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quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

1964: Exército usou desinformação contra a população civil

1964: Exército usou desinformação como arma de guerra contra a população civil. E ainda usa.

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Luiz Cláudio de Paiva Júnior | Caxias do Sul (RS)


OPINIÃO – No dia 1º de abril completou-se 59 anos do golpe militar-empresarial de 1964, que instituiu uma ditadura fascista no Brasil com duas décadas de terror contra a população. Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram comprovadamente assassinadas ou vítimas de desaparecimento forçado pelo Estado brasileiro no período, como medidas de repressão a adversários políticos do regime. Mais de 8 mil indígenas foram mortos por resistirem aos empreendimentos dos militares nas terras em que habitavam. Também, milhares de pessoas sofreram prisão arbitrária (fora das hipóteses previstas na lei), foram barbaramente torturadas, perseguidas, exiladas ou tiveram seus direitos políticos cassados. A imprensa foi censurada, entidades estudantis foram reprimidas, o Congresso Nacional dissolvido e muitos parlamentares tiveram seus mandatos cassados. Além de tudo, os militares colocaram os sindicatos sob intervenção e perseguiram lideranças sindicais e todas as organizações operárias e camponesas, tudo para promover um duradouro congelamento salarial em benefício apenas da burguesia que apoiou o golpe.

Diante desse cenário tenebroso, deve-se questionar como foi que amplos setores da sociedade civil deram algum tipo de apoio ao golpe (e muitos continuaram apoiando após), ou ao menos não resistiram decididamente, e confiaram às Forças Armadas o destino da nação, o que nem de longe era sua atribuição. A resposta pode estar no clima de medo e desconfiança criado propositalmente ao longo dos anos que antecederam aquele período.

O principal instrumento de propaganda associado aos militares foi o complexo IPES/IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Essas entidades formaram uma rede de desinformação direcionada a instalar um “pânico anticomunista” na sociedade brasileira, buscando criar a base social de aceitação a um golpe militar. O núcleo de conspiração golpista foi fortemente financiado por empresários estrangeiros e nacionais, além da CIA (agência de inteligência estadunidense) e do IRD (departamento secreto de propaganda do governo britânico durante a Guerra Fria). O IPES/IBAD financiava a produção de filmes e documentários, panfletos, revistas, pesquisas, atuava nos quartéis e até mesmo corrompia deputados. Todo o trabalho da rede de desinformação visava a deslegitimar o governo do presidente João Goulart e a demonizar os comunistas, então apoiadores das reformas de base pretendidas pelo governo e que muito beneficiariam os trabalhadores do campo e da cidade, os estudantes e toda a população pobre do país.

A estratégia não era inédita na história do nosso país. Em 1937 um documento falsificado que descrevia um suposto plano de tomada violenta do poder pelos comunistas foi usado pelos generais como pretexto para a instalação da ditadura do Estado Novo. O documento, que ficou conhecido como Plano Cohen, era de autoria do capitão do Exército Olímpio Mourão Filho e continha uma mistura de anticomunismo e antissemitismo, por conta da inspiração abertamente nazista da Ação Integralista Brasileira, organização à qual o autor do documento integrava. Tudo foi planejado para instalar um clima de insegurança e instabilidade para a ruptura democrática que viria a seguir.

Muito depois do fim da Ditadura, há fortes indícios de que o Exército vem usando semelhantes expedientes para continuar a exercer seu autoritarismo sem precisar pôr os tanques nas ruas. Os militares contam hoje com o 1º Batalhão de Operações Psicológicas (1º B Op Psc), com sede em Goiânia/GO, formado no Curso Avançado de Operações Psicológicas (CAOP), única organização militar desse tipo na América Latina, segundo o site do órgão. A fundamentação teórica para essa forma de atuação é o Manual de Campanha para Operações Psicológicas aprovado em 1999 pelo Estado-Maior do Exército.

