Desde o momento em que uma pessoa entra em algum curso de TI, é bombardeada por ideias individualistas e neoliberais.
Luis Bravin e Vinicius de Paula Silva* – Diadema
TRABALHADOR UNIDO – Nos últimos meses, assim como no início do ano passado, temos visto a grande quantidade de pessoas que foram demitidas por empresas que controlam e influenciam o mercado de tecnologia a nível mundial e vão desde as chamadas “big techs” até startups. Esse problema traz à tona um debate muito pouco pautado por funcionários de TI (Tecnologia da Informação) no mundo todo: a importância de uma luta sindical presente na base.
Desde o momento em que uma pessoa entra em algum curso de TI, é bombardeada por ideias individualistas e neoliberais. Nos é vendida a ideia de que devemos ser o próximo Steve Jobs, Bill Gates, Elon Musk ou Mark Zuckerberg, que devemos para ontem provocar mudanças na indústria.
Somos colocados para fazer matérias como empreendedorismo e lógica de mercado, ouvimos de nossos professores que as profissões em PJ (Pessoas Jurídica) são o futuro. Essas informações nos acompanham até o trabalho em si, com chefes e companheiros informando o mesmo, porém no momento que colocamos os pés no trabalho começamos a cair na realidade.
Muitos de nós estão acostumados a trabalhar além do horário combinado, acordar de madrugada para corrigir um bug no código ou algum problema no servidor, nos colocam para ficar horas sem descanso olhando para uma tela para cumprir metas surrealmente curtas de entrega – não importa a condição que estamos o importante é entregar o programa para o cliente –, além de mudanças no plano que vêm em cima da hora. Mas todos esses problemas são passados de lado porque “recebemos um salário bom”.
A ideia de receber um salário bom no mercado de tecnologia é um senso comum propagado em todos os lugares e, dependendo da área onde você conseguir se encaixar, até pode ser realidade, porém devemos falar também um pouco mais sobre quais são as dores dessa área.
O primeiro grande problema que podemos deixar claro aqui é a dor de entrar no mercado de trabalho. Apesar do mercado de tecnologia possuir um déficit absurdo de funcionários devemos destacar também que parte desse problema existe por ser extremamente difícil conseguir uma oportunidade.
Empresas querem profissionais experientes, mas profissionais experientes custam muito caro, então diversas pessoas são obrigadas a tentar se alocar em ambientes terríveis para poder dizer que possuem o mínimo de experiência.
Quantidades absurdas de trabalho também são uma dor comum na vida de quem trabalha com tecnologia. Durante cursos menores – e até longas faculdades – nós aprendemos o básico sobre nossa função e ao chegar no trabalho não chega nem próximo de ser suficiente, então precisamos nos dedicar de corpo e alma para entender os desafios, abdicar de momentos de nossas vidas pessoais e passar incontáveis horas a mais além da jornada de trabalho.
Problemas psicológicos na área de tecnologia, hoje em dia, também são considerados comuns. Não é raro ser ou conhecer alguém que devido a sua carreira na área já passou ou passa por problemas psicológicos devido às dores enfrentadas, dia após dia.
Apesar de ser um fato reconhecido, a filosofia neoliberal que nos cerca nos faz pensar que isso é algo comum e que devemos sempre culpar o indivíduo, considerando que as coisas à sua volta são imutáveis, mas aqui fica uma provocação: é possível tratar uma pessoa e devolvê-la a um ambiente doente?
“Pejotização” por diversos profissionais é considerada a bala de prata para os problemas do setor de tecnologia, mas é também uma grande dor. A pejotização é a última novidade que anos e anos de ideologia neoliberal no concedeu.
Esse modo de exploração consiste em jogar toda a responsabilidade que a empresa tinha com o funcionário em cima do próprio funcionário – plano de saúde, plano odontológico, seguro de vida, décimo terceiro, vale alimentação, vale refeição, vale transporte, etc. tudo custeado pelo próprio trabalhador alegando que ele é uma pequena empresa.
Além da ideia de uma única pessoa conseguir arcar com as responsabilidades de uma empresa e com as suas responsabilidades profissionais ser no mínimo desgastante, gostaria de deixar aqui questionamentos para quem considera esse método como solução.
Já que o trabalhador é considerado uma pequena empresa ele pode fazer seu próprio horário de trabalho? Ele consegue ter a liberdade que uma empresa tem de prestar serviço em mais de um lugar? E se ele tem as duas questões anteriores, a quantidade de trabalho que é oferecida a ele por uma empresa permite essas liberdades? Essas são coisas interessantes de serem pensadas antes de considerar esse método solução.
Outro problema enfrentado é a terceirização da categoria. Nesse modelo de trabalho, que tem crescido muito nos últimos anos, os profissionais de TI trabalham sobre coação para que façam mais ganhando menos, sempre no limite da demissão e podendo ser substituído a partir da decisão de duas pessoas.
Os profissionais nessas condições aceitam péssimas condições de trabalho e recebem o mínimo possível, muitas vezes assumindo todo o TI de empresas enormes – desde a infra, programação até o suporte ao usuário, sem receber devidamente pelo trabalho.
Quando não temos um sindicato forte para defender os trabalhadores, as empresas fazem o máximo possível para extrair a maior quantidade de mais-valia de nosso trabalho e mais precarizada são nossas condições.
Muitos técnicos de TI não sabem nem mesmo que possuem um sindicato e quando sabem são forçados e empurrados para negar a contribuição e muito menos participar.
Porém de nada adianta um sindicato que não esteja ativamente lutando e pautando questões importantes nas empresas. Assim como um partido, um sindicato deve ter sua presença na base e por mais que tenha conquistado algumas lutas importantes o sindicato deve ser uma ferramenta da classe trabalhadora para a conquista de novos direitos e para formação política do trabalhador.
A luta pela unificação da classe que trabalha com TI para a formação de um sindicato representativo e eficiente é essencial para a garantia de nossos direitos e melhora das condições de trabalho.
A regulação para cada nível de experiência (impedindo que empresas cobrem quantidade de conhecimento de um estagiário como se ele fosse sênior), pagamento do adicional noturno caso haja necessidade de trabalhar à noite, direito de descansar e receber em banco de horas, são alguns exemplos de lutas que podemos debater e tornar realidade.
Vamos se opor às injustiças de forma organizada! Afinal, o proletariado tem como única arma, na sua luta pelo poder, a organização.
*Luis e Vinicius são militantes da Unidade Popular