Em 23 de setembro de 1973, 12 dias após a derrubada do governo socialista de Allende e do início de umas das mais brutais ditaduras que assolaram a América do Sul na segunda metade do século XX, faleceu um dos maiores poetas da língua espanhola: Ricardo Basoalto, mais conhecido pelo pseudônimo Pablo Neruda. A princípio, a causa noticiada foi um câncer de próstata que já acompanhava o autor há algum tempo, mas sempre houve a desconfiança de que ele havia sido assassinato por envenenamento.
Redação São Paulo
INTERNACIONAL – Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1971, Neruda teve uma vida dedicada à poesia e à militância, tendo sido um dos quadros mais famosos do Partido Comunista chileno. Suas convicções políticas eram explícitas em sua obra e em seus posicionamentos públicos, o que pode tê-lo tornado um dos maiores perigos para a consolidação do processo golpista e da ditadura de Pinochet.
Ao longo das últimas décadas, familiares e militantes que lutam pela memória do período ditatorial e por reparação não medem esforços para que a justiça seja feita, ainda que tardiamente.
Hoje (15), a quase 50 anos de sua morte, a verdade finalmente vem à tona, com a confirmação de que Neruda realmente foi envenenado, colocando mais um crime na conta da ditadura de Pinochet.
A investigação
Em 2011 foi aberta uma investigação judicial para esclarecer o tema sob responsabilidade do juiz Mario Carroza, responsável também por um conjunto de outras investigações abertas no ano anterior, direcionadas a violações de Direitos Humanos praticadas nos 17 anos de ditadura pinochetista.
O Partido Comunista Chileno, autor da ação e representado pelo advogado Eduardo Contreras, se baseou no fato de a clínica Santa María, onde faleceu Neruda, ter sido um local onde crimes de Estado foram cometidos e encobertos e na insistência de seu motorista e ajudante na época, Manuel Araya, ao defender a tese de envenenamento. Além disso, outras contradições reforçavam essas suspeitas, como uma matéria do jornal El Mercúrio, primeiro a noticiar a morte do escritor, onde afirmava que Neruda havia morrido após a aplicação de uma injeção.
Também foram apontadas contradições nos depoimentos de Sérgio Draper, médico da clínica que, nas época disse ter ficado ao lado do poeta enquanto agonizava, mas durante a nova investigação afirmou que não estava na clínica no horário de sua morte.
Em abril de 2013 seus restos mortais foram exumados e sete meses depois, em novembro, um grupo de especialistas formado por chilenos e estrangeiros descartou a possibilidade de envenenamento. Contudo, o juiz considerou os resultados não conclusivos e determinou a realização de novos exames, realizados no ano passado e que, em resultado divulgado hoje (15/02), onde os especialistas forenses apontam a presença da bactéria clostridium botulinum. Ela é responsável por causar o botulismo, uma doença neuroparalítica grave, que leva à morte por paralisia da musculatura respiratória.
Segundo Rodolfo Reyes, sobrinho do autor e um dos que sempre acreditaram na excepcionalidade de sua morte, os especialistas da Universidade McMaster, do Canadá, e da Universidade de Copenhague, responsáveis pelas análises, descartaram a hipótese de contaminação do cadáver pelo solo.
Vida, obra e militância de Neruda
Pablo Neruda nasceu em 12 de Julho de 1904, na cidade de Parral, e desde muito cedo manifestou seu talento para a escrita. Começou a ficar famoso por suas poesias aos 13 anos, tendo também escrito uma grande variedade de estilos, desde poemas surrealistas a manifestos abertamente políticos.
Se dedicou durante muito tempo à carreira diplomática e cumpriu um mandato como senador pelo Partido Comunista do Chile de 1945 a 48, quando o partido caiu na ilegalidade.
Escreveu poemas celebrando a vitória soviética em Stalingrado, denunciando a brutalidade franquista na Guerra Civil Espanhola e ovacionando Luis Carlos Prestes, que leu para mais de 100 mil pessoas no Estádio do Pacaembu, em 1950. Foi um comunista assumido que recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Oxford.
Uma figura pública com o destaque que Neruda possuía era uma potencial ameaça para os golpistas chilenos, uma vez que poderia denunciar amplamente os crimes perpetrados pelos militares com o apoio de Washington e a colaboração da ditadura vizinha, do Brasil.
Logo, sua eliminação se tornou uma necessidade de primeira ordem do regime ditatorial imposto por Pinochet e que serviria de teste para o desenvolvimento e implantação da ideologia neoliberal nas décadas seguintes.
Podemos dizer que Neruda, de certa forma, morreu sim de câncer: foi vitimado pelo câncer do autoritarismo e da herança colonial latino-americana, agravado pelo Imperialismo dos EUA.
PABLO NERUDA VIVE!
AGORA E SEMPRE!