No documento estão relacionadas inúmeras técnicas de intervenção sobre determinados públicos-alvo com a finalidade de modificar sua percepção da realidade e, por consequência, alterar seu comportamento social. Embora trate de táticas de guerra, é conhecida a tradição das Forças Armadas Brasileiras de voltar sua repressão contra um certo “inimigo interno”, desde a adoção da Doutrina de Segurança Nacional, absorvida pelos militares brasileiros em cursos de formação ministrados pelo governo dos Estados Unidos durante a Guerra Fria para assegurar a hegemonia do sistema capitalista.

As técnicas de propaganda ensinadas no manual incluem: imputar ao adversário erros, crimes, barbaridades e crueldades, mesmo que não sejam verdades; utilizar exageros e palavras com alta conotação emotiva, como “paz, honra e liberdade”, com frases e expressões vagas, de modo a sugerir diferentes ideias a diferentes pessoas; usar palavras como “lar, filhos e família” para produzir reação emocional favorável naqueles que as ouvem ou lêem; atacar diretamente a reputação e a credibilidade de figuras, instituições e filosofias; repetir mentiras de forma orquestrada e sistemática até que sejam confundidas com a verdade; difundir boatos (“recurso de influenciação psicológica de grande eficiência”); fomentar polarização (“Quem não está do nosso lado está contra nós”); ataques pessoais difamatórios ou sarcásticos a pessoas, ideias e instituições, com o fim de criar ou estimular ódios, descrenças ou preconceitos; endemoniamento e/ou desumanização do adversário; entre outras.

Não é difícil associar essa lista de técnicas de guerra psicológica com a estratégia ilegal e imoral usada pelo bolsonarismo tanto durante as últimas campanhas eleitorais como ao longo de todo o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, consistente no uso sistemático de notícias falsas, boatos, demonização de adversários políticos e da retórica falsa da defesa da família, da pátria e da religião. Com uma enorme e organizada estrutura de difusão de desinformação, de medo e de ódio, a qual ficou conhecida como “gabinete do ódio”, abusando de disparos em massa de mensagens pelas redes sociais, o bolsonarismo criou uma relevante base social de apoio a um governo autoritário com protagonismo dos generais.

E a essa altura está evidente que Bolsonaro, longe de ser um mero acidente de percurso da democracia brasileira, representou na verdade um projeto eleitoral dos militares, que viram na sua liderança carismática um veículo para retornarem ao governo com força (20 mil militares ocupavam cargos no Executivo em janeiro deste ano, segundo levantamento divulgado pelo deputado federal José Guimarães, líder do PT na Câmara). Mesmo após a derrota eleitoral do candidato do “partido fardado” (termo que se popularizou no contexto de forte politização das Forças Armadas), os militares ainda apostaram em uma ruptura institucional, como mostra o insistente questionamento do Ministério da Defesa sobre a lisura das urnas e o conluio do Exército com a turba que protagonizou os atentados em Brasília no dia 8 de janeiro (um batalhão do Exército impediu a PMDF de retirar bolsonaristas do Quartel-General em Brasília, colocando tanques blindados no caminho).
Os episódios históricos descritos nos levam a acreditar, portanto, que o Exército Brasileiro continua a fazer uso de sua expertise em operações psicológicas para despolitizar a população e criar pânico social e moral, a fim de abrir caminho à construção do projeto de poder ilegítimo dos militares.

Mais: a história recente da nossa política revela que as instituições da democracia burguesa são incapazes de defender nosso povo inclusive dos ataques silenciosos dos militares. Além disso, a própria burguesia brasileira e estrangeira é sempre muito disposta a apoiar esse tipo de trapaça contra a democracia se isso for condição para a manutenção e crescimento de suas taxas de lucro. Só a classe trabalhadora organizada e armada de teoria e da prática política consequente é capaz de blindar o povo oprimido desse país contra os ardis das classes dominantes.

*militante da Unidade Popular

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