dia 18 de maio para celebrar o dia nacional da luta antimanicomial. Em um ato que começou no vão do MASP, marchou até a praça do ciclista e retornou para o Parque Trianon, diversos usuários, profissionais dos serviços de saúde mental e estudantes, inclusive, os de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, que militam e constroem o Movimento Correnteza, bravejaram pelo fim do desmonte das políticas públicas em saúde mental e reivindicaram um cuidado não violento e centrado cada vez mais na liberdade dos sujeitos em sofrimento psíquico e\ou diagnosticados com transtornos mentais graves e persistentes.

A História da Loucura e o Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil

A criação da loucura como um problema da sociedade se deu como uma maneira de controlar e reprimir trabalhadores e trabalhadoras que produziam outras formas de ser e estar no mundo, que iam contra os interesses capitalistas de produção. O entendimento da loucura como uma doença nasce junto com a psiquiatria, no século XVIII, período em que é formulado o tratamentomoral, para os tidos como insanos, tratamento esse baseado na reclusão em manicômios, na figura do médico psiquiatra como soberana e numa rotina inflexível e violenta aos internados, uma vez que o ócio, isto é, a não produção e o não trabalho, era compreendido como uma razão para o surgimento da “doença”. Ademais, o diagnóstico era atravessado pelo racismo e a exploração de classes, pois a psiquiatria seguia um paradigma eugenista, que compreendia povos não brancos como mais propícios a se tornarem loucos, assim como pobres que não trabalhavam e/ou que apresentavam um uso abusivo de álcool e outras drogas, eram igualmente excluídos da vida em sociedade e trancados em manicômios. 

A Luta Antimanicomial surge a partir de uma recusa a esse tipo de tratamento, o que perpassa inevitavelmente por uma crítica à institucionalização dos sujeitos e a estrutura que sustenta a existência de hospícios. No Brasil, a luta cresceu junto com a Reforma Psiquiátrica, iniciada na década de 1970, e se concretizou graças à força do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, dos usuários, seus familiares, estudantes e professores. Além do mais, o motivo do dia 18 de maio ser o dia da Luta Antimanicomial, é porque a data marca as mobilizações em torno do fechamento de manicômios e a formalização de novas legislações, a implantação da rede de saúde mental e atenção psicossocial e da instauração de novas práticas no importante movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que tornou-se referência internacional. 

A reestruturação do cuidado em saúde mental se baseia na atenção psicossocial, perspectiva que nega o diagnóstico como ponto de partida e principal motivação do cuidado, bem como nega a abstinência e afirma a prática de redução de danos para casos que compreendam o uso abusivo de substâncias psicoativas. Assim, o sujeito, sua complexidade e contexto social são todos levados em consideração para a construção do projeto terapêutico singular (PTS). Portanto, o cuidado em liberdade se faz um pilar na Reforma Psiquiátrica Brasileira, um significativo número de leitos em hospitais psiquiátricos são fechados e, na década de 80, o cuidado dessas pessoas é transferido para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que fazem um trabalho territorializado e com o objetivo de reconstruir a cidadania dos usuários. No início do século XXI, a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) é publicada e promove mudanças estruturais no cuidado em saúde mental, abrangendo reivindicações da Luta Antimanicomial. A construção e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS) também acontece nesse período, incluindo diversos serviços e equipamentos que passam a integrar o cuidado em saúde mental da população. Inclusive, o CAPS Álcool e Drogas nasce a partir desse fortalecimento e da compreensão da questão como um assunto da área da saúde mental e assistência social.

Depoimentos do Ato da Luta Antimanicomial

Marcos Roberto de Camargo, usuário do CAPS 3 da Brasilândia, conta que foi a primeira vez que participou de um ato do movimento antimanicomial. Ele explica: “Este dia é muito importante para mim porque estão revolucionando o manicômio e vendo as melhorias para alimentação, moradia, luta e refúgio. Também para nós melhorarmos nossa situação de remédios, de nervosismo e de solidariedade”.

