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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Carta: A principal tarefa da juventude é a rebelião!

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Temos que ser uma juventude rebelde, organizada e disciplinada. Devemos buscar organizar nossa revolta contra aqueles que tentam nos oprimir, que tentam tirar nossos sonhos e tentam apaziguar nosso espírito revolucionário.

Matheus Portela* | Salvador


CARTA – Como já prevê o ditado clichê, a juventude é a “janela do futuro”, deste modo, a juventude possui a grande tarefa de criar as condições e dar seguimento a construção do futuro da nossa sociedade. Nesse sentido, cabe a nós, os jovens, questionarmos não apenas quem somos, mas também qual o futuro que queremos construir. 

Então, seguimos por partes. Qual é o entendimento social do conceito  “juventude” na contemporaneidade?

Diferente da infância e adolescência que possuem marcadores biológicos e legislativos, através do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8069/90), para delimitar o período que compreende essa etapa da vida, a “juventude” não apresenta esse consenso, pois não se trata de um mero conceito estático e concreto, mas uma variedade de conceitos frutos de uma histórica representação específica de cada sociedade. Portanto, a juventude refere-se a um período que não se limita apenas a classificação etária, mas que compreende uma série de fatores, relacionados às transformações biológicas, psicológicas, culturais e sociais. E tais fatores apresentarão suas devidas especificidades de acordo com diferentes culturas, épocas, raça, gêneros e classe. 

Assim, apesar do senso comum utilizar-se da ideia cronológica para compreender a juventude apenas enquanto marco temporal, devemos ressaltar que este conceito carrega uma pluralidade de significados, e que não existe uma única concepção social que delimite o grupo geracional no qual os jovens estão inseridos, uma vez que trata-se de uma categoria que encontra-se em permanente construção social e histórica. Desta forma, ao destacarmos o papel da juventude, torna-se necessário abordar enquanto um conjunto heterogêneo das “juventudeS”, nomeada no plural justamente para evidenciarmos os diferentes grupos que a compõem, que apresentarão diferentes anseios, necessidades e objetivos.    

A bandeira da UJR é a bandeira da juventude que luta! (Foto: Isabella Tanajura / Jornal A Verdade)

Posta essa discussão, a quais grupos juvenis nos referimos quando referenciamos o conjunto da juventude brasileira?

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, são cerca de 47 milhões de jovens brasileiros que possuem entre 16 e 24 anos, e esse número cresce para mais de 60 milhões se considerarmos a população entre 25 e 30 anos. Essa massa de jovens é composta por um grupo diverso de jovens negros, quilombolas, periféricos, rurais, indígenas, ribeirinhos, por LGBTQIA+, entre outros. Ou seja, falar da juventude brasileira é falar de um conjunto de pessoas socialmente marginalizadas e economicamente exploradas pela  força do capital. Portanto, abordar a problemática da juventude e seus deveres também é abordar a problemática do capitalismo. 

Na última década temos passado por mais uma grande crise do sistema capitalista. Crise esta que se aprofundou e acelerou extraordinariamente durante os dois anos de período pandêmico, ocasionado pelo  COVID-19, que trouxe à tona de maneira ainda mais explícita as contradições do capitalismo, e os elementos da luta de classes. Assim, milhões de jovens ao redor do mundo têm observado suas condições materiais de vida diminuindo drasticamente, na medida em que crescem as incertezas acerca do futuro. 

Atualmente os jovens de até 29 anos totalizam 35% de todos os desempregados do mundo. E entre aqueles que conseguem algum emprego acabam por ter que aceitar as condições da informalidade, sujeitos a trabalhos cada vez mais precarizados, e sem os direitos assegurados. 

No Brasil a situação é semelhante com a do resto do mundo, a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos ficou em 29,8% ao fim de 2020, de acordo com o IBGE. E segundo as estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aschances de estarem desempregados são três vezes maiores que as dos adultos, tanto no cenário mundial como no nacional (OIT, 2008). A taxa de desemprego também evidencia outras desigualdades sintomáticas do sistema capitalista, como a desigualdade de gênero e o racismo. O desemprego entre as mulheres permanece acima da média, totalizando 16,4%, enquanto entre os homens é de 11,9%. A situação demonstra-se ainda mais grave quando observamos os índices de desemprego de acordo com as categorias de raça. O número de pessoas pretas e pardas desempregadas representa 33%, enquanto entre aqueles que se classificam enquanto brancos essa média representa 11,5%. 

