Professor de Governador Valadares é alvo de homofobia e fakenews

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Professor de artes é atacado por pais e recebe apoio de alunos, que organizaram abaixo-assinado em defesa da liberdade de que utilize linguagem neutra em suas falas.

Lucinete Andrade, educadora popular e militante do Movimento Olga Benario
Luciana Figueiredo, Movimento de Mulheres Olga Benario e Unidade Popular


GOVERNADOR VALADARES (MG) – Nas últimas semanas, Pyter Rodrigues, artista e professor de artes na Escola Estadual Diocesano, vem sofrendo uma série de ataques homofóbicos por parte de pais de estudantes e comunidade externa.

De acordo com o relato do professor, a situação se iniciou quando um pequeno grupo de alunos de uma turma de 3º ano se manifestou contra o uso de linguagem neutra ao iniciar uma aula, prática que o professor diz ter desde o início de seu trabalho. Esses alunos organizaram um documento exigindo a supressão desses termos na sala deles. Então, os estudantes do 8º ano criaram um outro abaixo-assinado, em defesa da liberdade de expressão de Pyter. Mas, diferente do ocorrido no ensino médio, os alunos do 8° ano foram advertidos pela vice-diretora, por “serem jovens demais”, segundo ela, teriam que pedir autorização dos pais para fazê-lo.

Após o conhecimento dos pais/responsáveis, um bilhete apócrifo com informações distorcidas e com teor homofóbico foi espalhado entre eles. A partir desse escrito, vários outros materiais difamatórios e descontextualizados começaram a ser compartilhados em grupos de whatsapp e outras redes sociais. Todo esse material fere diretamente a imagem e conduta de Pyter, que só deseja realizar o seu trabalho de acordo com a legislação educacional vigente.

Pyter denuncia que “uma mãe responsável por um/uma estudante, sem procurar a direção da escola ou a pessoa do professor, decidiu por conta própria criar um bilhete e entregar na porta da escola para todos os pais, afirmando que eu ‘estaria agindo como militante de uma ideologia trazendo divisão entre os alunos e se referindo ao movimento LGBTQIA+” . 

Vale ressaltar que nunca utilizei linguagem neutra nas minhas aulas, faço uso sim da linguagem neutra na minha fala e nunca obriguei ninguém a utilizá-la e nunca ensinei sobre ela na escola, mesmo tendo escrito os meus trabalhos de conclusão de curso, tanto da graduação como na especialização utilizando essa linguagem”, explica o professor. Leia o relato na íntegra ao final da matéria. 

Bilhete distribuído aos pais atacando Pyter.

Dentre os materiais produzidos por essas pessoas que atacam o educador, encontra-se um vídeo do educador em aula, vestindo uma saia que estaria contextualizada com o tema a ser ensinado: “O corpo nas artes Cênicas: Construção histórica e cultural do Corpo”. O vídeo, gravado sem seu consentimento por uma aluna e divulgado em grupos externos à escola, posteriormente foi editado com a inserção de um áudio com teor fortemente homofóbico e vexatório, causando constrangimento e ferindo a imagem do professor.  

A partir da atitude dessa aluna, Pyter registrou Boletim de Ocorrência no último dia 23 de agosto. Mas na sequência, conforme mencionado acima, esse material ganhou novas versões, acompanhados de textos ainda mais agressivos e segue sendo amplamente compartilhado em diversos grupos pela cidade. 

O educador acrescentou ainda que chegou a ser atacado também pelo vereador Cabo Amorim, no dia 01/09/2022, durante fala em sessão na câmara dos vereadores de Governador Valadares, na qual o parlamentar distorce os fatos, questionando com argumentos preconceituosos seu trabalho. 

O Movimento de Mulheres Olga Benario e a Unidade Popular pelo Socialismo (UP) prestam solidariedade ao professor, repudiando os ataques e ressaltando que “defender as crianças é também exercitar uma educação inclusiva, que abrange as diferenças, que acolhe, é criativa e que cultiva a solidariedade.”