Evelyn Sayeg, psicóloga do CAPS 3 da Brasilândia, conta como foi muito empolgante participar deste ato, uma vez que fazia muito tempo que não levavam o povo para a rua por essa luta: “Foram 2 anos sem vir aqui manifestar, então foi muito emocionante encontrar todo mundo lá. Eu cheguei no CAPS a partir do Movimento Antimanicomial, minha formação foi feita na luta. Por meio do Bar Saci, um projeto de economia solidária, e por meio do movimento, eu fui me aproximando mais e mais da saúde mental e da discussão política. Reencontrar todo mundo foi muito bom.” Na sua opinião, esta manifestação teve uma potencialidade muito grande: “Hoje é dia de mobilização dos usuários e dos trabalhadores para retomar a discussão política que ficou muito estacionada. Durante a pandemia, percebemos como todos os processos de cuidado e saúde foram se individualizando, e inclusive o processo político.” A psicóloga nos conta que desde o ano passado, por meio das Conferências de Saúde Mental, o movimento vem tentando reconstruir esse lugar político com os usuários e com os trabalhadores, uma vez que faziam 10 anos que essas conferências não aconteciam. “É a questão do protagonismo do usuário que vinha sendo menos trabalhado, o foco estava muito em atendimento individual, algo nem tão presente antigamente nos CAPS. As outras ações de reabilitação psicossocial e de fortalecimento do protagonismo, de práticas expressivas acabaram ficando pouco trabalhadas, e esse ano a gente está tentando retomar tudo isso, 2022 está sendo um ano de muita movimentação nesse sentido.”, destaca ela.

Manifestantes exigem mais investimentos no CAPS. Foto: Reprodução

Desmonte das políticas públicas de Saúde Mental no Brasil

Com o governo Temer, entre 2016 e 2018, usuários e trabalhadores da RAPS enfrentaram os primeiros efeitos de mudanças protocoladas: o incentivo à internação psiquiátrica e ao financiamento de Comunidades Terapêuticas, realizadoras de um tratamento-moral com usuários de substâncias psicoativas, baseado na abstinência como única maneira de cura. Além da PEC da Morte, a emenda constitucional 95, que previu o congelamento do teto de gastos e colaborou para a estagnação da implementação de serviços de saúde de base comunitária. 

Com o Bolsonaro no poder, a situação piorou, algumas decisões que encaramos são o desmonte dos mecanismos de fiscalização de hospitais psiquiátricos, o enfraquecimento de serviços e equipes que mediaram a desinstitucionalização dos usuários em leitos, a revogação do Fórum Nacional sobre Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e das diretrizes sobre saúde mental indígina. Além de, também, acontecer uma negligência sobre as internações compulsórias de usuários de drogas e, inclusive, houve a transferência da responsabilidade da questão Álcool e Outras Drogas para o Ministério da Cidadania, que recentemente publicou um edital que incentiva a criação de leitos psiquiátricos para internação dessa população.

Importante ressaltar que o papel do hospício nesse cenário de desmonte e carestia, não é o de tratamento de loucos, mas de realizar a exclusão e gestão de populações que o estado capitalista não constrói políticas públicas de inclusão, trabalho, educação e saúde. É fundamental que não só os indivíduos que tenham relação com serviços de saúde mental, seja fazendo uso ou acompanhando familiares, estejam articulados com relação aos direitos que vêm sendo destituídos daqueles que são afetados por questões de transtornos mentais persistentes. 

O ato do dia 18 de maio foi e é bastante potente, mas é apenas um passo dos diversos que temos que dar para lutar por uma política de cuidados em saúde mental que compreenda os direitos humanos, além das relações de classe, raça, gênero e sexualidade também atravessadas pela loucura. Não podemos permitir um retrocesso, tal qual o que vem sendo forçado pelo governo desde 2016.  Todos aqueles que querem construir uma nova sociedade devem estar na linha de frente da luta antimanicomial. 

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