Após mobilização, mandato de vereador racista de Caxias do Sul (RS) entra em processo de cassação

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O mandato do vereador Sandro Fantinel (Ex-Patriota), que defendeu no plenário o trabalho escravo no Rio Grande do Sul, entrou em processo de cassação após mobilização popular.

Luiz Cláudio de Paiva Júnior*


BRASIL – Na manhã da última quinta-feira (2), a Unidade Popular fez presença na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul para exigir a cassação do vereador Sandro Fantinel (Ex-Patriota), que defendeu no plenário o trabalho escravo no Rio Grande do Sul.

O discurso ocorreu no dia 28 de fevereiro na Câmara Municipal onde fez colocações de manifestações racistas e xenofóbicas. O vereador de extrema direita Sandro Fantinel, em feroz defesa dos empresários agroindustriais da Serra Gaúcha (vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi) que fizeram uso de mão de obra análoga à escravidão por intermédio de empresa terceirizada. Seu discurso convocou os empresários da região a não contratarem mais “aquela gente lá de cima” e substituí-los por argentinos, os quais ele considera “limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantém a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão”.

Na sua raivosa manifestação, o parlamentar caxiense ainda continuou a difamação do povo baiano, dizendo que sua “única cultura é viver na praia tocando tambor” e que “aquele povo que é acostumado com Carnaval e festa” tem a intenção de “trabalhar 10, 15, 20 dias e receber 60 [dias]”. Diante de mais um caso de racismo e xenofobia no Sul, militantes do movimento negro, partidos políticos de esquerda, entidades estudantis e sindicais e movimentos populares ocuparam o plenário da Câmara para exigir a cassação do vereador fascista.

Priscila Voigt, Presidente Estadual da UP/RS, afirma que “Não podemos aceitar a continuação da naturalização dessas situações no nosso país, precisamos conscientizar e organizar nossa classe trabalhadora para lutar contra todas as opressões e colocar seus responsáveis na lata de lixo da história. Após pressão popular foi aprovada a abertura do processo de cassação do vereador fascista Sandro Fantinel, isso foi uma importante vitória, mas precisamos garantir que ele seja cassado e preso pelos crimes que cometeu. Além disso, precisamos seguir nossa campanha de punição para Bolsonaro e seus cúmplices golpistas que estão inclusive na própria câmara de vereadores de Caxias do Sul”, conclui.

O racismo estrutural é uma herança sociedade escravocrata

O Brasil carrega uma história de 300 anos de escravidão. Dentre os países da América, o nosso foi o último a abolir a escravidão negra formalmente, em 1888.  Isso quer dizer, que até 130 anos, os negros traficados eram mantidos em condições subumanas de trabalho, sem remuneração e debaixo de açoite. Depois de mais de um século, ficou enraizado no inconsciente coletivo da sociedade brasileira um pensamento que marginaliza as pessoas negras, as impede de se constituírem como cidadãs plenas. Devido esse processo histórico, em nosso país, os negros representam 75% das vítimas de homicídio, segundo o Atlas da Violência de 2021. São maioria, também, em meio à camada mais pobre da população: dos 10% de brasileiros mais pobres, 75% são negros, segundo o IBGE.

Exemplo desse racismo estrutural foram as declarações do vereador que evidenciam na verdade um profundo ódio à classe trabalhadora brasileira.  Para a antropóloga Elisete Zanlorenzi (USP), na sua tese “O mito da preguiça baiana”, defende que esse estereótipo tem origem histórica nos tempos da nossa economia escravocrata e foi engendrado pela elite da Bahia com o objetivo de depreciar os negros, como reação à abolição, mas que não tem base na realidade, citando exemplos como o de uma empresa com sede próxima a Salvador que registrou menos faltas de funcionários durante o Carnaval de 1994 do que sua filial de São Paulo.

A Bahia é o 5º maior Estado brasileiro, possui grande e rica diversidade geográfica, econômica e cultural e foi um dos maiores fornecedores de mão de obra para a construção de toda a infraestrutura da região metropolitana de São Paulo e para o integral funcionamento da maior economia do país. Todos esses trabalhadores, iludidos com promessas de prosperidade, foram intensamente explorados pelo empresariado do Sudeste e do Sul, derramando suor e sangue para construir, a troco de baixos salários e muita humilhação, o que hoje é tido como padrão de desenvolvimento econômico para o Brasil.

Na realidade isso se constitui mais um preconceito com raízes no racismo contra a população negra, herdado dos mais de 3 séculos de escravidão por aqui (lembrando que a Bahia é a região do mundo que concentra a maior população de negros fora do continente africano).  É urgente que todas as forças políticas que dizem defender a democracia posicionem-se firme e imediatamente pela cassação do mandato do infrator, em razão do flagrante crime de racismo descrito na Lei 7.716/89 (resultante de discriminação em razão da procedência nacional).

Os cidadãos caxienses que não querem ser identificados com a inominável conduta do vereador fascista têm a obrigação moral de repudiar a ação e exigir do parlamento municipal o imediato afastamento do infrator, em defesa da dignidade humana e dos princípios democráticos constitucionais. 

Não podemos mais aceitar que pleno século XXI, os negros, nordestinos e trabalhadores sejam colocados em condições análogas à escravidão, muito menos sofrerem qualquer tipo de discriminação. Só a luta mudará esse sistema racista, capitalista e opressor.

*Militante da UP de Caxias do Sul