Ação solidária mobilizou estudantes da Universidade Federal Rural em Seropédica e denunciou descaso da Reitoria com alunos residentes no campus.
Ana Monteiro
Estudante da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
JUVENTUDE – No feriado do dia 2 de novembro, dia em que o Restaurante Universitário não abriu, o Movimento Correnteza da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro promoveu, em parceria com a UJR e o Movimento de Mulheres Olga Benario, a entrega de doações de alimentos e produtos de higiene para estudantes que moram nos alojamentos do campus Seropédica.
As doações prosseguiram até o dia seguinte e contaram com o apoio de diversos estudantes que entraram em contato com o Correnteza querendo doar e se identificando com a luta. Moradores da região também se solidarizaram doando numerosos recursos durante a arrecadação de porta em porta, uma semana antes, pelos bairros da cidade.
A ação ainda contou com colagem de cartazes ao redor do RU denunciando descasos da reitoria e reivindicando alimentação aos fins de semana e feriados, dias em que os alunos precisam “se virar” para se alimentar.
Algumas horas depois dessa atividade um poste pegou fogo, afetando o transformador e acarretando queda de energia total nos alojamentos universitários. Uma situação crítica que poderia ter ser evitada, pois foi ocasionada pelo rompimento de um fio no poste que ficou à deriva por dias e, mesmo após denúncias e pedidos de reparo para a empresa responsável, não foi concertado.
A falta de luz durou quase quatro dias e diversos alimentos estragaram na geladeira (dos alunos que ainda conseguem ter uma em seus quartos), afetando também a renda de estudantes que vendem comida na universidade para continuar seus estudos. A internet também caiu, impossibilitando os alojados de estudar. Nesses quase quatro dias sem energia, muitas estudantes tiveram o psicológico afetado por precisar transitar em corredores sem quaisquer iluminações.
Moradores dos alojamentos universitários estão abandonados
Os estudantes que vivem no alojamento da UFRRJ fazem parte de uma significativa parcela de alunos que dependem da assistência estudantil da universidade para ter suas necessidades mínimas atendidas. No entanto, sofrem há anos com promessas não cumpridas e políticas de negociações intermináveis, com obras há anos atrasadas, promessas de novos roteadores que nunca foram instalados e uma manutenção que não consegue trocar uma simples resistência de chuveiro.
Não é exagero dizer que esses estudantes carecem de incentivo e amparo para continuar estudando, ao passo que precisam sobreviver em uma infraestrutura precária em meio ao desamparo da reitoria, que não está preocupada com a evasão desses alunos. Muitos moradores relatam que problemas como a queda de energia são recorrentes e que a reitoria faz pouco caso da situação. Para piorar, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) é pouco ativo para receber e encaminhar essas denúncias, sendo ainda mais difícil saber para quem recorrer. Beatriz, militante do Correnteza e alojada desde 2018, explica que “há descaso em relação à reitoria porque eles não querem fornecer assistência estudantil necessária pra gente e o alojamento é muito importante para eu permanecer na universidade. Assim como eu, muitos estudantes só têm esse local como seu local de moradia mesmo, gente que passa de domingo a domingo lá, Natal, ano novo, tudo, seja por não ter muito contato com a família ou morar em outros estados”. Segundo ela, “para essas pessoas o alojamento é muito importante, sem ele eu não estaria na universidade”.
Periferia resiste
Muito além de um espaço geográfico, a periferia é também uma construção social. Esquecimento, pobreza, ignorância e violência são elementos que a estereotipam e é nesse contexto que a UFRRJ está inserida na Baixada Fluminense do RJ.
Com estudantes majoritariamente de baixa renda, é lá onde milhares de pessoas têm a oportunidade de mudar sua realidade familiar, sendo muitas vezes os primeiros membros da família a chegar na universidade. Ainda assim, a Rural, além de não oferecer auxílio permanência, tem os menores auxílios de todo o RJ e enfrenta barreiras de mobilidade por não possuir um passe livre intermunicipal.
Embora também sejam conhecidas assim, as periferias não são cidades dormitórios. É urgente desmistificar todos esses preconceitos que também reforçam estigmas sociais de grupos que tentam nos desmoralizar e descredibilizar a luta estudantil, como mostrou uma nota assinada por diversas coordenações manifestando solidariedade ao vice-reitor por ter comido uma quentinha azeda (de livre e espontânea vontade), mas que era oferecida para os alunos todos os dias. Onde está a solidariedade para com os estudantes? Onde está a solidariedade com os moradores da região que também dependem dessa comida?
A periferia é um lugar onde o conhecimento não dorme. Lá acordam todos os dias milhares de pessoas que continuam resistindo e fazendo desses espaços locais de luta, de revoluções cotidianas e efervescência de cultura.
É preciso seguir denunciando a tentativa de extinção da universidade gratuita e de qualidade em um país que é marcado pela exclusão. Esses descasos que vêm acontecendo na Rural não são espontâneos ou resultado de uma série de eventos que fogem do alcance. São, na verdade, parte de um projeto ainda maior que sucateia as estruturas da universidade para vender a ideia de sua ineficiência e assim abrir caminhos para a iniciativa privada como solução.
O movimento estudantil na Rural está presente e não vai deixar que as estratégias construídas coletivamente pelos estudantes sejam fragilizadas. Os militantes do Movimento Correnteza querem exercer seus direitos e vão continuar lutando para que todos tenham noção deles e, por essa razão, não aceitam mais que esses direitos continuem sendo banalizados pela reitoria. É inadmissível que os estudantes sejam relegados à própria sorte e tenham sua dignidade afrontada. A Rural é de luta, a Baixada é resistência e os alojados merecem respeito!