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domingo, 24 de novembro de 2024

A organização do povo negro: condição fundamental para a construção da revolução

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Devemos construir um verdadeiro trabalho revolucionário entre os negros das fábricas, favelas, bairros pobres e onde for que essa gigantesca massa se encontre, chamando para as fileiras do Partido os melhores representantes do movimento revolucionário das massas trabalhadoras negras.

Gabriel GB | Militante do Movimento Negro Perifa Zumbi (RJ)


OPINIÃO – A escravidão dos negros e dos povos indígenas é elemento fundante da sociedade brasileira. Estima-se que ao menos 8 milhões de africanos desembarcaram no Brasil entre os anos de 1600 e 1850 para desempenhar trabalhos forçados em nosso solo. Por outro lado, apesar da mentira espalhada por séculos de que a mão de obra indígena não tinha serventia para os dominadores e de que os Jesuítas pressionaram Portugal para que se estabelecesse leis proibindo a escravidão indígena, documentos do século 17 apontam que ao menos 300 mil indígenas foram escravizados pela Coroa portuguesa.

A escravidão não aconteceu por acaso. O lucro com o tráfico de escravos para o Brasil variava de 600% a 1200%1, ou seja, foi em nome do lucro, em benefício de uma minoria e com a participação efetiva de seus governos, banqueiros, capitalistas industriais e grandes comerciantes que países como Portugal, França, Inglaterra, entre outros, dominaram e subjugaram diversos povos do continente africano e das Américas.

Para o sociólogo marxista brasileiro Clóvis Moura o tráfico negreiro foi o principal responsável pelo crescimento demográfico e econômico do país durante os anos do Brasil Colônia. Portanto, a luta dos escravizados contra o regime vigente naquele período se configurava como luta de classes, pois desempenhava um papel importantíssimo na formação da classe trabalhadora.

As levas sucessivas de escravos que entravam pelos diversos portos eram, de um lado, o elemento fundamental da expansão econômica da Colônia, criando a renda global que era canalizada para fora, e, de outro, a argamassa principal da expansão demográfica verificada então.”

E mais adiante:

A existência da escravidão nas colônias proporcionou o desenvolvimento do capitalismo industrial nas metrópoles. Podemos dizer, portanto, que, como cimento dos alicerces da sociedade capitalista, a escravidão, durante um período de tempo relativamente longo, foi um dos seus elementos mais importantes.”2

Ou seja, no Brasil, as relações raciais são um fator de contradição central e isso se dá pela forma como se desenvolveu o capitalismo em nosso país.

A visão dos comunistas sobre a luta do povo negro

Como não poderia deixar de ser, os comunistas sempre deram à luta antirracista sua devida importância. Firmando seu compromisso com o combate ao colonialismo e todas as demonstrações de racismo, a Internacional Comunista aprovou em seu 4º Congresso, realizado em Moscou, em 1922 (ou seja, há mais de 100 anos), uma Resolução Política Sobre a Questão Racial, onde presta apoio incondicional à luta dos povos oprimidos e afirma que “o inimigo da raça negra e o inimigo dos trabalhadores brancos são o mesmo: o capitalismo e o imperialismo3.

A resolução afirmou ainda que a Internacional Comunista “não é apenas uma organização dos trabalhadores escravizados brancos da Europa e da América, mas é também uma organização dos povos oprimidos não-brancos do mundo, que assim incentiva e apoia as organizações internacionais dos negros na sua luta contra o inimigo comum”4. Vemos, então, que apesar do esforço da burguesia em taxar os comunistas e, de forma mais ampla, o marxismo, como “um pensamento eurocêntrico” na tentativa de impedir que o povo negro se organize e combata seus verdadeiros algozes, o marxismo se mostra, na realidade, a ciência imortal do proletariado (branco e não-branco), uma ciência aplicável à realidade específica de cada país, que compreende e impulsiona a luta dos povos e nações que sofrem a opressão racial ao redor do mundo. Mais do que isso: os marxistas-leninistas sempre pautaram a necessidade do fim do racismo e a construção do trabalho revolucionário junto ao povo negro como essencial para a construção da revolução, como mostra a carta da 3º Internacional ao Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, em 1933:

As tarefas do Partido nesse sentido são: a) lutar decididamente contra a subestimação da questão nacional, defender a palavra de ordem leninista do ‘direito dos povos à secessão’ e combater toda e qualquer deturpação desse princípio; b) chamar às fileiras do Partido os melhores representantes do movimento revolucionário das massas trabalhadoras negras e indígenas; c) articular a luta por reivindicações parciais à luta pela libertação nacional dos trabalhadores negros e índios (exigir iguais condições de trabalho aos operários de todas as nacionalidades, a abolição do trabalho forçado dos índios, etc.”5

Vemos aqui, então, a linha adotada pelos revolucionários frente ao problema do povo negro brasileiro. É fundamental ressaltar que a luta contra a opressão racial esteve sempre ligada (como não poderia deixar de ser) ao conflito entre as classes antagônicas. A burguesia brasileira é composta pelos descendentes daqueles que comercializavam corpos africanos nos portos. Tendo o Brasil uma escravidão tardia – na primeira metade do século 18, enquanto boa parte do mundo proibia o tráfico negreiro, o Rio de Janeiro despontava como o maior porto de escravos do mundo – e nenhuma política de reparação pelos quase 400 anos de trabalho compulsivo nas lavouras, o país perpetua sua base no racismo sistêmico onde a classe dominante, branca, detém os meios de produção e lucra com a escravidão assalariada de uma imensa massa de trabalhadores negros, brancos e indígenas.

