Em sociedades capitalistas, como o Brasil, empresas estatais são falsamente e frequentemente acusadas de concentrar esquemas de corrupção. O senso comum e enviesado de que a corrupção é um fenômeno que acontece exclusivamente no Estado ou setor público é tão fictício quanto a argumentação de que a privatização é o remédio milagroso para corrupção.
Pedro Caun e Alice Wakai
SÃO PAULO – Esta é uma propaganda enganosa criada pelos donos de grandes empresas para tomar para si a administração de recursos públicos e a demanda de bens essenciais como saúde, educação e infraestrutura. Com isso, a objetivo da empresa estatal de entregar um serviço de qualidade e acessível a todos é substituído pelo objetivo da empresa privada de obter lucro.
A utilização da máquina pública para o lucro de empresas privadas é comum e acontece porque empresas privadas que possuem objetivos e interesses próprios obtêm participação na gestão de recursos públicos que deveriam ser utilizados para o auxílio do povo e da manutenção do Estado.
Isso ocorre por meio da privatização de subsidiárias das empresas em áreas específicas como ocorreu com a Petrobrás no governo Bolsonaro ou pela abertura do capital das empresas estatais no mercado de ações que entrega parte da empresa para fundos de investidores. Esse processo também foi realizado com a Petrobrás, mas no governo de FHC.
Mas a privatização está longe de ser a solução para a corrupção e para os problemas enfrentados pela população para acessar serviços públicos de qualidade. Prova disso é que, no mundo todo, mais de 880 serviços privatizados foram reestatizados devidos aos altos preços e falta de qualidade, segundo o TNI (Transnational Institute).
Os países imperialistas que governaram no centro do capitalismo lideram a lista de reestatização, são eles: Alemanha, França, Estados Unidos, Reino Unido e Espanha. E os principais serviços afetados foram aqueles estratégicos como os de fornecimento de gás, água e energia. Essa foi a situação dos EUA que reverteram os contratos em alguns de seus principais estados como Flórida, Havaí, Minnesota, Texas e Nova York.
Já no Brasil, considerado periferia do capitalismo, serviços essenciais andam em constante processo de privatização e a população já sofre com seus resultados.
Em 2020, época que o país sofria com a pandemia do Covid-19, os habitantes do Amapá ficaram 17 dias sem energia por defeito no equipamento da concessionária, acarretando racionamento de água, vandalismo e perda de produtos alimentícios por falta de refrigeração.
Um caso emblemático que escancara os casos de corrupção no setor privado é o da POSTALIS (Fundo de pensão dos funcionários do Correios). Em 2018 conforme noticiado pelo site da Postalis o Fundo foi vítima de um golpe causado pelo BNY Mellon (banco internacional com sede em Nova York), que também era gestor do Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios CJP (ou FIDC CJP) no qual o POSTALIS era cotista – direitos creditórios são ativos nos quais as dívidas são convertidas em títulos e podem ser compradas para gerar renda fixa até sua quitação.
Em 2011 a NSG PG (fundo de investimento em direitos creditórios não padronizados) repassou ao FIDC CJP direitos creditórios de dívidas externas da Argentina e da Venezuela em um valor de R$70 milhões que renderia R$170 milhões até sua quitação. Isso geraria um total de R$100 milhões de lucro que seria distribuído entre a POSTALIS e aos demais cotistas.
Em 2014, ficou provado em uma ação judicial que o preço cobrado pela NSG PG era de R$13,8 milhões apenas. A diferença de R$ 56,7 milhões no valor de compra (ágio) não foi informado pelo BNY Mellon aos cotistas, como deveria ser feito.
O ágio superior a 400% e omitido pelo banco diminuiu o ganho do Instituto e dos demais cotistas, além de configurar uma quebra de confiança na relação com o BNY Mellon.
Depois de comprovado o golpe, diversos processos foram movidos nas justiças do Brasil e dos EUA a fim de recuperar o dinheiro roubado dos cotistas do FIDC CJP e punir o BNY Mellon. O valor dos Processos foi de R$250 milhões em 2015 a R$8,2 bilhões em maio de 2018.
De 2014 até os dias de hoje vem ocorrendo investigações que mostraram como a BNY Mellon utilizava de suborno para que os representantes da FIDC CJP a indicassem para gerir os ativos e atuasse no aconselhamento técnico jurídico da entidade. Mas, quando noticiado pela mídia hegemônica, o nome da BNY Mellon mal é citado e quando citado dificilmente é apontado como o culpado do esquema, em seu lugar os representantes subornados são usados como bodes expiatórios sendo que o mandatário do crime e seu principal beneficiário foi a BNY Mellon.
Nesse caso específico, o Fundo de Pensão dos funcionários dos Correios foi prejudicado, o que, consequentemente, prejudicou a segurança da aposentadoria dos trabalhadores da empresa. Nenhum funcionário público ou setor da empresa estatal teve responsabilidade. A corrupção foi toda promovida por empresas privadas, mais especificamente, banco de investimento.
Poderíamos citar uma lista enorme de grandes casos de corrupção em empresas estatais, como o “Trensalão”, em que empresas privadas formaram cartel para elevar o valor pago pelo Governo de São Paulo na contratação das obras do Metrô e de manutenção de trens, que levaram à denúncia e admissão de culpa pela empresa Siemens.
Não podemos esquecer da venda da Vale do Rio Doce, que foi entregue para investidores privados por um valor absurdamente abaixo do valor de mercado e da possibilidade de geração de lucro. O povo brasileiro foi assaltado para beneficiar empresas privadas e a privatização ainda levou aos crimes ambientais de Brumadinho e Mariana em Minas Gerais.
É urgente que os movimentos populares, pensando no acesso de toda população a serviços essenciais de qualidade, lutem pela reestatização das estatais privatizadas, pelo fim dos leilões do petróleo, pela revisão das concessões dos portos, aeroportos e estradas brasileiras que foram entregues a empresas privadas.
Avancemos na luta pelo fim das privatizações e sucateamento de serviços públicos!
Parabéns pela matéria companheiros!
E ainda tem o caso das Americanas agora desses últimos dias