A campanha pela reconstrução da UNE se confunde com a história da luta pela derrubada da ditadura militar. Em todas as assembleias, sempre que se anunciava a presença de um diretor da UNE, a massa gritava espontaneamente: A UNE SOMOS NÓS. NOSSA FORÇA, NOSSA VOZ. Esse grito precisa voltar a ecoar na garganta dos estudantes brasileiros.
Pedro Laurentino | Teresina
JUVENTUDE – Uma das primeiras ações dos facínoras que perpetraram o golpe militar de 1964 foi incendiar a sede da UNE, no Rio de Janeiro. A União Nacional dos Estudantes sempre foi uma espinha encravada na garganta dos fascistas e reacionários, desde a sua fundação, em 1938. Não à toa, ela foi fechada, os delegados do Congresso de Ibiúna (1968), presos e seu último presidente da época, Honestino Guimarães, assassinado bárbara e covardemente nos porões da ditadura militar.
A juventude foi o segmento que mais se destacou no enfrentamento à ditadura e no seu desmantelamento, inclusive, na heroica resistência armada. Dos 434 mortos e desaparecidos reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade, mais de 80% tinham menos de 30 anos de idade.
A campanha pela reconstrução da UNE se confunde com a história da luta pela derrubada da ditadura militar. A teia da reconstrução da UNE foi tecida nas lutas de cada universidade, na reconstrução dos DCEs livres e das UEEs e na realização dos Encontros Nacionais dos Estudantes – ENE. Foram quatro ENEs – o terceiro encerrado debaixo de grossa pancadaria, na PUC/SP, em 1977 – até o congresso de reconstrução, em maio de 1979.
A luta pela libertação do líder estudantil Edival Nunes Cajá – sequestrado e torturado em 1978 pela repressão em Pernambuco – encurralou o regime e deu total protagonismo ao movimento estudantil. A UFPE deflagrou greve geral – uma greve eminentemente política, diga-se de passagem – seguida pelas demais universidades de Pernambuco e do Brasil, encorajando a igreja, o MDB (partido de oposição legal), os artistas e o movimento popular, todos eles exigindo a libertação de Cajá, que era também auxiliar de Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife.
Os porões da ditadura saíram desmoralizados do combate a tal ponto que não houve mais sequestros e torturas políticas desde então, em que pese a tortura permanecer como prática de Estado para arrancar confissões de presos comuns no Brasil.
A essa altura, a reconstrução da UNE não era apenas um anseio dos estudantes, mas um clamor nacional: o 31º Congresso, que marcava a reconstrução da entidade, seria em Salvador (BA).
Delegações de todo o país aportaram com milhares de delegados e observadores, financiadas quase exclusivamente com recursos arrecadados em ações como pedágios, realizados nos semáforos das grandes cidades. A UNE era do povo!
Um centro de convenções ainda inacabado foi o palco da fúria rebelde da juventude, da presença dos primeiros exilados que retornaram ao Brasil, de discussões acaloradas, palavras de ordem aguerridas e – claro – agentes infiltrados pelo fascismo fotografando e lançando bombas de efeito moral, que em nada intimidaram o brio daquela geração destemida.
Numa atitude de suprema ousadia, o congresso elegeu apenas uma diretoria provisória e convocou, para o semestre seguinte, ELEIÇÕES DIRETAS para a escolha da diretoria de reconstrução. Foi um xeque-mate no regime, cujo ditador de plantão, João Baptista de Figueredo, era imposto ao país por meia dúzia de generais do alto comando das Forças Armas.
De um milhão e meio de estudantes universitários, 300 mil compareceram às urnas e elegeram a chapa MUTIRÃO, com consagradora maioria dos votos. Outras quatro chapas concorreram – todas no campo da esquerda –, em uma verdadeira lição de democracia ministrada por jovens ainda imberbes, mostrando que ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição e que SONHO QUE SE SONHA JUNTO É REALIDADE, conforme preconizava o profeta Raul Seixas.
Durante a gestão MUTIRÃO, uma greve nacional de três dias foi convocada. As universidades do Brasil inteiro pararam em defesa do ensino público e gratuito, por mais verbas para a educação e contra as mensalidades extorsivas nas escolas privadas. Nos mais distantes rincões, até onde não havia Centro Acadêmico ou DCE, pipocaram assembleias e greves, tal era a autoridade política e moral da UNE.
Em todas as assembleias, sempre que se anunciava a presença de um diretor da UNE, a massa gritava espontaneamente: A UNE SOMOS NÓS. NOSSA FORÇA, NOSSA VOZ. Esse grito precisa voltar a ecoar na garganta dos estudantes brasileiros.
*Pedro Laurentino é poeta, presidente da Unidade Popular no Piauí e foi presidente do DCE/UFRPE (1977/78) diretor de reconstrução da UNE (1979/80) e presidente de reconstrução da UEP (1980/82).
Matéria publicada na edição impressa nº 271 do Jornal A Verdade.