Desigualdade entre negros e brancos na atualidade

Com o objetivo de se perpetuar no poder, a burguesia se utiliza da superestrutura para impor sua ideologia e manter a exploração dos trabalhadores. Para concluir seu objetivo com êxito tem a necessidade de realizar a manutenção da desigualdade entre trabalhadores negros e brancos, o que joga a população negra, em especial as mulheres negras, nas piores condições de trabalho e no que chamamos de exército de reserva do capitalismo.

Segundo dados do IBGE, mulheres negras recebem 57% a menos do que homens brancos para exercer o mesmo trabalho. Essa desigualdade salarial cumpre uma função objetiva e também ideológica no capitalismo. Mantendo a desigualdade de salários, o burguês alimenta, de um lado, uma falsa sensação de superioridade no trabalhador branco e o faz acreditar que sua situação não é tão ruim, pois ele ainda mantém algum nível de vantagem e “privilégios” em relação à trabalhadora negra. Este aspecto cumpre uma função ideológica e, nesta limitada condição, o trabalhador branco se “beneficia” do racismo, não se mobilizando de imediato para destruí-lo.

Por outro lado, o burguês, com a desigualdade salarial entre negros e brancos, rebaixa a condição de vida dos próprios trabalhadores brancos sem que estes percebam, já que com o elevado índice de desemprego (21,5 milhões de pessoas no Brasil, sendo 65% destas negras) e com o rebaixamento dos salários o poder de barganha, o direito de greve e reivindicações econômicas do trabalhador branco ficam prejudicados. Neste momento o trabalhador branco nota que o fim do racismo é essencial para sua própria libertação, pois ambos – trabalhadores negros e brancos – compõem a mesma classe no modo de produção capitalista.

Entretanto, não é apenas no mercado de trabalho que o racismo se manifesta, senão em todos os aspectos da sociedade. Hoje, a cada três pessoas presas no Brasil, ao menos duas são negras6; a violência policial atinge especialmente jovens negros que residem nas periferias das grandes metrópoles do país e a violência obstétrica atinge mais as gestantes negras. Isso para citar apenas alguns dados em que a população negra dispara na frente.

Os desafios dos revolucionários na atualidade

Chegamos então ao desafio central dos comunistas diante do problema racial na atualidade. Compreendendo o papel que a escravidão – e por consequência o racismo – desempenhou para a acumulação primitiva do capital e desenvolvimento do capitalismo não só no Brasil, como também no mundo, e compreendendo a função que o mesmo exerce para a manutenção das relações de produção baseadas na exploração de seres humanos, é fundamental que lutemos pelo fim da escravidão assalariada e pela construção da sociedade socialista no lugar do capitalismo. Isso não quer dizer que com a revolução socialista instaurada o racismo acabará imediatamente, mas quer dizer que serão estabelecidas novas relações de produção, não mais baseadas na exploração e sim na colaboração entre seres humanos, dando as verdadeiras condições para o fim do racismo.

Mas isso também não significa que devemos esperar a revolução para construir a luta antirracista. Pelo contrário, devemos seguir a linha dada pela Internacional Comunista e construir um verdadeiro trabalho revolucionário entre os negros das fábricas, favelas, bairros pobres e onde for que essa gigantesca massa se encontre. Devemos chamar às fileiras do Partido os melhores representantes do movimento revolucionário das massas trabalhadoras negras e, mais do que isso, uma vez dentro de nossa organização, é nosso papel dar as condições materiais para que esses militantes negros se desenvolvam e ocupem cargos de direção nas nossas organizações. É fato que a população negra constrói desde sempre a base, o pilar dos movimentos sociais, mas dentro da ordem de partidos e organizações da social-democracia, mesmo se colocando no campo da esquerda, não vemos a formação de lideranças partidárias negras, o que faz com que a base tenha um rosto e a direção tenha outro, não identificando-se entre si. É necessário que o dirigente comunista compreenda que, pelas condições impostas à população negra, a pessoa negra encontrará, de maneira geral, mais dificuldade de se organizar para a luta e, uma vez organizada, encontrará dificuldades para seu desenvolvimento político que não serão enfrentadas por um militante branco. Cabe a nós conhecer a história de luta do povo negro, em especial no Brasil, pautar a luta antirracista em todos os espaços em que nos encontramos para desta maneira dar cabo da missão histórica do povo brasileiro: o fim de todas as desigualdades e opressões existentes.

1 Gerald Horne, O Sul Mais Distante – Os Estados Unidos, o Brasil e o Tráfico de Escravos Africanos. Companhia das Letras, 2012

2 MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: Quilombos, Insurreições, Guerrilhas. Pág. 82 e 87. Ed. Anita Garibaldi, 2014

3 https://averdade.org.br/wp-content/uploads/2020/07/Documento-40-III-INTERNACIONAL-COMUNISTA-OS-COMUNISTAS-E-O-MOVIMENTO-NEGRO.pdf

4 Idem

5 Secretariado da Internacional Comunista. Princípios de Organização do Partido Marxista-Leninista, pág 169. Edições Manoel Lisboa, 2020

6 (https://averdade.org.br/2020/11/encarceramento-em-massa-do-povo-negro-aumenta-14-nos-ultimos-15-anos/)

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