Seguimos na luta por uma sociedade em que o respeito e a coletividade estejam sempre na ordem do dia!

“Nos últimos dias está circulando em redes sociais um vídeo que foi gravado sem consentimento, atrelado a informações infundadas e totalmente retiradas do contexto.  

Quando achamos que a pandemia veio para nos ensinar sobre o amor e o cuidado com o próximo, descobrimos que o ser humano não aprendeu nada sobre isso, tudo foi a penas por conveniência.  

Precisamos entender a gravidade da situação, a maioria das pessoas não se preocupam em ouvir o outro, em tentar entender os lados. Saiba que ouvir a penas uma versão dos fatos é omitir a verdade e a verdade não pode ser uma conveniência. 

Vamos então aos fatos? 

Em uma aula de Artes na turma do terceiro ano, como sempre fiz, entrei na sala e ao iniciar minha aula disse “Bom dia a todos, bom dia a todas e bom dia a todes”, não estava me dirigindo a alguém específico. Entendo que ao me dirigir a um grupo de pessoas diversas e na ocasião mais de 30 estudantes, preciso utilizar uma fala inclusiva e não excludente, pois não conheço todos e todas que ali estão.  

Nesse mesmo momento um grupo de estudante grita “Todes não”. Aproveitei esse momento para tentar entender a situação e ouvir os argumentos, mas eles não sabiam argumentar, percebi naquele momento que se tratava de um grupo que sem saber o que diziam, reproduziam falas preconceituosas e não fundamentadas.  

Ao final da minha aula esse pequeno grupo de estudantes procurou a direção da escola para reclamar da minha fala e criaram um abaixo assinado na escola solicitando que eu não mais utilizasse a linguagem neutra nas minhas aulas.  

Vale ressaltar aqui, que nunca utilizei linguagem neutra nas minhas aulas, faço uso sim da linguagem neutra na minha fala e nunca obriguei ninguém a atualizá-la e nunca ensinei sobre ela na escola, mesmo tendo escrito os meus trabalhos de conclusão de curso, tanto da graduação como na especialização utilizando essa linguagem.  

A lista do abaixo assinado passou nas salas da escola. 

Na minha aula de artes na turma do 8º ano, alunos e alunas perceberam que eu não estava bem com alguma coisa e já sabendo da situação pediram para que eu explicasse o ocorrido. Expliquei e logo disseram que iriam tomar uma providência, explanei que opressão não se acaba cometendo uma nova opressão e que violência não leva ninguém a lugar nenhum. Logo um aluno sugeriu que fosse criado um abaixo assinado contra o abaixo assinado. E eu informei que não poderia participar e dar opinião sobre isso, mais que todos e todas poderiam agir da melhor forma sem prejudicar ninguém.  

Assim foi feito, dias depois, uma aluna do 8º ano fez um abaixo assinado solicitando que eu utilizasse a linguagem neutra na escola, e começou a requerer que outros e outras estudantes assinassem. A direção ao perceber a movimentação dessa estudante a chamou para entender o que estava acontecendo e solicitou que conversasse com seus responsáveis sobre o assunto pois se tratava de estudante do ensino fundamental.  

Uma mãe responsável por um/uma estudante ao receber essas informações em casa, sem procurar a direção da escola ou a pessoa do professor, decidiu por conta própria criar um bilhete e entregar na porta da escola para todos os pais, nesse bilhete a mãe afirma que o ‘professor estaria agindo como militante de uma ideologia trazendo divisão entre os alunos e se referindo ao movimento LGBTQIA+’ solicitando que os pais entrassem em contato com a escola, coisa que ela não fez. Colocando dessa forma todos os pais contra o professor em questão e contra a escola.” 

Pyter Rodrigues, artista e professor de artes na Escola Estadual Diocesano