O acesso à educação também é outra problemática para a juventude brasileira. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Semesp, na 11ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, apenas 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior e somente 17,4% das pessoas de 25 anos ou mais concluíram um curso. Entre esses 37 milhões de jovens universitários, 78,5% estão matriculados em faculdades privadas do país, que costumam apresentar mensalidades que não cabem no bolso da maior parte da população, obrigando muito desses jovens ingressos no sistema superior privado a terem que abandonar seus cursos devido a dificuldades financeiras, ou terminam o sonho da conquista do diploma com dívidas enormes e com baixas perspectivas de empregabilidade. 

Além da falta de emprego, e todas as dificuldades para a garantia da educação, os jovens brasileiros também sofrem com graves índices de repressão e violência. Segundo a publicação do Atlas da Violência de 2018, realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos últimos 11 anos, 324.967 mil jovens foram assassinados. E a principal vítima dessa violência é a juventude preta, que torna-se vítima de uma política dita de “Guerra às Drogas”.

De acordo com a pesquisa realizada pelo CESEC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) em 2021. a lógica punitivista imposta pela Lei de Drogas, além de custar caro ao Estado, é ineficiente, pois sua maneira de atuação não quebra as cadeias de comando do tráfico, como os grupos criminosos organizados, intensifica o encarceramento em massa, alimenta a violência policial, além de reforçar o racismo. Ou seja, uma política desastrosa para o combate às drogas, porém exitosa na continuidade do projeto eugenista brasileiro.

A violência de gênero também é bastante significativa na realidade brasileira. Todos os dias centenas de novos casos de estupros são relatados, e outros mais sequer chegam a ser denunciados. São em média pelo menos 180 casos por dia, segundo o 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, totalizando 66 mil vítimas de estupro no Brasil em 2018. 

De acordo com os dados levantados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil, no mesmo ano, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. E, após sofrer uma violência, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda, devido à ineficiência das políticas de proteção às mulheres. Tais casos de violência doméstica cresceram assustadoramente no período da pandemia. O relatório produzido pelo FBSP destaca que os casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril de 2020. De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registradas 105.671 denúncias de violência contra a mulher em 2020. 

Quando analisamos o caso de violência contra a população LGBTQIA+ observamos que o Brasil é um dos países mais perigosos para esse grupo. Segundo um levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com base nos dados do Sistema único de Saúde (SUS), foram registradas 24.564 notificações de violências contra pessoas LGBTQIA+. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil “é o país com a maior quantidade de registros de crimes letais contra LGBTQIA+ do mundo”. E no ano de  2018, o GGB registra que 420 LGBTQIA+ tiveram mortes violentas no Brasil. Ao tratarmos especificamente da população trans, a situação é ainda mais grave. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Brasil também é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Apenas nos dois primeiros meses de 2020, o Brasil apresentou aumento de 90% no número de casos de assassinatos em relação ao mesmo período de 2019. Dessa forma, a expectativa de vida dessa população é de apenas 35 anos, segundo a ANTRA. 

Esses são apenas alguns dados dos mais variados problemas que a juventude brasileira enfrenta. Fica evidente que o sistema capitalista não é capaz de oferecer à juventude uma vida digna, não é capaz de oferecer emprego, educação, saúde, segurança e lazer para a massa de jovens do país e do mundo. Dessa forma, os versos cantados pela banda Garotos Podres em 1988, na música de mesmo nome, ainda é uma realidade para maior parte da juventude brasileira:  “Não temos destino, para nós não há futuro/ Vivendo acossados pelos batalhões/  Proletários escravizados /Destinos abortados”.

São essas as condições concretas da juventude brasileira, dessa forma, retornamos a pergunta realizada no começo deste texto. Qual futuro buscamos construir enquanto juventude? 

Está claro que o futuro que devemos buscar está longe da realidade capitalista que nos é imposta, necessitamos buscar a construção de uma sociedade sem exploração, uma sociedade sem classe, uma sociedade Comunista. Lênin apontou as tarefas da juventude comunista, evidenciando a importância da geração nascida e crescida na URSS para a consolidação e criação de uma verdadeira sociedade Comunista. Segundo o revolucionário, a geração anterior tinha suas capacidades limitadas por ainda terem influências da moralidade capitalista, então seriam as novas gerações que deveriam se empenhar para consolidação de uma nova sociedade, com novos valores, fundamentados na coletividade. Portanto, cada jovem deveria se forjar de uma “Moral Comunista”, alinhando a teoria marxista com a prática cotidiana.  Para o revolucionário, aqueles que se detém apenas ao conhecimento teórico não conseguirão ter a capacidade de articular o conhecimento adquirido com a prática material, pois o comunismo está ligado a nossa vida cotidiana, e como o colocamos em prática.

