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domingo, 24 de novembro de 2024

O Neoliberalismo impulsiona a crise climática, não a natureza humana

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Reprodução/GettyImages

Como o ambientalismo anêmico nas rédeas do neoliberalismo contribui para soluções vazias e manutenção do modus operandi do capital.

Carlito Junior


Mogi das Cruzes (SP) – A lentidão da mudança climática é atrelada a uma narrativa inundada de fábulas, de que a crise se limita aos horizontes congelados do mais extremo dos hemisférios, onde os ursos polares sofrem e as focas rechonchudas não têm onde gerar seus filhotes. A crise é tragada pelo discurso de que, ao mesmo tempo que o clima extremo não afeta a humanidade, ainda assim a culpa é vinculada a ela.

Ouvimos desde pequenos que a culpa do mundo desmoronar sob nossos pés é exclusivamente nossa. Crescer com o peso da destruição planetária nas costas não é nada fácil, mas é disso que o neoliberalismo se utiliza para manter a cadeia de produção do capitalismo, ele atribui uma “natureza” à humanidade e assim transferindo a culpa para o indivíduo. 

O neoliberalismo na crise ecológica

Na definição do maior estudioso do neoliberalismo, David Harvey, é “um projeto de classe mascarado por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as virtudes da privatização, legitimando políticas destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista”. Em poucas palavras, a narrativa de que a culpa da crise climática é da humanidade está completamente vinculada a um projeto político da burguesia, privatizar os lucros e socializar os riscos. 

O projeto político do neoliberalismo, trazido à tona por Thatcher e Reagan, perseguiu dois objetivos principais. O mais importante foi desmantelar quaisquer barreiras ao exercício do poder privado irresponsável, resumindo: o poder do Estado deve proteger as instituições financeiras a todo custo. O neoliberalismo tem sido bem-sucedido, a julgar pela incrível centralização da riqueza, do poder observável e da destruição da natureza em todos os países que tomaram esse caminho.

A América Latina forneceu uma ampla arena para a experimentação e implementação de processos e políticas neoliberais. A mais infame experiência neoliberal se deu no Chile a partir da década de 70, com o estabelecimento de uma ditadura apoiada pelos EUA. Então não parou aí, a disseminação da privatização continental da terra, água, ecossistemas e instituições estatais engoliu a América Latina e diversos movimentos ecológicos surgiram dessa luta.

O neoliberalismo assume que a terra e outros recursos, como as florestas, são administrados de forma mais eficiente por iniciativas privadas, porém a realidade não corresponde com a teoria – como nos mostra a Guerra da Água na Bolívia. Assim, o neoliberalismo cria mercado onde não existe, até mesmo nos desastres naturais que assolam os trabalhadores.

Como o capital transformou os desastres ambientais em um grande negócio, o neoliberalismo tem como papel principal manter os lucros cada vez mais altos. Tomar como premissa de que o ser humano é o “animal mais violento” ou “é normal o homem destruir”, é cair numa ardilosa mentira de que a ideologia neoliberal utiliza para atribuir à humanidade uma “natureza”. E o discurso toma forma – se é natural, não temos o que fazer.

Atribuir uma responsabilidade individual sobre a crise climática é algo que o neoliberalismo tem feito com maestria. Ao rolar o feed das redes sociais ou em uma simples caminhada por um grande centro urbano, podemos nos deparar com mensagens: use canudos de inox, compre um painel solar, tome banho mais rápido e entre outras mais absurdas que a anterior. E são essas exortações generalizadas à ação individual – que parecem tão naturais quanto o ar que respiramos – que são disseminadas em anúncios corporativos, livros escolares e principalmente por grupos de ambientalistas vinculados à ideologia dominante. 

Ambientalismo anêmico e suas consequências

Temos os ambientalistas como grandes defensores das nossas florestas, rios, oceanos e nossa imensurável biodiversidade – Greenpeace e World Wild Fund for Nature são exemplos famosos de grandes ONGs que operam mundo afora. Entretanto, muitas dessas organizações ambientalistas operam sob as rédeas do neoliberalismo, justificando e defendendo as atrocidades que a ideologia impôs no mundo, especialmente o sul global. 

O termo “ambientalismo anêmico” vem justamente na tentativa de ilustrar como tais iniciativas acabam não tendo forças o suficiente para ajudar a favor das lutas ecológicas que estão completamente ligadas à emancipação da classe trabalhadora.  O ambientalismo anêmico vigente faz com que acreditemos que a riqueza pode ser um escudo contra as devastações do aquecimento, ao mesmo tempo que faz a população acreditar que ações isoladas solucionam problemas estruturais.

A WWF (World Wild Fund for Nature) – por exemplo -, é uma das principais apoiadoras de empresas que disseminam a fome (Cargill e Monsanto), que privatizam mananciais (Coca-Cola) e que são as principais causas do aquecimento global com suas emissões (Shell). Esse tipo de ambientalismo também possui um papel fundamental na criação de políticas públicas que beneficiam grupos ligados ao setores agrícolas e madeireiros em países subdesenvolvidos. 

A criação do termo “pegada de carbono” surgiu desse imperativo por uma política ambiental. Uma propaganda espalhada por ambientalistas que auxiliam na transferência de culpa – você estará preocupado demais com quanto carbono sua geladeira emite, assim a Shell não precisará diminuir a produção de petróleo -. Enquanto nos ocupamos em tornar nossas vidas pessoais mais verdes, as corporações de combustíveis fósseis estão tornando esses esforços irrelevantes.

Com enxurrada de ideias irrealistas para salvar o mundo – como os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, o neoliberalismo não apenas garantiu que essa agenda seja politicamente inalcançável, também tentou torná-la culturalmente impensável. Com a ideia de Thatcher de que “não existe sociedade”, a estigmatização da compaixão e da solidariedade desgastaram nossos laços coletivos. Em cima de toda essa carga ideológica-política, esse tipo de ambientalismo se sustenta fazendo com que comprássemos essa mentira.

A revolução como uma solução

Thatcher estava errada. A tomada da nossa coletividade está sendo recuperada com movimentos sociais que buscam trazer a emancipação da classe trabalhadora, somente a luta organizada é capaz de reaver um planeta que nós construímos e que dele vivemos, mas que nos foi roubado há tempos. O capital nos sufoca, se não houver a tomada de poder pela classe trabalhadora, veremos nossa classe morrer de fome antes de morrer de calor, enquanto a burguesia se esconde atrás de seus muros aguardando o fim com banquetes. 

Por muito tempo nos disseram que “não há alternativa”, que “uma maré alta levanta todos os barcos”, que vivemos em um mundo de pesadelo darwiniano de todos contra a “sobrevivência do mais adaptado”. Engolimos a ideia de que a tragédia da crise climática é comum, enquanto o capital segue com suas intermináveis ​​guerras de pilhagem. Acertaram em dizer que “não há alternativa”, porém com o neoliberalismo, a luta popular nos oferece muito mais que alternativas, nos oferece a chance de reconquistar a vida que outrora verdejava no planeta.

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