A lei 10.639/03 representou grandes avanços para superar uma falsa ideia de que o negro nada tinha de contribuição para a cultura nacional, sendo visto sempre como elemento de atraso.
Lucas Nascimento | Niterói – RJ
EDUCAÇÃO – O Brasil viveu por quase quatro séculos sob o regime da escravidão. Regime esse marcado pela super-exploração de povos originários, de negros e negras trazidos de África para trabalharem na condição de escravizados em todo o continente americano e, em especial, no Brasil. Alguns historiadores calculam um total de 12 milhões de mulheres, crianças e homens trazidos à força do continente africano para aqui serem explorados até a exaustão e, na maioria dos casos, até a morte.
A violência da escravidão – que nunca foi contraditória com o sistema capitalista – já foi demonstrada por uma vasta historiografia e que ajudou a superar a falsa ideia de que, no Brasil, as relações entre senhor e escravizado se deu de forma harmoniosa. Essa ideia de uma suposta relação sem conflitos foi responsável pela mentira de que em nosso país não haveria racismo, pois aqui as relações sociais se desenvolveram sob uma forte democracia racial.
Historiadores e intelectuais como Clóvis Moura demonstraram que, longe de uma democracia racial e relações sem conflitos, os povos escravizados sempre estiveram em oposição à sua condição de escravo, lutando de diversas maneiras para abolir essa condição imposta pelo aparato colonial português. A forma de luta mais conhecida desses escravizados foram os Quilombos e Mocambos, organizações autônomas e que se contrapunham ao modo de produção escravista colonial. O caso mais conhecido é o Quilombo de Palmares, que sobreviveu por quase 100 anos, resistindo a diversas incursões e colocando medo nas autoridades coloniais da época.
Além da violência física que o povo negro sempre sofreu e que é até hoje vítima, como são os casos de racismo que todos os dias assistimos nos noticiários, há outro tipo de violência que também para perpetuar o racismo estrutural brasileiro.
Por muito tempo, a versão oficial da história dos ‘’vencedores’’ sobre a escravidão relegou ao povo negro um lugar de submissão. Ela colocava o negro escravizado apenas como coisa, um agente passsivo e alheio a toda exploração que era vítima. Se fizermos uma análise dos livros didáticos de história do ensino básico, veremos que os negros e os povos indígenas aparecem em momentos específicos de toda a História do Brasil, como na escravidão e no ano de 1988, ano da promulgação da constituição pós-ditadura militar.
Quase nada se tem nesses livros sobre as formas de organização dos negros e indígenas no período republicano. As diversas frentes de luta antirracista, a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro (TEN), o primeiro candidato negro a presidência da República, Minervino de Oliveira, as lutas pela terra dos povos indígenas nas décadas de 50 e 60, o Movimento Negro Brasileiro entre outros. Quando aparecem, são apenas rapidamente descritos ou em notas de rodapé.
Lei foi implementada após luta do movimento negro brasileiro
A implementação da lei 10.639 de 2003 foi uma importante luta do Movimento Negro. Ela torna obrigatório o ensino da cultura e história afro-brasileira e africana em todos os níveis da educação. Essa lei representou grandes avanços para superar uma falsa ideia de que o negro nada tinha de contribuição para a cultura nacional, sendo visto sempre como elemento de atraso.
O impacto positivo que essa lei teve e tem na vida de milhares de crianças, jovens e adultos negros é muito grande. Pela primeira vez, os negros deveria ser apresentado como um agente histórico fundamental para a cultura nacional, sendo ele responsável também pelo fim da excravidão, questionando, asssim, a ideia de uma aristrocrata (princesa Isabel) como a responsável, a redentora, do fim da escravidão.
Apesar dos grandes avanços que essa lei trouxe para o ensino de história, ainda há alguns outros pontos que precisam de atenção especial para que haja uma completa efetivação desse dispositivo legal antirracista. Não basta que o Ministério da educação, as Secretarias estaduais e municipais e as escolas (em todos os níveis) lembrem de fazer valer esta lei apenas no dia 20 de novembro. É preciso que todos os órgãos de educação fomentem uma campanha continuada para que uma educação antirracista consiga cimentar suas bases. Só assim poderemos rumar a uma educação que seja libertadora e democrática, assim como sonhava o mestre Paulo Freire.
É preciso que haja uma formação continuada com todos os professores, de todas as matérias, para que busquem em suas práticas pedagógicas trazer intelectuais negros e negras, não ficando restrito apenas a professores de História. Uma educação antirracista é possível, desde que as condições oferecidas pelo Estado brasileiro sejam adequadas e que lutemos por uma outra sociedade livre do racismo e de qualquer outro tipo de opressão.