Evidentemente, hoje vivemos um cenário bem diferente dos primeiros anos da URSS, nos encontramos em um cenário marcado por um grande avanço das políticas neoliberais e fascistas. A juventude atual não vive mais um período de efervescentes de revoluções, como as gerações do século XX, que observaram eclodir diversas revoluções em países da Ásia, África e América Latina. Entretanto, as lutas nunca cessaram, a juventude brasileira e do mundo luta todos os dias contra as mazelas do sistema capitalista. E cabe especialmente aos comunistas  o dever diário de seguir os ensinamentos de Lenin e se apropriar da teoria marxista e alinha-la a prática, e ajudar na construção das condições materiais para a revolução.

Por toda a história da humanidade a juventude sempre teve seu papel fundamental na construção e no sucesso de todas as revoluções. A juventude tem o papel revolucionário da contestação da ordem, da inquietude, e da esperança.  Isto posto, é necessário a nossa organização enquanto juventude contra esse sistema individualista, mesquinho e opressor, chamado capitalismo. 

Ademais, necessitamos desenvolver nosso espírito revolucionário, sem nos abatermos com as dificuldades, mantermos nossa disciplina política, moral e ideológica frente ao avanço das políticas neoliberais e ideologia fascista. Devemos seguir os passos de outros grandes jovens revolucionários que ousaram lutar e mudar seus destinos, como Ernesto Che Guevara, que apontava a necessidade do jovem comunista lutar sempre para estar em primeiro lugar, de sempre buscar melhorar, e de ser um exemplo vivo, um espelho para a sociedade. Dessa maneira, para que a população de idade mais avançada ao nos observar perceba nosso entusiasmo e nossos valores revolucionários, e que assim, sejamos capazes de reacender o espírito jovem revolucionário que está presente em cada um de todos os trabalhadores explorados do Brasil e do mundo. 

Por fim, nós da juventude,  temos que manter a rebeldia, a revolta, e termos orgulho da nossa inquietação, e valorizar nosso espírito e energia por mudanças. Porém, não podemos cair em uma rebeldia sem causa, como o clássico Hollywoodiano “Rebel Without Cause” (Rebelde sem Causa), protagonizado por James Dean. Temos que ser uma juventude rebelde, organizada e disciplinada. Devemos buscar organizar nossa revolta contra aqueles que tentam nos oprimir, que tentam tirar nossos sonhos e tentam apaziguar nosso espírito revolucionário. Se é um consenso que os jovens são o futuro, também deve ser um consenso que o futuro há de ser revolucionário. 

Venceremos!

Referências:

CRUZ, Maria Teresa. Quanto custa proibir as drogas? 2021. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods16/quanto-custa-proibir-as-drogas/. 

COELHO, Raquel Nascimento; AQUINO, Cássio Adriano Braz de. Inserção laboral, juventude e precarização. Rev. psicol. polít.,  São Paulo ,  v. 9, n. 18, p. 275-289, dez.  2009 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2009000200007&lng=pt&nrm=iso>. 

DIONISIO, Larissa; CERQUEIRA, Jéssica. Qual será o presente e futuro da política no Brasil? 2020. Disponível em: https://www.institutoupdate.org.br/2020/12/18/qual-vai-ser-o-presente-e-futuro-da-politica-no-brasil/?gclid=CjwKCAjwjJmIBhA4EiwAQdCbxrlZjjM08M2G2ormuX1RdtMIMXUSi9wPxAPYbV0R-_c0350IG8hZ6hoCCMIQAvD_BwE. 

FEDERAL, Senado. Panorama da violência contra as mulheres no Brasil. Brasília: Senado Federal, observatório da mulher contra a violência, 2016.

FÓRUM  BRASILEIRO  DE  SEGURANÇA  PÚBLICA  –  FBSP.  Anuário  Brasileiro  de  Segurança Pública. Edição XIII. São Paulo, 2019. 

GUEVARA, Ernesto. O que deve ser um jovem comunista. In: Conferência pronunciada na União de Jovens Comunistas em. 2004.

*Matheus Portela é militante da União da Juventude Rebelião (UJR).

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